quarta-feira, 11 de junho de 2008

Entrevista com Axel Honneth na Folha

MARCOS NOBRE

LUIZ REPA

ESPECIAL PARA A FOLHA

Figura mais destacada do que pode ser chamada a "terceira geração" da Escola de Frankfurt, Axel Honneth chega na segunda a São Paulo para lançar o livro "Luta por Reconhecimento - A Gramática Moral dos Conflitos Sociais" (Editora 34). Honneth participa, em seguida, de debate sobre sua "Teoria do Reconhecimento", no Instituto Goethe.

Honneth dirige o Instituto de Pesquisa Social, instituição fundada por intelectuais de esquerda nos anos 20 e que daria guarida aos pensadores frankfurtianos (entre eles Adorno, Max Horkheimer, Herbert Marcuse e Erich Fromm), que procuraram repensar as contribuições da filosofia alemã, de Marx e da psicanálise, a fim de estudar e criticar o capitalismo no século 20.

Foi assistente de Jürgen Habermas, o filósofo frankfurtiano da "segunda geração", entre 1984 e 1990. Honneth, que nasceu em 1949, hoje dá aulas de filosofia social na Universidade Johann Wolfgang Goethe de Frankfurt. Entre seus principais trabalhos, estão "Kritik der Macht. Reflexionsstufen einer kritischen Gesellschaftstheorie" (Crítica do poder. Estágios de reflexão de uma teoria social crítica) e "Luta por Reconhecimento. A Gramática Moral dos Conflitos Sociais" (92). No dia 14, Honneth faz conferência no Ciclo Adorno, também no Goethe, e, no dia 15, fala na Universidade Federal do Rio.

Na entrevista a seguir, Honneth fala sobre a "Teoria do Reconhecimento" e faz uma crítica aos pensadores de Frankfurt.

Folha - No livro "Crítica do Poder" o sr. fala de um "déficit sociológico" da Teoria Crítica. O que é essa deficiência em Adorno, Horkheimer, Habermas e Foucault?

Axel Honneth - Minha crítica de que os projetos clássicos da Teoria Crítica, chegando a Foucault, apresentam um déficit sociológico, possui uma rota de choque diferente em cada caso. Em relação a Adorno e Horkheimer, continuo convencido de que suas teorias da sociedade subestimam o sentido próprio do mundo da vida social. Eles não atribuem às normas morais nem às operações interpretativas dos sujeitos papel essencial na reprodução da sociedade. Ambos tendem a um funcionalismo marxista: a socialização, a integração cultural e o controle jurídico possuem meras funções para a imposição do imperativo capitalista da valorização.

Em Habermas isso é diferente. Ele parte justamente da racionalidade comunicativa do mundo da vida social. Por isso eu vejo o seu déficit sociológico inscrito na tendência a subestimar em todas as ordens sociais o seu caráter determinado por conflitos e negociações. Foucault, finalmente, tende a um déficit sociológico porque ele abandona a intuição central de Durkheim, segundo a qual toda ordem de poder carece do assentimento normativo dos membros da sociedade na forma de um consenso. Essas distintas versões de um déficit sociológico na tradição da Teoria Crítica da sociedade só podem ser superadas quando se coloca no centro da vida social um conflito insolúvel por reconhecimento. Assim, o consenso moral e a luta social podem ser considerados estágios diferentes no processo de reprodução dos mundos da vida sociais.

Folha - Para o sr., o teórico crítico tem de possuir um ancoramento na sociedade, onde se buscam os elementos normativos que dão vida e sentido crítico à teoria. Esse ancoramento pode dispensar uma análise do capitalismo, visto que tal análise em sentido estrito não está em "Luta por Reconhecimento"?

Honneth - Não, não creio. Parto do princípio de que a crítica social só pode se ligar de maneira imanente às exigências morais e às experiências de injustiça em uma situação dada quando ela é capaz de analisar a gênese e o lugar delas no quadro de uma análise abrangente da sociedade. E para tal análise eu não vejo ainda nenhum ponto de partida melhor do que uma teoria que comece pelo estado social definido por uma prioridade estrutural dos imperativos capitalistas de valorização.

Folha - O sr. distingue três dimensões do reconhecimento: "amor", "direito" e "solidariedade". Elas possibilitam aos sujeitos, respectivamente, a autoconfiança, o auto-respeito e a auto-estima. A relação entre essas dimensões seria de subordinação ou de coordenação? Poderia haver um conflito entre a esfera do direito e a da solidariedade, ligada aos valores de uma determinada sociedade?

Honneth - A questão aborda dois problemas diferentes, que vou tentar responder em separado. Primeiro a questão de qual espécie de ordem genética ou lexical existe entre as distintas esferas de reconhecimento. Existe, a meu ver, uma primazia genética da primeira forma de relação de reconhecimento, isto é, da autoconfiança possibilitada pelo amor e pela assistência. Sem a experiência dessa forma de reconhecimento, nenhum sujeito poderia constituir uma identidade estável e uma personalidade intacta. No entanto, outra coisa se passa com a ordem "lexical". Eu afirmaria, pelo menos para as sociedades modernas, uma primazia da relação jurídica de reconhecimento. Ela, a princípio, exorta todos os sujeitos, de maneira igual, ao respeito mútuo e, por isso, possui a maior força de inclusão.

Sobre o segundo aspecto da questão, pode-se dizer que tanto da perspectiva do sujeito quanto da perspectiva da sociedade, são possíveis conflitos entre as exigências morais das diversas relações de reconhecimento. Eles só podem ser solucionados privilegiando-se as relações jurídicas.

Folha - O sr. teve uma discussão com a filósofa americana Nancy Fraser. Para ela, é preciso complementar o conceito de reconhecimento com o de redistribuição, proposta que o sr. rejeitou porque as questões de justiça distributiva seriam tratadas melhor no quadro da Teoria do Reconhecimento. Qual é o seu balanço a respeito?

Honneth - Nas questões normativas concordamos em mais coisas do que era claro de início. Nós dois entendemos que o objetivo da justiça social é possibilitar uma participação de todos os membros da sociedade no processo comunicativo da vida da sociedade. Contudo cada um de nós soletra essas condições de maneira diversa. Eu, com os conceitos de uma teoria do reconhecimento; Nancy Fraser, com uma teoria da participação. Em relação à questão central, redistribuição ou reconhecimento, a diferença consiste em que eu vejo somente a possibilidade de justificar as finalidades da redistribuição com as categorias do reconhecimento social.

Folha - Como o sr. avalia o estado atual dos estudos sobre Adorno?

Honneth - No começo do Congresso Internacional Adorno deste ano, eu havia chamado a atenção para aquilo em que residia a diferença essencial na recepção de Adorno entre 1983 e 2003. A conferência de 20 anos atrás se apoiava em uma discussão viva sobre Adorno, que no entanto não recebeu nenhum suporte por parte da elite política. Neste ano aconteceu o contrário. Quase não existe mais uma discussão viva, fecunda também em termos acadêmicos, com a obra de Adorno. Por outro lado, sua pessoa foi eleita praticamente como o superego moral da nação por parte da esfera pública política e midiática. Nesse sentido eu tive de fazer a difícil tentativa de realçar, justamente em tempos de indiferença acadêmica, o potencial teórico da obra de Adorno.

Folha - Quais as linhas de pesquisa que estão sendo desenvolvidas no Instituto de Pesquisa Social?

Honneth - Tenho seguido o programa de uma ampliação interdisciplinar das perspectivas de pesquisa. Investigamos os processos de transformação que eu gostaria de compreender como "paradoxos da modernização capitalista", incluindo a psicanálise, a sociologia do direito e a história econômica.

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Marcos Nobre é professor de filosofia da Unicamp e pesquisador do Cebrap; entre outros livros, publicou "A Dialética Negativa de Theodor W. Adorno" (ed. Iluminuras/Fapesp)

2 comentários:

Samarah Motta disse...

Muito bom encontrar essa entrevista por aqui.Estou pesquisando a relação do movimento social nortista com a Teoria do Reconhecimento de Honneth e a cada dia aprecio mais esse grandre filósofo! Ele até podia ter vindo em MInas não é?

Nythamar disse...

Essa entrevista é, com certeza, um marco histórico para a recepção da teoria crítica no Brasil, como de resto o Marcos Nobre e o Luiz Repa continuam contribuindo para um desenvolvimento original de nossa própria autocompreensão do ethos democrático brasileiro. Como o Prof. Axel Honneth estará voltando ao Brasil em setembro 2009 (na PUCRS) estamos oferecendo vários seminários e disciplinas de pós-graduação que envolvem discussões de suas obras. Sugiro que explorem os links e papers disponibilizados no website abaixo:

http://www.geocities.com/nythamar/honneth.html