quinta-feira, 24 de abril de 2008

Artigo

As Disfunções do Artista Ou Os Tamanduás Também Amam


O texto A Função do Artista que abre a revista Dimensão de 95 parece tentar se contrapor ao texto homônimo de Ferreira Gullar que data do início dos anos 60 e defende a arte engajada. O editor de Dimensão escreve que: “A finalidade da arte é estética, isto é, de apenas proporcionar prazer estético. A função do artista, desde que o seja, é de produzir beleza.” O texto parece adotar uma postura esteticista e reafirmar uma crença na arte pela arte. Em seguida o editor coloca a seguinte afirmação: “Disso provém, contudo, que não se deve subordinar o específico artístico nem mesmo às suas próprias dimensões políticas, filosóficas, religiosas ou ideológicas.” Ora, é evidente que uma obra de arte deixa pistas sobre o momento social em que ela foi criada e suas pretensões políticas, religiosas ou ideológicas. Ocorre que na capa da revista a palavra “estética” já é usada no sentido apenas de “forma” e não de “filosofia da arte”.
O texto prossegue: “Pode usar (o artista) o material que desejar e tiver. Todavia, como matéria bruta utilizável para fins artísticos. Do contrário, como ocorre comumente com quem inverte os pólos da criação, realizará uma obra que configurará romance, peça teatral ou musical, filme ou quadro, mas, que não terá nenhum valor. Não o tendo, será tudo, menos arte.” Tal procedimento ignora que uma obra arquitetônica poderá usar procedimentos artísticos, ser bela e ao mesmo tempo funcional; a beleza terá sido produzida, mas não gratuitamente e ela então se adequou à finalidade de tal obra. A inversão dos pólos da criação gerará uma obra panfletária, pobre em matéria de forma, conteudista, propagandística. Mas terá, mesmo assim, usado procedimentos artísticos.
O privilégio da forma sobre o conteúdo cria, em contrapartida, obras formalistas, estilo rococó. A importância da obra como conhecimento da realidade será relegada em prol de um experimentalismo que irá desconstruir até a palavra, partindo para linguagens não-verbais. Fica configurada mais uma derrota do pensamento.
Por fim, o texto faz a seguinte ressalva: “O que não está certo é submeter a arte a outros propósitos, princípios e diretrizes que lhe não são peculiares ou tentar impingir isso e, ainda, considerar que é arte a contrafação resultante dessa subalternidade e desorientação. Em suma, não é incumbência do artista, enquanto tal, comprometer-se ou engajar-se em causas estranhas ao intuito de proporcionar prazer estético. Sua atividade, que nada nem ninguém pode legitimamente direcionar, impedir ou limitar (sic), é apenas gerar beleza. Mas, como se tem dito, esse apenas é tudo. Perfaz um mundo grandioso e eterno.(...) Necessário, pois, que se mantenha viva a discussão para que preocupações impróprias não condicionem ou balizem a obra em detrimento e prejuízo da arte. Bastam-lhe, a esta, o isolamento, a marginalização e as dificuldades que a indústria dita cultural lhe ocasionam.”
Mas a própria revista Dimensão exibe a seguinte chamada: “Publicação aberta aos poetas cuja obra esteja de acordo com a linha editorial de modernidade, contenção verbal, rigor, elaboração da linguagem e/ou pesquisa, experimentação e criação de novas linguagens.” Tal chamada, que antecede o texto do editor, restringe quem irá participar. O ponto onde se chega através destes apontamentos do editor: a reflexão e a análise são excretadas em nome do prazer estético, da forma, do trocadilho, do jogo de palavras, do neobarroquismo, do rococó.
O que mais me desgosta é saber que o poder público apóia iniciativas como esta, que perderam de vista o Brasil e desejam passar ao largo de nossa realidade. O que este exagero formal lucrou foi o aniquilamento do significado. A marginalização da poesia em relação à cultura de massas impingida pela indústria cultural realmente acontece, mas Dimensão exala um desejo de auto-marginalização e de auto-flagelação da literatura em nome da pureza da arte.
Não quero com esta carta defender nem o populismo de um Roberto Drummond nem tampouco o catecismo de Paulo Coelho. Quero que Dimensão melhore e se torne menos negligente. Envio também poemas de minha autoria, para comprovar que não só critico mas também ofereço alternativas concretas. Eu declaro aberta a discussão! Evoé!
Abraços! Os tamanduás também amam!

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