“A chuva dá de beber aos mortos”, como já disse Walter Campos de Carvalho. Um belo dia musical encontrei na Praça da Liberdade o líder pacifista Eriuch Itzak Rabin, fazendo campanha contra uma aliança política do governador mineiro. Suas palavras eram música para meus ouvidos, música adocicada de Mozart. Eu lhe falei sobre Villa-Lobos, Stockhausen e ele imediatamente começou a reger uma sinfonia. Eu perguntei a ele se tinha ficado louco e ele me disse que não, que era médium e estava regendo uma peça fantasma, uma peça espírita, um pequeno concerto ali no coreto.
Imaginei que, ali na Praça da Liberdade, poderíamos facilmente ser acertados pelos mísseis do Hamas, mas logo dos alto-falantes da Praça veio a voz de Lula, como se fosse uma lua vindo da Ásia: “foguete não resolve o pobrema de ninguém”. Imediatamente, Eriuch acusou o governador e um tocador de violão cabeludo que estava no portão do palácio de ecléticos, santas e rapaduras. O governador reclamou dizendo que tinha sido guerrilheiro na Itália e tinha extraditado a Dama das Camélias e o ator Paparabadas. O cantor cabeludo passou logo a dar com o violão na cabeça da Dama das Camélias corrigindo o seu português, enquanto Paparabas os perseguia, acusando o cantor cabeludo de preconceito lingüístico, no que tinha total razão.
Eriuch e eu fomos imediatamente então para o cemitério Père Lachaise, em Paris. Olhamos nossos passaportes e havia ali um zero muito grande, um zero em lógica, mas foi tudo ilusão idiótica. Eriuch, com a casaca toda rasgada, queria visitar o túmulo de Chopin, mas eu o levei ao de Chico Xavier que eu nem sabia que estava enterrado ali, no lugar do túmulo de Kardec. Andamos entre os túmulos e logo escutamos uma canção dos Doors e algumas passagens de Proust, além da conversação de Oscar Wilde. Chico Xavier, que na verdade era Simão Pedro ressuscitado, estava fazendo uma preleção a seus fiéis, que alegremente atiravam flores pelo cemitério, dançando alegres & risonhos & ressuscitados. Chico, eufórico pelo fato de um médium canadense ter descoberto, em meio à Ópera H, de Gerald Thomas e John Hemingway, a senha para poder, enfim, reencarnar como Simão Pedro, enfiava as flores em suas chagas petrificadas, enquanto retirava algodão e farinha das narinas.
No entanto, diante dessa cena no cemitério eu adormeci e acordei diante do velho oceano de vagas de cristal e minha barriga suja de areia. Eriuch estava morto ao meu lado. Ao ver seu cadáver nu quis vendê-lo à faculdade de Engenharia Metalúrgica, pois descobri que Eriuch era um robô-maestro. Chico Xavier saiu do mar com livros para me vender, andando sobre as águas e o pior, trazia de enfiada uns quadros de Portinari que acabava de pintar. Eu lhe disse que queria ser médium e escritor, mas observei que Portinari desaprendeu a pintar no além. A partir daí, Eriuch ressuscitou e me contou que seu nome verdadeiro era Zínia Gasparzin. Ele estava todo vestido com flores, andando num carro novo e cantando a canção hippie Happy Together. Amando os The Turtles, pensei então em pescar truta na América com Gerald Thomas, Caio Blinder, Adam Sandler e outros judeus cultos, mas Eriuch me disse que eu devia ser médium e converter gays ao espiritismo heterossexual. Partiria, então, imediatamente numa missão católica para converter os gays do Irã. No entanto, lembrei-me que um dia escutei o presidente Ahmadinejad, do Irã, dizendo que lá não existiam gays. Ao saber que ficaria ocioso, imediatamente desisti da viagem.
Eriuch ainda me deu um folheto a respeito e eu e o subitamente ressuscitado Kardec lemos atentamente. O folheto era, na verdade, uma partitura e Eriuch cantou maravilhosamente sua sinfonia aos espíritos másculos para nós. Embevecido, mas mesmo assim realista, Kardec disse a Eriuch que ser médium e converter gays dava intenso formigamento no ânus, vagina e pênis. Chico Xavier, então, desistiu prontamente deixar de investigar a cura dessas práticas contra a natureza. Ele passou a pesquisar a possibilidade de ressuscitar Evita Perón e Tancredo Neves. No entanto, ao som de Joan Baez, encontrou a essência que transformaria tudo em ouro, mas perdeu-a. Ah, as misturas alquímicas! O governador mineiro deu todo apoio ao projeto de ressurreição de Tancredo Neves, mas só colocou uma exigência: deveria ser no dia vinte e um de abril.
Diante de toda essa conversa, Eriuch nos convidou a irmos a uma Igreja católica recentemente restaurada. Chegando lá, ele nos contou que era maçom e nos mostrou sua rosa cruz entre as pernas, bimbalhando entre canções natalinas onde ele citava um maestro cabeludo e alegre que sempre anima a Rede Vida. Ele era todo música, mas a Igreja estava em ruínas, não fora restaurada de forma alguma. Eriuch passou então a só aceitar ser chamado de Zínia e a partir daí passou a andar de terno sem calças e se dizendo uma nuvem de calças. Ele entrou numas de Maiakósvski e passou a assobiar Chostakóvich.
Numa cena violenta, o escritor Campos de Carvalho, rebatizado Walter Oak Fields, apareceu de dentro de um cocô da praia, que na verdade era a cabeça de sua mãe, agarrou as pernas de Eriuch e começou a mordê-las, arrancando sangue. Eu me assustei, imaginando subitamente se aquela agressão não se devia aos meus espíritos obsessores e também devido ao fato de que médium baiano muito bem dotado ter aparecido num filme e me ensinado, à distância, no escuro do cinema, a baixar espíritos de luz on line.
Eu já tinha mesmo me convertido ao budismo de novela e cultuava um deus elefante quando Eriuch partiu para Israel, agora um território ocupado por russos, iranianos, árabes e sírios. Ele me disse que iria se martirizar tocando Wagner por lá, tentei dissuadi-lo, mas não consegui. Dias depois, vi um extremista judeu assassinar Eriuch Itzak Rabin na televisão, em meio a um discurso em um kitbuzim sitiado por palestinos do Hamas. Eriuch propunha trazer um médium do Brasil que ia ressuscitar Benazir Butto, quando o extremista o achou por demais ensandecido e matou-o a coronhadas de fuzil diante de um mundo que sempre foi bárbaro, segundo Oak Fields.
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