quinta-feira, 24 de abril de 2008

Sóis e Virus Mundanus

Sóis e Vírus Mundanus


O primeiro livro de Júlio Emílio Tentaterra (Poesia Orbital, 1997), é também a tão almejada publicação dos antigos escritos do autor-jornalista formado em 1979. Sua escrita traz as marcas da década de 70: contestação, tropicalismo, cultura de massas, concretismo. No poema “Incinerador”, ele cita uma frase bela, que poderia ser também a epígrafe de um relato como O Que é Isso, Companheiro: “A medida que nos lembramos do passado o reconstruímos de acordo com nossas idéias atuais sobre o que é ou não é importante” (Peter I. Berger).
Nos seus melhores momentos, Júlio lembra Jorge Mautner: “Sou um vampiro/ desgraçado de feio/ vagando dia adentro/ entre muralhas e olhos de gatos miseráveis.” A cultura do corpo, a ascensão do idioma inglês em detrimento do francês e do latim, a contracultura, estas são as marcas internas que a escrita de Júlio desvela, como no poema “Bebo a Bela”: “Como vai minha beija-flor?/ Comeu alface no breakfast/ e está achando que regime é guilhotina/ de Maria Antonieta, Led Zeppelin/ background, fide back, Tiradentes e da esfuziante Carolina de Jesus./ Realmente sou um vampiro feio/ que rola amargamente pela cama/ sentindo frio e sem poder voar para suas suculentas coxas/ de cortesã primaveril.”
O anarquismo e o espírito contestador que acabam enjaulados pela sociedade de consumo - este é o drama a ser enfrentado. O poeta é, neste momento histórico, o coveiro das utopias, como atestam os poemas “Judas” e “Mr. Contestador”: “Agora não brinco mais/ Não procuro a corda/ ou o escaldante beijo./ Sou apenas um Judas/ que rolou à noite na cama/ porque não sentiu remorso./ Não sou dono deste mundo,/ nem do outro.” No fim do texto ecoa a “morbeza romântica” de Jards Macalé e Torquato Neto: “Todos os meus senhores/ estão a me espiar/ querendo saber se os meus ossos/ estão impregnados com o docepodre do planeta./ Olha, menina, sou um negro que os calhordas/ resolveram chamar de morte.” Júlio, ator e componente da companhia Tripa de Mico Estrela, foi também do grupo poético-musical Virus Mundanus, um dos melhores nomes de banda que já vi, soube interpretar várias vozes de um tempo e de uma época. Dizer mais do que isso será dar bicadas na maçã, será impedir que a poesia deste jovem (o tempo cronológico foi invenção do relógio! brada ele) diga por si mesma, se exponha. Para os que se atreverem a atravessar o limiar entre a cultura e a contracultura é que ele oferece esse voluminho. Ele lhe será suave ou indigesto, conforme o paladar do freguês. É como doce veneno, uma maçã psicodélica de Branca de Neve que o autor malvado oferece. Façam bom proveito.

Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior-Letras-UFMG

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