16/1/2008 Sem que exista a profissão e sem entidade que os congregue e defenda, os tradutores brasileiros são, sabidamente, movidos a maus-tratos. Quando merecem menção, é por terem cutucado o saco de malvadezas do comentador indisposto. Sorte eu não ter me empolgado com o tratamento, surpreendentemente laudatório, que me coube em meados dos anos 1980, quando me lançava como tradutor, pois logo saberia que não me restava senão parir traduções indefinidamente, sem rigor, prazer ou dignidade. Isso apenas para me manter visível, uma vez que a sobrevida material teria de ser garantida mesmo por um outro qualquer afazer ou profissão que existisse. Deixemos de lado, aqui, os milagrosamente imunes, os vitoriosos. E mais: tenho ainda como cenário um tempo em que éramos até felizes com a merreca e os maus-tratos recebidos. Os tempos são outros. Já nem persiste o costume de dar créditos. Peter Bichsel, em seu primeiro lançamento brasileiro, surge em português como que do nada. Na net, depois se vai saber, consta ser Claudia Cavalcanti a tradutora de “O homem que não queria saber mais nada”. Mistérios.Tendo traduzido “O ajudante”, de Robert Walser (Arx/Siciliano, 2003), não houve menção do meu nome nos comentários quando do lançamento. Para os críticos, e quase todos eles para chegar à obra contaram com o meu esforço, o livro, do preferido de Kafka, surgia quase um século depois com as grandes qualidades apontadas por Benjamin em artigo famoso. Ao falar da surpreendente aceitação do produto, um porta-voz do Consulado Suíço falava da dificuldade em traduzir Robert Walser, dada a distância a separar o dialeto suíço do alemão oficial. Ocorre que o romance foi escrito em alemão oficial (Hochdeutsch), e de primeiríssima qualidade, com o apuro quase ‘over’ dos autores nascidos na Suíça ou na Áustria, para os quais o idioma oficial é aquisição escolar, quase sempre penosa. E, vejam, o porta-voz ignorava o autor da proeza que alardeava difícil e, portanto, grandiosa.Com tudo isso, os escândalos que os jornais noticiaram em dezembro último, a envolver uma editora sem lastro no mercado, a Martin Claret, mas também, o que é mais preocupante, uma das editoras de maior visibilidade no país, a Nova Cultural, a mim não me surpreenderam tanto. Talvez seja o momento de nós, modestos construtores desse ‘balança-mas-não-cai’ que é a produção cultural brasileira, nos organizarmos em defesa não apenas dos nossos interesses, mas sobretudo de um mínimo de decência em lançamentos criminosos como os que em dezembro viraram notícia. Seria preciso desmascarar também, nesse funcionamento, a farsa que promove uma certa genialidade em detrimento do labor de tantos, bem como de colocar sob suspeita alguns hiperativos, que não se pejam de despejar no mercado pencas de traduções, não vou citar nomes, e de abraçar um elenco formidável de autores, impensável para qualquer tradutor que verdadeiramente se leve a sério.De acordo com Denise Bottmann, historiadora e ex-professora da Unicamp, tradutora consagrada, ao relançar mais ou menos 20 obras da literatura universal, anteriormente publicados pela Editora Abril, a Nova Cultural simplesmente eliminou nomes como Oscar Mendes, Galeão Coutinho, Octavio Mendes Cajado, Mario Quintana, Ligia Junqueira, Hernani Donato, Silvio Meira, Brenno Silveira e muitos outros, para substituí-los por nomes supostamente ‘de fantasia’.Agradeço o informativo e-mail que me enviaram Karin Volobuef (FCL-UNESP, Araraquara) e José Oscar de Almeida Marques (IFCH-UNICAMP), com farto material sobre este momento preocupante para a atividade translatícia no País. Entre elas, o acesso à pesquisa de Denise Bottmann:
Um observatório da imprensa para a cidade de Bom Despacho e os arquivos do blog Penetrália
quinta-feira, 10 de abril de 2008
Da Tradução: Movida a Malvadezas & Escândalos
Da tradução: movida a malvadezas & escândalos
16/1/2008 Sem que exista a profissão e sem entidade que os congregue e defenda, os tradutores brasileiros são, sabidamente, movidos a maus-tratos. Quando merecem menção, é por terem cutucado o saco de malvadezas do comentador indisposto. Sorte eu não ter me empolgado com o tratamento, surpreendentemente laudatório, que me coube em meados dos anos 1980, quando me lançava como tradutor, pois logo saberia que não me restava senão parir traduções indefinidamente, sem rigor, prazer ou dignidade. Isso apenas para me manter visível, uma vez que a sobrevida material teria de ser garantida mesmo por um outro qualquer afazer ou profissão que existisse. Deixemos de lado, aqui, os milagrosamente imunes, os vitoriosos. E mais: tenho ainda como cenário um tempo em que éramos até felizes com a merreca e os maus-tratos recebidos. Os tempos são outros. Já nem persiste o costume de dar créditos. Peter Bichsel, em seu primeiro lançamento brasileiro, surge em português como que do nada. Na net, depois se vai saber, consta ser Claudia Cavalcanti a tradutora de “O homem que não queria saber mais nada”. Mistérios.Tendo traduzido “O ajudante”, de Robert Walser (Arx/Siciliano, 2003), não houve menção do meu nome nos comentários quando do lançamento. Para os críticos, e quase todos eles para chegar à obra contaram com o meu esforço, o livro, do preferido de Kafka, surgia quase um século depois com as grandes qualidades apontadas por Benjamin em artigo famoso. Ao falar da surpreendente aceitação do produto, um porta-voz do Consulado Suíço falava da dificuldade em traduzir Robert Walser, dada a distância a separar o dialeto suíço do alemão oficial. Ocorre que o romance foi escrito em alemão oficial (Hochdeutsch), e de primeiríssima qualidade, com o apuro quase ‘over’ dos autores nascidos na Suíça ou na Áustria, para os quais o idioma oficial é aquisição escolar, quase sempre penosa. E, vejam, o porta-voz ignorava o autor da proeza que alardeava difícil e, portanto, grandiosa.Com tudo isso, os escândalos que os jornais noticiaram em dezembro último, a envolver uma editora sem lastro no mercado, a Martin Claret, mas também, o que é mais preocupante, uma das editoras de maior visibilidade no país, a Nova Cultural, a mim não me surpreenderam tanto. Talvez seja o momento de nós, modestos construtores desse ‘balança-mas-não-cai’ que é a produção cultural brasileira, nos organizarmos em defesa não apenas dos nossos interesses, mas sobretudo de um mínimo de decência em lançamentos criminosos como os que em dezembro viraram notícia. Seria preciso desmascarar também, nesse funcionamento, a farsa que promove uma certa genialidade em detrimento do labor de tantos, bem como de colocar sob suspeita alguns hiperativos, que não se pejam de despejar no mercado pencas de traduções, não vou citar nomes, e de abraçar um elenco formidável de autores, impensável para qualquer tradutor que verdadeiramente se leve a sério.De acordo com Denise Bottmann, historiadora e ex-professora da Unicamp, tradutora consagrada, ao relançar mais ou menos 20 obras da literatura universal, anteriormente publicados pela Editora Abril, a Nova Cultural simplesmente eliminou nomes como Oscar Mendes, Galeão Coutinho, Octavio Mendes Cajado, Mario Quintana, Ligia Junqueira, Hernani Donato, Silvio Meira, Brenno Silveira e muitos outros, para substituí-los por nomes supostamente ‘de fantasia’.Agradeço o informativo e-mail que me enviaram Karin Volobuef (FCL-UNESP, Araraquara) e José Oscar de Almeida Marques (IFCH-UNICAMP), com farto material sobre este momento preocupante para a atividade translatícia no País. Entre elas, o acesso à pesquisa de Denise Bottmann:.Zé Pedro Antunes é professor da Unesp, na área de língua e literatura alemã, e escreve às quartas-feiras neste espaço.
16/1/2008 Sem que exista a profissão e sem entidade que os congregue e defenda, os tradutores brasileiros são, sabidamente, movidos a maus-tratos. Quando merecem menção, é por terem cutucado o saco de malvadezas do comentador indisposto. Sorte eu não ter me empolgado com o tratamento, surpreendentemente laudatório, que me coube em meados dos anos 1980, quando me lançava como tradutor, pois logo saberia que não me restava senão parir traduções indefinidamente, sem rigor, prazer ou dignidade. Isso apenas para me manter visível, uma vez que a sobrevida material teria de ser garantida mesmo por um outro qualquer afazer ou profissão que existisse. Deixemos de lado, aqui, os milagrosamente imunes, os vitoriosos. E mais: tenho ainda como cenário um tempo em que éramos até felizes com a merreca e os maus-tratos recebidos. Os tempos são outros. Já nem persiste o costume de dar créditos. Peter Bichsel, em seu primeiro lançamento brasileiro, surge em português como que do nada. Na net, depois se vai saber, consta ser Claudia Cavalcanti a tradutora de “O homem que não queria saber mais nada”. Mistérios.Tendo traduzido “O ajudante”, de Robert Walser (Arx/Siciliano, 2003), não houve menção do meu nome nos comentários quando do lançamento. Para os críticos, e quase todos eles para chegar à obra contaram com o meu esforço, o livro, do preferido de Kafka, surgia quase um século depois com as grandes qualidades apontadas por Benjamin em artigo famoso. Ao falar da surpreendente aceitação do produto, um porta-voz do Consulado Suíço falava da dificuldade em traduzir Robert Walser, dada a distância a separar o dialeto suíço do alemão oficial. Ocorre que o romance foi escrito em alemão oficial (Hochdeutsch), e de primeiríssima qualidade, com o apuro quase ‘over’ dos autores nascidos na Suíça ou na Áustria, para os quais o idioma oficial é aquisição escolar, quase sempre penosa. E, vejam, o porta-voz ignorava o autor da proeza que alardeava difícil e, portanto, grandiosa.Com tudo isso, os escândalos que os jornais noticiaram em dezembro último, a envolver uma editora sem lastro no mercado, a Martin Claret, mas também, o que é mais preocupante, uma das editoras de maior visibilidade no país, a Nova Cultural, a mim não me surpreenderam tanto. Talvez seja o momento de nós, modestos construtores desse ‘balança-mas-não-cai’ que é a produção cultural brasileira, nos organizarmos em defesa não apenas dos nossos interesses, mas sobretudo de um mínimo de decência em lançamentos criminosos como os que em dezembro viraram notícia. Seria preciso desmascarar também, nesse funcionamento, a farsa que promove uma certa genialidade em detrimento do labor de tantos, bem como de colocar sob suspeita alguns hiperativos, que não se pejam de despejar no mercado pencas de traduções, não vou citar nomes, e de abraçar um elenco formidável de autores, impensável para qualquer tradutor que verdadeiramente se leve a sério.De acordo com Denise Bottmann, historiadora e ex-professora da Unicamp, tradutora consagrada, ao relançar mais ou menos 20 obras da literatura universal, anteriormente publicados pela Editora Abril, a Nova Cultural simplesmente eliminou nomes como Oscar Mendes, Galeão Coutinho, Octavio Mendes Cajado, Mario Quintana, Ligia Junqueira, Hernani Donato, Silvio Meira, Brenno Silveira e muitos outros, para substituí-los por nomes supostamente ‘de fantasia’.Agradeço o informativo e-mail que me enviaram Karin Volobuef (FCL-UNESP, Araraquara) e José Oscar de Almeida Marques (IFCH-UNICAMP), com farto material sobre este momento preocupante para a atividade translatícia no País. Entre elas, o acesso à pesquisa de Denise Bottmann:
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