Diário
de um Ghost Writer
Eu estava em
casa de meu pai, contando que atribuíram a mim um livro sobre segurança pública
que ele escreveu, quando um rapaz ligou da padaria. Sassá Mutema (ele afirmou
usar esse nome artístico e ter vindo da Bahia para Minas) era um negro de
longos cabelos bem cuidados e olhos azuis artificiais. Chegou desesperado,
precisando de um trabalho sobre Misticismo
na Internet, mas revelou estar traumatizado com a rede. O trabalho era para
o dia seguinte, mas topei assim mesmo.
6 de abril
Sassá Mutema
chegou com um casaco bege, imitando pele de jaguatirica, falando fluentemente a
língua da Tabatinga, um quilombo aqui de Bom Despacho. Ao receber o trabalho,
suas lentes celestes se iluminaram. Ele afirmou ser um pai de santo, só não
fazia aquele tipo de trabalho, mas fazia trabalhos de descarrego, curava mal
olhado, benzia cobras, desenfeitiçava e jogava búzios. Colocou-se à disposição,
se precisasse. Eu quis puxar assunto, dizendo que já sabia de vários centros de
candomblé e umbanda que estavam atendendo pela Internet; enfim, podia-se falar
na Webcam, prontamente, com um preto velho ou uma pomba gira, que baixavam on
line. Sassá nada disse; ao sair, despediu-se com um “muito obrigada”.
7 de abril
Hoje vários
alunos de uma faculdade privada local me procuraram para que eu os ajudasse com
as resenhas de A Ética Protestante e o
Espírito do Capitalismo, de Max Weber. Fiquei o dia inteiro fazendo um
coquetel teórico, misturando comentários tirados do Meira Penna (Opção Preferencial pela Riqueza).
Acrescentei uma pimentinha marxista para contrabalançar, ficou no ponto.
Pediram uma
monografia de História Local a respeito da antiga ferrovia que unia nossa
pequena cidade a Belo Horizonte e que foi desativada há trinta anos. O foco
devia ser um episódio de um acidente na ferrovia, quando o gongo bateu na
lateral da locomotiva e nenhum passageiro arriscou um pio. As ferromoças (o
equivalente das aeromoças de hoje) fizeram questão de tranqüilizar todos logo a
seguir. O aluno frisava o papel da mulher na construção da ferrovia. Um
trabalho de micro-história. Falei da decadência das ferrovias a partir do
governo JK e cheguei ao específico.
8 de abril
O telefone
hoje não parou. Uma aluna que fez Pós numa cidade litorânea me trouxe seu
caderno de anotações. Aparentemente, ela ficou o tempo todo na praia, pois as
anotações não tinham pé nem cabeça. Meu olhar experiente me levou a pensar que
ela copiou as anotações de alguém que as fez em código, para entendimento
próprio. Só consegui esclarecer que trabalhos a donzela deveria fazer,
contatando os professores dela na tal cidade litorânea. Para justificar o
atraso, inventei uma doença rara, a síndrome de Münchausen. Um dos mestres, condoído, respondeu errando o nome da
aluna: “Eu já te respondi isso, Maria Aparecida!” E ainda desejou melhoras no
tratamento da doença rara. Quando eu fizer minha Pós em Literatura, pretendo
escrever sobre o divertido trabalho do escritor fantasma.
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