Num artigo da Folha de dezembro de 96, Marcelo Coelho chamou Paulo Francis de “Carmen Miranda do Caos”. Ilustrando o texto, uma figura híbrida entre Karl Marx e o bom velhinho. Uma boa definição.
Francis teve a fase esquerdista, depois a niilista, e por fim morreu defensor radical do liberalismo econômico e feroz conservador cultural.
Em 1966, ainda na fase marxista/ trotsquista: “o problema (dos EUA) é defender seus interesses e, ao mesmo tempo, anestesiar as aspirações dos destituídos que pagam por eles.”
Em 18 de janeiro de 1971 atacava Roberto Marinho no Pasquim, pois o jornal O Globo publicou o nome de Francis e de outros jornalistas do Pasquim junto com os nomes de subversivos que iriam ser trocados pelo embaixador alemão: “Roberto Marinho nos honrou com a preferência. Quer nos banir do país porque representamos uma ameaça para ele. Apesar de seu poder nacional de corrupção -- a metástese Globo de TV se estende progressivamente pelos estados...”
Paulo Francis sobreviveu à sua época e se tornou um símbolo vivo de um tempo morto. Ele acabou por atacar os princípios que antes defendera. Passou a descontar nos mais fracos o seu descontentamento com o presente. Repudiou a esquerda , ele que elogiara Che Guevara.
Com o passar do tempo, Francis foi se tornando cada vez mais conservador, abandonando o marxismo, o comunismo, a esquerda e chegando ao extremo de apoiar Collor em 1989. Tornou-se um sucesso de mídia no programa Manhattan Connection, no canal a cabo GNT. Do final dos anos 80 em diante ele se alinhou claramente à direita. Na Globo ele criou seu personagem e um estilo de falar que influenciou muitos na televisão brasileira.
A revista Veja lançou uma reportagem sobre Francis quando de sua morte, uma matéria de capa. Exaltou o lado mais preconceituoso do jornalista, ignorou o escritor, escrevendo que seus romances foram lançados nos anos 60, quando Cabeça de Papel (1977) e Cabeça de Negro (1979), entre outros, são do final dos anos 70, quando Francis os lançou e constatou que é impossível viver como escritor no nosso país. Consta nas suas memórias que chegou a pensar em suicídio.
A Veja destacou as frases que mais se identificam com ideologia dela própria. Ela, como Francis nos últimos tempos, tornou-se neoliberal e politicamente incorreta. Nas frases destacadas temos o lado cafajeste de Francis, com racismo, ressentimento e desprezo à democracia.
É evidente que nem mesmo o “francista” Daniel Piza apreciou tanto estes seus ditos a ponto de selecioná-los para o livro Waaal, O Dicionário da Corte. Vários deles não constam da seleção.
Minha conclusão é de que Francis aderiu à ideologia preponderante no país ultimamente, o neoliberalismo, que aqui na América Latina vêm mesclado com mau-caratismo e apelos ao autoritarismo à la Fujimori. A ideologia dá mostras de desgaste no continente, com Argentina, México, Peru e Equador envoltos em crises onde o neoliberalismo é o pivô. A revista Veja falou pouco de sua trajetória e não enumerou nem que livros lançou nem sequer trouxe novidades sobre sua trajetória. Narrou o seu fim, atribuído por alguns à maldosa Petrobrás, que quis exercer seu direito de defesa contra o complexado compatriota. É verdade que morto só tem virtudes? Pelo menos para a imprensa brasileira. Francis foi de esquerda no passado, mas num dado momento as coisas se inverteram em sua cabeça.
Ele terminou se conciliando com a burguesia que anteriormente execrou. Adotou sua ideologia, sua pose e retórica, escancarou preconceitos que os donos de jornais, revistas e da esmagadora maioria dos meios de comunicação têm mas não falam abertamente. Preferem o racismo cordial; Francis não. Chegava a ser irresponsável ao defender a ideologia que compartilhava com a Rede Globo. O final foi triste e lamentável, mas Francis já estava tecnicamente morto, como dizia para os amigos. Estava morto também moral e espiritualmente, na prática, como os valores morais da burguesia brasileira. Estava morto como o jornalismo do passado, como o Brasil pré-64, morto como o stalinismo, como os liberais clássicos sepultados pelo neoliberalismo.
Um comentário:
Pois é: uma coisa que um futuro biógrafo do Francis deve sublinhar é exatamente o fato essencialmente trágico de que ele de uma certa forma preparou o próprio fim. Nenhum dos seus amigos políticos de Direita, de fim de carreira, se daria ao luxo de soltar aquele insulto absurdo sobre os diretores da Petrobrás, e se o fizessem e fossem processados, se retratariam imediatamente, e ao diabo as conseqüências disto para a reputação! O Francis não, morreu roxo sem perder a pose...De certa forma, o Francis acreditava em tudo que dizia; ele era a caricatura extrema do intelectual brasileiro de Esquerda renegado, que quando vê o povo agir politicamente de uma maneira que contradiz suas ilusões idealistas (como quando ele adere ao populismo varguista, ou ao pragmatismo do Lula) vira as costas a ele.
Na década de 60, bem ou mal, ele teve ainda a coragem de ser companheiro de viagem do Brizola; mas 30 anos depois, deslumbrado em NYC, errou feio. Aqui entra um problema constante do intelectual de Esquerda brasileiro: sua tendência a tirar do marxismo apenas o lado elitista, de um leninismo em que a vanguarda é o único sujeito histórico, esquecendo da frase da "Ideologia Alemã" que diz que o Comunismo é o _movimento real das coisas_ - coisa que Lenin, com todo o elitismo da sua teoria política, jamais esqueceu. A questão aí é entender que, para o marxismo, o ponto de partida é a realidade material, mas também a _contradição_ que ela contém em si mesma; o estado real das coisas, mas tb. a sua superação possível.
ass.Carlos Rebello (crebello@antares.com.br)
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