quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Obama, Caetano, Cânone, etc

Caetano abriu novo debate com os linguistas em seu blog Obra em Progresso. Penso que ele não vai ganhar doutorado honoris causa em linguística, se a coisa continuar assim: ele lê, lê, mas discorda cordialmente de quase tudo. Caetas não gosta de linguista. E de linguística. Prefere gramática. Ponto. Não seria melhor assim? Quando ele falou sobre o "r" retroflexo em Verdade Tropical, chamando-o de "aleijão" ele mostrou ter preconceito linguístico.

Em dado momento, ele atribui a Bagno uma adesão a uma falta de auto-estima brasileira e às críticas de Marilena Chauí ao descobrimento no ano 2000. Pelo que me lembro naquele ano, o que aconteceu foi que os movimentos sociais concluíram que nada havia para comemorar e o momento deveria ser de protesto e assim foi. E, no discurso de Caetano, os PCNs, com os quais o discurso de Bagno está em sintonia, criticados como demagógicos e em outro momento, mostrados como realização do governo Fernando Henrique Cardoso ou mostra de que ele não foi horrendo. Esse governo teve muito de horrendo, com certeza. Mas piores foram as tais comemorações em Porto Seguro que Caetas defendeu: até Gabeira se espantou com o ridículo dos galeões portugueses que não navegaram. E Gabeira tem pouco a ver com os movimentos sociais, é liberal moderno, de uma nova direita, mas não sei se ele entende assim.

E cita esse artigo de Antonio Cícero, filósofo poeta e letrista de Marina Lima, parece que acredita quase religiosamente nas luzes da razão ocidental como panacéia universal, "pomadinha japonesa" que serve para tudo ou quase tudo: ao falar de um poema, o coloca em forma de premissas lógicas e diz que sabe que será acusado de logocentrismo. Critica Terry Eagleton e os estudos culturais quando eles dizem que o cânone muda e é relativo. Para Cicero, a prova de que os textos canônicos possuem valor reside no fato de terem sobrevivido secularmente a tantas críticas e revisões.

O texto que ele ataca de Eagleton parece realmente ser frágil. Eagleton defende que a arte grega poderia sair do cânone se ocorresse uma importante descoberta arqueológica, diz Antonio Cicero sobre o Eagleton citando a famosa frase de Marx que também está debatida por Lukács: o mito é a infância da humanidade e a arte grega pode ser apreciada embora as estruturas econômicas que a geraram fossem pobres, toscas e já desapareceram. Como não vi o artigo de Eagleton, não é possível defendê-lo nesse ponto.

Mas já Harold Bloom é um prato cheio para os multiculturalistas criticarem. E diria o seguinte: o cânone, do jeito que certos tradicionalistas querem, não é desejável. Mas Cicero e Caetano querem colocar o cânone como se fosse um enorme traseiro de mármore diante de nós. Estou com Oswald de Andrade: precisamos retornar ao que está vivo na tradição, não ao passado.

Talvez ele tema que eles não sobrevivam tão bem à sanha dos estudos culturais...Mas tudo bem. Caetano compara a defesa do cânone do Cicero com a defesa que ele faz da gramática e das normas, tomadas como nascidas do povo e altamente desejáveis. Ele deseja uma gramática do desejo? Acho que ele deseja que desejemos a gramática. Ele poderia fazer uma canção de amor a crase e nos ajudar. Caets não acha a crase difícil. Sou mais Gerald Thomas, que escreve em pc estrangeiro mesmo e não usa acentos. Sou a favor de uma reforma da língua portuguesa escrita que acabe com todos os acentos, para que ela fique mais competitiva em relação à língua inglesa.

Caetano e Cícero lutam muito contra a idéia de que grupos cultos e letrados possam ter selecionado esses textos canônicos por razões particulares. Quanto ao cânone isso me parece claro, mas para eles não é, por alguma razão obscura (ou não!): um bom autor como Octavio de Faria ficou fora do cânone. Gostei bastante de seu romance Mundos Mortos, achei-o de primeira linha, sem retórica exagerada, conciso, abordando um tema espinhoso (a adolescência) e a identidade sexual. No entanto, ele possui fortes concorrentes em seu tempo: Graciliano Ramos, Jorge Amado, entre outros. Ele entra agora no cânone de um interessado em temas gays em literatura como João Silvério Trevisan, por exemplo. Pode ser que, mais adiante, desbanque alguém do cânone. E ele estaria no cânone se o cânone fosse exclusivamente, perdidamente católico, por exemplo.

Gosto de ver Shakespeare como o vi no TU: Próspero era o colonialista decadente, vestindo roupas rotas e os nativos da ilha, Caliban inclusive, estavam nus ou seminus e eram fortes e vigorosos.

Em suma: para quê negar que são grupos cultos ou elites que selecionam o que temos como literatura canônica e a gramática? E que esses critérios que fizeram o cânone tem muito pouco rigor científico e bastante de arbitrário? Que o que chamamos de norma culta era o dialeto dos cultos e letrados do passado? Será que esses donos da razão vão ir mais longe e chamar todos os que questionam isso de irracionalistas?

Obama discursou e o discurso parecia uma cena de cinema. A anunciação foi magnífica. É preciso analisar a gestuália de Obama. Regina Casé analisou a de Fidel em Cinema Falado e observou que tudo, em Fidel, vinha da região genital, suas mãos sempre evoluindo a partir do ventre. Obama discursou bonito, mas o mercado, como acabo de saber, não melhorou. O mercado é irracional.

O Brasil industrializou-se, historicamente, nos períodos de crises motivadas por guerras dos países centrais (1914-18) e 1939-45, segundo Nelson Werneck Sodré. Vejamos o que vai acontecer agora.

Minhas críticas ao governo Lula são políticas e não culturais. Lula sabe também sabe fazer discurso conforme a platéia, matizando as idéias para jamais ser "contra" aquela platéia. Suas proezas de anão evocam Getúlio Vargas no inconsciente do povo brasileiro, mas Vargas foi mais longe em suas realizações. Vejamos do que, pressionado, Lula é capaz. Somos moldados pelo meio e pelo contexto. Num desses carnavais mundo afora, não sei se no Mardi Gras de New Orleans ou em Rijeka na Croácia, fizeram um boneco de Chávez com Bush no colo. Bush, radicalizando com um golpe à moda antiga contra Chávez, ignorou o contexto político da Venezuela e fez nascer o Chávez de esquerda, o aliado de Fidel. Antes ele se manteve dentro dos parâmetros do neoliberalismo. Depois do golpe falhado, pode finalmente colocar em prática uma agenda progressista mais ampla. Chávez não é dúbio, Lula é.


Mas ainda quero --mas acho que não vou ver -- Obama ter culhões para um dia entrar no Congresso e dizer:

--My fellow citizens, we lost in Iraq. Sadly, also in Apheganistan.

Mas o racismo continua. O Washington Post publicou uma charge de um chimpanzé morto e abaixo a legenda: "vamos ter que encontrar alguém para inventar um plano de estímulo..." Um amigo me diz que a direita está satisfeita com Obama. Outro, que é um sargento democrata do Texas, diz que existe uma grande insatisfação com os impostos que devoram trinta por cento dos salários dos trabalhadores americanos. E existe a suspeita de que Obama não vai cumprir suas promessas de campanha. Demétrio Magnolli comentou, em programa de TV, que Chávez é autocrático e tem tudo a perder com a crise. Essa gente pensa que basta fechar as torneiras do petróleo e ele cai. Já vi raciocínios assim na Globo, na Piauí, num artigo de um tal Jim Holt. Só que Chávez possui realizações e não só programas assistencialistas. E ele perde nas províncias mais ricas que produzem petróleo: claro, ele obrigou-as a se democratizarem, atacou as oligarquias podres e a burocracia das empresas, em especial da PDVSA.

Magnolli diz que existe um ódio popular contra Wall Street e que Obama joga com a seguinte chantagem com os ricos: se vocês não fizerem o que eu mandar, virá alguém mais anti-Wall Street que eu, aquela velha frase que os professores dizem: "atrás de mim virá uma pessoa que boa me fará"...

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