Poeta
à Procura de Editor
Belo
Horizonte, tarde da noite. Um rapaz andava furtivo pelas ruas do Centro, entre
as criaturas que circulavam na região: michês, vagabundos, boêmios, travestis,
funcionários de bares e boates.
De repente, um
spray. Gesto felino, Picasso dando
uma pincelada num quadro, escrevia um poema na parede de um prédio ou casa.
Para exercer aquele seu talento, o jovem jornalista André Duarte, que usava o
sucinto pseudônimo de Spider, precisava ser rápido e ter olho de lince: a
qualquer momento poderiam surgir gangues de pichadores que disputavam com ele o
território. Se o pegassem escrevendo, a surra era certa. Ele só julgava que
duas gangues faziam pichações interessantes, mais próximas das grafites: os
Leiloeiros e os Falsários. Ele implicava com Leiloeiros: apreciava mais os
Falsários. Os Leiloeiros faziam estranhas garatujas gestuais, como se pintassem
quadros de Pollock ou Basquiat. Por não gostar desses dois pintores, Spider os
desprezava e às vezes pichava: “fora os Leiloeiros, viva os Falsários” em algum
canto de muro, muito discretamente, buscando evitar represálias. Os Falsários
tinham como referência não a pintura ocidental, mas sim os ideogramas chineses
e japoneses; assim como os alfabetos árabe e cirílico. Mas, principalmente,
Spider era fascinado pelo aproveitamento que eles faziam do alfabeto georgiano,
como na pichação transcrita adiante: “ანოტაციების მსოფლიო ცენტრი 34 ენაზე!”
Certa feita, o
“poeta à procura de editor”, como ele se intitulava, escreveu na parede de um
consultório de dentista, bem próximo à Rua da Bahia: “remédio contra a cárie:
poesia”. Na parede de uma peixaria, lascou: “o peixe existencialista: nada”. Um
dia revelou à grande imprensa que o “poeta à procura de editor” era ele. Pouco
depois, obteve grande sucesso editorial, não com a poesia, mas com o best-seller educativo “Docência e
Insanidade” e o clássico da Administração: “Quem Cuspiu no Meu Chope?”. Mas
isso foi antes que ele enlouquecesse. Foi internado num subúrbio da cidade de
Barbacena. Eu o visitei no manicômio e esqueci de tirar o meu brinco. Ele me
entregou uma rosa e, apontando para a própria orelha, disse: “eu não sou bicha
não, mas você, hein...” Devido à qualidade de seus escritos literários, jamais
reunidos em livro enquanto André Duarte, digo, Spider, ainda tinha lucidez, reproduzo aqui o início do conto Vindima, que faz parte do livro Parafernália Teratoscópica (agora sou eu
quem está em busca de editor!): “Por mais que eu deseje descer ao Inferno, as
luzes estão apagadas, não há ninguém em casa e amanhã todos ainda estarão bêbados
demais, incapazes de me receber”.
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