sábado, 10 de julho de 2021

O Cineminha da Vila Militar

 

O CINEMINHA DA VILA MILITAR
LÚCIO EMÍLIO DO ESPÍRITO SANTO - Nas dependências do 7º BPM, nas décadas de 1960-70, havia uma sala de projeção de filmes que funcionava nos fins de semana e feriados, para o público da Vila Militar, o inesquecível Cineminha. Ali eram exibidos filmes de comédia do Gordo e o Magro (dupla Laurel & Hardy), filmes brasileiros como Pé na tábua, Sai de baixo, Matar ou correr, com Oscarito, Grande Otelo, Zé Trindade e outros que brilharam no cinema nacional. Tinha também os faroestes, feitos em série para consumo das massas, cheios de lugares comuns, histórias que se estruturavam sempre da mesma maneira e o final esperado com ansiedade pela criançada: um tiroteio ou um duelo entre o mocinho e o bandido, o embate final entre o bem e o mal.
O mundo do faroeste era povoado de cowboys, índios, bandoleiros, assaltantes de banco, extensas fazendas de gado, tavernas, rifles, chapéus, botas, esporas, cavalos, cinturão e revólver, xerifes, prontos para o saque. Tudo isso, emoldurado por paisagens de vales e vertentes, com rios de água cristalina, onde o herói se banhava e matava a sede. Nos filmes mais realistas, a ação passava-se no deserto, em meio aos cactos e areia fumegante. O romance também não podia faltar: o mocinho era sempre um apaixonado, lutando a favor da justiça, mas também para a proteção de sua amada, sempre em risco naquela terra de ninguém. Tudo em preto e branco.
O Cineminha funcionava onde é hoje o auditório da unidade, remodelado para eventos culturais, ensino e instrução dos policiais. Os projetores eram peças descartadas, ultrapassados, que já não serviam para o circuito comercial. Também os filmes eram obtidos quase de graça, já desgastados, arranhados e muitas vezes remendados. Os operadores eram voluntários, curiosos sem nenhuma experiência, que frequentemente produziam espetáculos mais engraçados que as próprias comédias que exibiam. Um desses erros era enrolar a fita ao contrário e o filme começava de trás para frente. Os cavalos corriam de marcha a ré, o bandido caía e depois é que vinha o tiro, mortos ressuscitavam e começavam a lutar. A plateia ia ao delírio.
A má qualidade das fitas e o aquecimento exagerado do projetor provocavam ao vivo, na tela, o derretimento lento da película, interrompendo por um bom tempo a projeção. Embora precário, o Cineminha proporcionava lazer às crianças, sem nenhum custo, além de familiarizá-las com o mundo cultural do cinema. Depois da sessão, vasculhávamos as latas de lixo da sala de projeção para pegar esses pedaços de fita e, com uma caixinha de papelão e uma lâmpada, tentávamos fazer o nosso cineminha em casa.
Influenciadas por essas fitas, as crianças da Vila brincavam de “camon”, na pracinha do coreto. A brincadeira era inspirada nas cenas repetitivas dos filmes, em que o Xerife, ao prender o bandido, gritava “camon”, imediatamente o preso levantava as mãos e perdia o jogo. Na verdade, “camon” nada mais era que o verbo come on, que se traduz como “vamos”. Só que viemos a saber disso muito mais tarde, nas primeiras aulas de inglês, do curso ginasial. Nesse tempo, começaram a aparecer as “calças americanas faroeste”, na verdade, o jeans, uma novidade que não estava ao alcance da maioria daquelas crianças, muito menos as botas estilo western, usadas com o jeans.
O Cineminha, devido a essas dificuldades, durou até que foi possível captar sinal de televisão nessas paragens. Aos domingos e feriados, o comando do Batalhão colocava um aparelho de TV na praça do coreto e a nova onda era o programa Jovens tardes de domingo, comandado por Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderleia, ícones que sepultaram de vez os heróis do faroeste, não ficando nem mesmo a brincadeira do “camon”.
*****
Lúcio Emílio do Espírito Santo é coronel reformado da PMMG, colunista, escritor e membro da Academia de Letras João Guimarães Rosa, da PMMG.
*****
NOTA DO EDITOR: Enquanto o site do Jornal (www.ibom.com.br) está sendo renovado, as matérias completas estão sendo publicadas aqui no Facebook.
Pode ser uma imagem de 1 pessoa, em pé e texto que diz "CENA DO FAROESTE «RIO VERMELHO>>, DE 1948, DIRIGIDO POR HOWARD HAWKS E COM JOHN WAYNE NO PAPEL PRINCIPAL ×—× BOM www.ibom.com.br O CINEMINHA DA VILA MILITAR TEXTO TEXTOÚI DE LÚCIO EMÍLIO DO ESPÍRITO SANTO"
Você, André Luiz Azevedo e outras 24 pessoas
2 comentários
8 compartilhamentos
Curtir
Comentar
Compartilhar

Nenhum comentário: