segunda-feira, 19 de julho de 2021

O Andarilho Mais Rico do Mundo

 

O andarilho mais rico do mundo

 

Lúcio Emílio do Espírito Santo

 

 

            Descansava eu, alguns dias atrás, em pequeno sítio nos arredores de Bom Despacho, perambulando por entre os ipês, jatobás e outras espécies terrivelmente torturadas pela seca desse ano, quando adentrou o portão um jovem, barba ruiva, camiseta esgarçada, calça jeans encardida, um pé calçado e o outro descalço. O rosto, já sulcado pela inclemência do sol, emanava estranha luz. Não tive medo algum daquele desconhecido. Saudei-o e pedi que ficasse à vontade. O intruso sentou-se no chão, perguntou se podia beber da água da torneira ao lado. A água brota de uma pedra e não tem qualquer tipo de contaminação. Curioso, comecei a fazer-lhe um montão de perguntas.

            O forasteiro não queria dar muitas explicações. Hesitava quando tinha que dizer o próprio nome, de que lugar estava vindo, para onde ia, como vivia, por que se transformara em andarilho. Nada pude arrancar dele, nem ao menos a sua idade, se seus familiares sabiam do seu paradeiro e se tinha noção do lugar onde se encontrava. Depois de refrescar-se na torneira, passou a brincar com o guardião do sítio, o vira-lata Dragão.

            O desconhecido cessou bruscamente a brincadeira e pediu um prato de comida. Tínhamos acabado de almoçar e a comida se conservava quente, no rabo do fogão de lenha. Eu mesmo lhe fiz o prato, carregado no angu, feijão roxo, quiabo, couve, abobrinha e frango caipira. O andarilho não quis achegar-se à mesa da varanda. Sempre misterioso, comeu com calma e, pela maneira como usava os talheres e o guardanapo, via-se que sabia algo de etiqueta. Fiz-lhe ainda outras perguntas sobre amenidades e temas de que todo mundo gosta, como futebol, política, religião e namoradas. Tudo em vão.

            Assim que terminou a refeição, o estranho homem abriu sua mochila e disse que queria me pagar aquele prato de comida. Surpreso, disse a ele que não iria receber de forma nenhuma. Ele insistiu. Eu resisti. Um prato de comida é coisa que se dá de bom grado. Não se cobra isso de um visitante faminto. O andarilho teimoso meteu a mão na mochila e me deu três pedras. Meio desconcertado, recebi as três pedras e, ainda sem saber o que fazer com elas, vi o andarilho despedir-se e sumir na curva do caminho.

            Não me desfiz das pedras. Guardo-as a sete chaves. Elas estimulam a minha imaginação. Já pensei, por exemplo, em comprar alguma coisa com elas. Será que alguém as aceitaria? E se, de repente, passássemos a considerar moeda de troca todas as pedras do mundo? Não compreenderíamos melhor a significação do dinheiro convencional, que é um meio e não um fim em si mesmo? E se, de repente, os bilhões e bilhões que os políticos desviam dos cofres públicos virassem pedras, quantos caminhões não seriam necessários para transportar esses meros fragmentos de rocha?

            Ignoro em que parte do planeta está agora o andarilho. Só sei que não há nem pode haver, no mundo, homem mais rico do que ele, pois, pedra é o que mais tem na natureza.

 

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