O andarilho mais rico do mundo
Lúcio Emílio do Espírito Santo
Descansava eu, alguns dias atrás, em
pequeno sítio nos arredores de Bom Despacho, perambulando por entre os ipês,
jatobás e outras espécies terrivelmente torturadas pela seca desse ano, quando
adentrou o portão um jovem, barba ruiva, camiseta esgarçada, calça jeans
encardida, um pé calçado e o outro descalço. O rosto, já sulcado pela
inclemência do sol, emanava estranha luz. Não tive medo algum daquele desconhecido.
Saudei-o e pedi que ficasse à vontade. O intruso sentou-se no chão, perguntou
se podia beber da água da torneira ao lado. A água brota de uma pedra e não tem
qualquer tipo de contaminação. Curioso, comecei a fazer-lhe um montão de
perguntas.
O forasteiro não queria dar muitas
explicações. Hesitava quando tinha que dizer o próprio nome, de que lugar
estava vindo, para onde ia, como vivia, por que se transformara em andarilho.
Nada pude arrancar dele, nem ao menos a sua idade, se seus familiares sabiam do
seu paradeiro e se tinha noção do lugar onde se encontrava. Depois de
refrescar-se na torneira, passou a brincar com o guardião do sítio, o vira-lata
Dragão.
O desconhecido cessou bruscamente a
brincadeira e pediu um prato de comida. Tínhamos acabado de almoçar e a comida
se conservava quente, no rabo do fogão de lenha. Eu mesmo lhe fiz o prato,
carregado no angu, feijão roxo, quiabo, couve, abobrinha e frango caipira. O
andarilho não quis achegar-se à mesa da varanda. Sempre misterioso, comeu com
calma e, pela maneira como usava os talheres e o guardanapo, via-se que sabia
algo de etiqueta. Fiz-lhe ainda outras perguntas sobre amenidades e temas de
que todo mundo gosta, como futebol, política, religião e namoradas. Tudo em
vão.
Assim que terminou a refeição, o
estranho homem abriu sua mochila e disse que queria me pagar aquele prato de
comida. Surpreso, disse a ele que não iria receber de forma nenhuma. Ele
insistiu. Eu resisti. Um prato de comida é coisa que se dá de bom grado. Não se
cobra isso de um visitante faminto. O andarilho teimoso meteu a mão na mochila
e me deu três pedras. Meio desconcertado, recebi as três pedras e, ainda sem
saber o que fazer com elas, vi o andarilho despedir-se e sumir na curva do caminho.
Não me desfiz das pedras. Guardo-as
a sete chaves. Elas estimulam a minha imaginação. Já pensei, por exemplo, em
comprar alguma coisa com elas. Será que alguém as aceitaria? E se, de repente,
passássemos a considerar moeda de troca todas as pedras do mundo? Não
compreenderíamos melhor a significação do dinheiro convencional, que é um meio
e não um fim em si mesmo? E se, de repente, os bilhões e bilhões que os
políticos desviam dos cofres públicos virassem pedras, quantos caminhões não
seriam necessários para transportar esses meros fragmentos de rocha?
Ignoro em que parte do planeta está
agora o andarilho. Só sei que não há nem pode haver, no mundo, homem mais rico
do que ele, pois, pedra é o que mais tem na natureza.
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