Benjamin Ivry: "Você escreveu que muito se pode aprender com os tiranos: um mundo sem tiranos seria aborrecido como um zoológico sem hienas".
"Existem tiranos suportáveis e outros insuportáveis. Existem tiranos cínicos, sem escrúpulos. Ceausescu, por seu lado, não é um caso trágico. Carece de matizes. Fica inexplicavelmente incluído. Os romenos são o povo mais cético, sem ilusões. Sempre existem acordos possíveis, mas Ceausescu, de sua parte, carece de matizes. Quer dominar. Os romenos estão totalmente dominados. Houve um momento em que Ceausescu era bastante razoável: não rompeu com Israel, por exemplo. Os tiranos são grandes conhecedores dos homens. Não são cretinos. Sabem como se pode manipular as pessoas, até onde se pode chegar. Não existem tiranos imbecis. Os tiranos são gente que quer fazer experimentos, que avança constantemente, que vai ao extremo, até um momento em que tudo se desmorona. A história é em três quartos composta pela história das tiranias, da escravidão humana (...).
O regime de Ceausescu foi o único favorável ao Ocidente. Ninguém sabia o que podia acontecer. Esse tipo que em um determinado momento foi popular se converteu em um tirano. Foi uma decepção formidável. Depois da guerra, o comunismo era "o futuro". A ilusão era possível, mas em seguida se dissipou (...). Depois da guerra, os romenos estavam destroçados. Ceausescu triunfou porque não existiam comunistas fortes.
Conversaciones, trad. Carlos Manzano, Tusquets editores.
Um observatório da imprensa para a cidade de Bom Despacho e os arquivos do blog Penetrália
sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009
A Ópera do Santo Daime
Há alguns anos, Carlos Heitor Cony escreveu: "a ópera está onde sempre esteve", parodiando a frase do governador de Minas Gerais em 1930, Antônio Carlos: "Minas está onde sempre esteve", frase enigmática politicamente. Já a de Cony sobre a ópera é óbvia: ela está entre as classes superiores da sociedade.
Na desciclopédia, o verbete de Paulo Francis é fraco, mas tem pelo menos uma frase gozada: Roberto Marinho descobriu Francis e pensou: este quatro olhos é porta-voz da elite brasileira! E ele virou importante jornalista. Quá quá quá! E Gerald Thomas não tem verbete inteiro lá, tem só uma linha: "intelectual que mostrou a bunda não sei onde". Vou falar para o pessoal do blog uma outra frase de Antônio Carlos, remixada: façam a revolução antes que o povo o faça ou um aventureiro lance mão. Leiam em voz alta na Biba Sagrada ao bispo Williamson, agora fazendo seu début em London, London: "no princípio era o verbete". Talvez a exportação mais bombástica da Argentina desde Eichmann. E ele pediu perdão, para Ratzinger não ter de pedir perdão, pois ele é infalível, desde que não haja primeira-ministra alemã no meio.
Eu sugeri a meu amigo amazonense Nivaldo que fizesse uma ópera sobre o Santo Daime. Ele riu. Mas acho boa idéia. Teria, por exemplo, a valsinha da união do vegetal, já pensaram que linda? Uma ária seria a rapsódia Serra do Sol. Outra: De Moema a Miami. Todos dançariam e cantariam e dariam o chá para a platéia. Seria o máximo! Só que o problema é que o chá costuma dar diarréia e vômitos em alguns. Bom, talvez pudéssemos chamar Juca Ferreira, Dilma e Lula para a primeira fila. Mas só um detalhe: bundalelê não vai ser aceito de jeito nenhum.
Na cena, digamos, "cume-nante" da Ópera do Santo Daime, uma mulher descabelada tentaria se auto-flagelar com uma faca de cozinha. Ela cai ao chão e se debate. Ela cantarola no chão, enquanto se golpeia: “Amooorim, oh, aaalll my booody paaaarts...” O cenário é de velas acesas em cabezitas de madeira de Hugo Chávez usadas na santería da Venezuela. O coro canta a Marcha Nupcial de Wagner. Ao fundo, um telão mostra imagens de desfiles nazistas, filmes de Leni Riefensthal e do neonazismo atual na Europa. Aparece então um personagem que parodia Jorge Haider, vestido com trajes verdes de noviça rebelde, mas com arco e flecha de Guilherme Tell. Ele canta o Poema do Cume e então, no fundo, aparecem imagens idílicas de Berchtesgaden:
No alto daquele cume
Plantei uma roseira
O vento no cume bate
A rosa no cume cheira.
Quando cai a chuva fina
Salpicos no cume caem
Formigas no cume entram
Abelhas do cume saem.
Quanto cai a chuva grossa
A água do cume desce
O barro do cume escorre
O mato no cume cresce.
Quando cessa a chuva
No cume volta a alegria
Pois torna a brilhar de novo
O sol que no cume ardia!
Mas, logo em seguida Haider cai fulminado. Aparece uma voz em off de Miguel Fallabella:
"Não existe nada mais desprezível que um viado de direita!"
Imagino as manchetes mundo afora: "alucinante" (New York Times). "Purgação alienada de direita arrasa Paris em chamas" (Teoria e Debate).
Conversando com esse casal amigo, a esposa do Nivaldo me falou, assim que eu comentei sobre a ópera do Roger Waters: "dizem que foi uma porcaria". Eu quis saber quem disse, mas ela não me respondeu. Teve má crítica? Não entendi.
É a tal da coisa: a ópera não entra nas leis de incentivo porque elementos elitistas dela são contra o governo ou elementos elitistas ligados à ópera combatem o governo porque ela não recebe incentivos? Perguntinha Tostines para vcs.
Reinaldo Azevedo costuma dizer que o PT usa a tática da luta de classes. Nos anos 80, quem sabe, se falava nisso lá, na corrente Convergência, por exemplo, que deu no PSTU. Mas hoje em dia? Marx mesmo criticava demais esse tipo de assistencialismo e um certo tipo de socialista cristão que existe no PT. Para ele, isso era a burguesia reformista e era descaminho. Que eu saiba, o pessoal do PT é gramsciano e fala em hegemonia. Mas agora eles estão com um projeto de poder em torno de Lula, ou melhor, o grupo de Lula tem um projeto de poder e nada de teoria, apenas projeto pessoal e pragmatismo.
E eu ri demais desse vídeo aí do lado: Rogério Jacques, querendo ser ator na blognovela, coloca uma peruca branca esquisita "de Gerald Thomas", lê o teatro do oprimido do Boal e fecha com a pergunta: "geeente, por que vocês mataram a traveca?"
kkkk
Na desciclopédia, o verbete de Paulo Francis é fraco, mas tem pelo menos uma frase gozada: Roberto Marinho descobriu Francis e pensou: este quatro olhos é porta-voz da elite brasileira! E ele virou importante jornalista. Quá quá quá! E Gerald Thomas não tem verbete inteiro lá, tem só uma linha: "intelectual que mostrou a bunda não sei onde". Vou falar para o pessoal do blog uma outra frase de Antônio Carlos, remixada: façam a revolução antes que o povo o faça ou um aventureiro lance mão. Leiam em voz alta na Biba Sagrada ao bispo Williamson, agora fazendo seu début em London, London: "no princípio era o verbete". Talvez a exportação mais bombástica da Argentina desde Eichmann. E ele pediu perdão, para Ratzinger não ter de pedir perdão, pois ele é infalível, desde que não haja primeira-ministra alemã no meio.
Eu sugeri a meu amigo amazonense Nivaldo que fizesse uma ópera sobre o Santo Daime. Ele riu. Mas acho boa idéia. Teria, por exemplo, a valsinha da união do vegetal, já pensaram que linda? Uma ária seria a rapsódia Serra do Sol. Outra: De Moema a Miami. Todos dançariam e cantariam e dariam o chá para a platéia. Seria o máximo! Só que o problema é que o chá costuma dar diarréia e vômitos em alguns. Bom, talvez pudéssemos chamar Juca Ferreira, Dilma e Lula para a primeira fila. Mas só um detalhe: bundalelê não vai ser aceito de jeito nenhum.
Na cena, digamos, "cume-nante" da Ópera do Santo Daime, uma mulher descabelada tentaria se auto-flagelar com uma faca de cozinha. Ela cai ao chão e se debate. Ela cantarola no chão, enquanto se golpeia: “Amooorim, oh, aaalll my booody paaaarts...” O cenário é de velas acesas em cabezitas de madeira de Hugo Chávez usadas na santería da Venezuela. O coro canta a Marcha Nupcial de Wagner. Ao fundo, um telão mostra imagens de desfiles nazistas, filmes de Leni Riefensthal e do neonazismo atual na Europa. Aparece então um personagem que parodia Jorge Haider, vestido com trajes verdes de noviça rebelde, mas com arco e flecha de Guilherme Tell. Ele canta o Poema do Cume e então, no fundo, aparecem imagens idílicas de Berchtesgaden:
No alto daquele cume
Plantei uma roseira
O vento no cume bate
A rosa no cume cheira.
Quando cai a chuva fina
Salpicos no cume caem
Formigas no cume entram
Abelhas do cume saem.
Quanto cai a chuva grossa
A água do cume desce
O barro do cume escorre
O mato no cume cresce.
Quando cessa a chuva
No cume volta a alegria
Pois torna a brilhar de novo
O sol que no cume ardia!
Mas, logo em seguida Haider cai fulminado. Aparece uma voz em off de Miguel Fallabella:
"Não existe nada mais desprezível que um viado de direita!"
Imagino as manchetes mundo afora: "alucinante" (New York Times). "Purgação alienada de direita arrasa Paris em chamas" (Teoria e Debate).
Conversando com esse casal amigo, a esposa do Nivaldo me falou, assim que eu comentei sobre a ópera do Roger Waters: "dizem que foi uma porcaria". Eu quis saber quem disse, mas ela não me respondeu. Teve má crítica? Não entendi.
É a tal da coisa: a ópera não entra nas leis de incentivo porque elementos elitistas dela são contra o governo ou elementos elitistas ligados à ópera combatem o governo porque ela não recebe incentivos? Perguntinha Tostines para vcs.
Reinaldo Azevedo costuma dizer que o PT usa a tática da luta de classes. Nos anos 80, quem sabe, se falava nisso lá, na corrente Convergência, por exemplo, que deu no PSTU. Mas hoje em dia? Marx mesmo criticava demais esse tipo de assistencialismo e um certo tipo de socialista cristão que existe no PT. Para ele, isso era a burguesia reformista e era descaminho. Que eu saiba, o pessoal do PT é gramsciano e fala em hegemonia. Mas agora eles estão com um projeto de poder em torno de Lula, ou melhor, o grupo de Lula tem um projeto de poder e nada de teoria, apenas projeto pessoal e pragmatismo.
E eu ri demais desse vídeo aí do lado: Rogério Jacques, querendo ser ator na blognovela, coloca uma peruca branca esquisita "de Gerald Thomas", lê o teatro do oprimido do Boal e fecha com a pergunta: "geeente, por que vocês mataram a traveca?"
kkkk
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quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009
Cioran sobre Beckett
Há anos vi um Beckett com o Armatrux no Parque das Mangabeiras, com bonecos e música. Foi belo, mas lembro somente de flashes, anjos, violões. Era um Beckett doce, tropicalizado.
A Martins Fontes está lançando agora um livro dele, O Despovoador e Mal visto mal dito (68 páginas, vinte e sete reais). São contos e novelas. O primeiro texto, conforme resenha no Estado de Minas, evoca uma utopia às avessas, que ecoa o inferno de Dante; o segundo é uma espécie de réquiem para uma velha enclausurada. O prefácio é de Fábio Souza Andrade, professor da USP, tradutor e especialista na obra de Beckett.
O filósofo Emil Cioran foi amigo de Samuel Beckett em Paris e falou dele algumas vezes em entrevistas:
"Olha, agora nos vemos menos, mas Beckett é um homem que sempre está perfeitamente lúcido e que não reage como escritor. Esse problema não se coloca para ele -- e é muito bonito em todo caso --, porque nunca reagiu como escritor. Ele não é enrolado como nós, que somos "enrolados", está acima disso, tem um estilo de vida próprio, é um caso à parte."
"Beckett vejo de forma distinta, totalmente antibalcânico: um homem discreto, que tem certo saber. A partir de todo ponto de vista, domina. Procede de outro extremo da Europa. É um angustiado que tem uma sabedoria. Como homens, Beckett e Ionesco estão no extremo um do outro. Samuel Beckett é o dono de si mesmo, se domina. Eugene Ionesco explode. São dois temperamentos diferentes. O fenômeno Beckett você o sente quando está diante dele. Beckett não se expõe, mas você sente que está diante de alguém. É um angustiado dono de si que se percebe no primeiro olhar. Não é balcânico. É um muito bonito ver um angustiado que é dono de si, é um fenômeno. Beckett está aqui há muito tempo, mas nunca foi tocado pela França, intelectualmente. Sempre foi um estrangeiro, mas está aqui há muito tempo. É um dos mais distintos não latinos".
"Beckett era notável, mas sua conversa não era interessante. Era sempre o mesmo, não se tornou francês. Um tipo curioso, não era instruído no sentido francês da palavra, mas tinha algo profundo".
"Beckett leu algo meu e nos conhecemos num teatro, depois ficamos amigos. Num determinado momento, me ajudou até mesmo financeiramente. Para mim é muito difícil definir Beckett. Todo mundo se engana a respeito dele, em especial os franceses. Diante dele, querem brilhar, fazer paradoxos deliciosos. Mas Beckett era alguém muito simples e nunca esperava isso. Para falar com ele, deveria ser direto e não presunçoso. Ele não tinha nada de parisiense, mas estava há vinte e cinco anos na França. Os franceses não o contaminaram, absolutamente, nem no bom sentido nem no ruim. Dava sempre impressão de ter caído da lua. Ele achava que tinha se afrancesado, mas não era nada assim. Era assombroso não se contaminar. Ele continuou sendo anglo-saxão e isso eu gostava muitíssimo. Ele não ia a coquetéis, sentia-se incômodo socialmente, não tinha prosa, como se diz. Gostava somente de conversar com outra pessoa e então tinha um encanto extraordinário. A mim me encantava.
Em Beckett eu adorava essa aparência de ter chegado na véspera a Paris."
A Martins Fontes está lançando agora um livro dele, O Despovoador e Mal visto mal dito (68 páginas, vinte e sete reais). São contos e novelas. O primeiro texto, conforme resenha no Estado de Minas, evoca uma utopia às avessas, que ecoa o inferno de Dante; o segundo é uma espécie de réquiem para uma velha enclausurada. O prefácio é de Fábio Souza Andrade, professor da USP, tradutor e especialista na obra de Beckett.
O filósofo Emil Cioran foi amigo de Samuel Beckett em Paris e falou dele algumas vezes em entrevistas:
"Olha, agora nos vemos menos, mas Beckett é um homem que sempre está perfeitamente lúcido e que não reage como escritor. Esse problema não se coloca para ele -- e é muito bonito em todo caso --, porque nunca reagiu como escritor. Ele não é enrolado como nós, que somos "enrolados", está acima disso, tem um estilo de vida próprio, é um caso à parte."
"Beckett vejo de forma distinta, totalmente antibalcânico: um homem discreto, que tem certo saber. A partir de todo ponto de vista, domina. Procede de outro extremo da Europa. É um angustiado que tem uma sabedoria. Como homens, Beckett e Ionesco estão no extremo um do outro. Samuel Beckett é o dono de si mesmo, se domina. Eugene Ionesco explode. São dois temperamentos diferentes. O fenômeno Beckett você o sente quando está diante dele. Beckett não se expõe, mas você sente que está diante de alguém. É um angustiado dono de si que se percebe no primeiro olhar. Não é balcânico. É um muito bonito ver um angustiado que é dono de si, é um fenômeno. Beckett está aqui há muito tempo, mas nunca foi tocado pela França, intelectualmente. Sempre foi um estrangeiro, mas está aqui há muito tempo. É um dos mais distintos não latinos".
"Beckett era notável, mas sua conversa não era interessante. Era sempre o mesmo, não se tornou francês. Um tipo curioso, não era instruído no sentido francês da palavra, mas tinha algo profundo".
"Beckett leu algo meu e nos conhecemos num teatro, depois ficamos amigos. Num determinado momento, me ajudou até mesmo financeiramente. Para mim é muito difícil definir Beckett. Todo mundo se engana a respeito dele, em especial os franceses. Diante dele, querem brilhar, fazer paradoxos deliciosos. Mas Beckett era alguém muito simples e nunca esperava isso. Para falar com ele, deveria ser direto e não presunçoso. Ele não tinha nada de parisiense, mas estava há vinte e cinco anos na França. Os franceses não o contaminaram, absolutamente, nem no bom sentido nem no ruim. Dava sempre impressão de ter caído da lua. Ele achava que tinha se afrancesado, mas não era nada assim. Era assombroso não se contaminar. Ele continuou sendo anglo-saxão e isso eu gostava muitíssimo. Ele não ia a coquetéis, sentia-se incômodo socialmente, não tinha prosa, como se diz. Gostava somente de conversar com outra pessoa e então tinha um encanto extraordinário. A mim me encantava.
Em Beckett eu adorava essa aparência de ter chegado na véspera a Paris."
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quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009
Banditismo...
"Os ataques do terrorismo não alterarão a nossa linha de conduta. Como o pior cego é o que não quer ver, o pior do terrorismo é não compreender que no Brasil não há lugar para ele. Nunca houve. E de maneira especial não há hoje, quando um governo sério, responsável, respeitável e com indiscutível apoio popular está levando o Brasil pelos seguros caminhos do desenvolvimento com justiça social-realidade que nenhum brasileiro lúcido pode negar, e que o mundo todo reconhece e proclama. [...] Um país, enfim, de onde a subversão -que se alimenta do ódio e cultiva a violência - está sendo definitivamente erradicada, com o decidido apoio do povo e da imprensa, que reflete os sentimentos deste. Essa mesma imprensa que os remanescentes do terror querem golpear."
(Editorial: Banditismo - publicado em 22 de setembro de 1971; Octavio Frias de Oliveira).
(Editorial: Banditismo - publicado em 22 de setembro de 1971; Octavio Frias de Oliveira).
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Dias Melhores Verão
Um texto de João Paulo, editor do caderno Pensar do EM, escreveu em 7 de fevereiro excelente editorial ("Cultura de Verão") sobre o carnaval:
A folia carioca, que já foi a mais popular, se perdeu na rede de interesses e corrupção que afastou parte do público e quase toda a invenção em nome do efeito. Um carnaval de camarotes.
No Nordeste, a Bahia descobriu o filão, enriqueceu com ele e, com a padronização mercadológica, corre o risco de imitar o modelo carioca, deixando a criatividade para a periferia enquanto recria o modelo classista de pagar para desfilar. Além da negociação com os meios de comunicação. Em Pernambuco se mantém ainda a motivação e execução plenamente popular, traduzida no mesmo movimento de valorização econômica do estado e crescimento do ativo mais significativo numa festa sazonal: a capacidade de renovação (...). Se a folia da capital (Belo Horizonte) já foi excelente, tem tudo para voltar a ser.
Em geral não gosto muito do tom moralista macunaímico do João, mas acho que ele foi extremamente lúcido nesse artigo. Ele tem também que tentar romper o modelo classista do seu próprio caderno, onde eu por exemplo não recebi e desfilei com o meu artigo Lucidez para o Vazio. Sintomático?
A folia carioca, que já foi a mais popular, se perdeu na rede de interesses e corrupção que afastou parte do público e quase toda a invenção em nome do efeito. Um carnaval de camarotes.
No Nordeste, a Bahia descobriu o filão, enriqueceu com ele e, com a padronização mercadológica, corre o risco de imitar o modelo carioca, deixando a criatividade para a periferia enquanto recria o modelo classista de pagar para desfilar. Além da negociação com os meios de comunicação. Em Pernambuco se mantém ainda a motivação e execução plenamente popular, traduzida no mesmo movimento de valorização econômica do estado e crescimento do ativo mais significativo numa festa sazonal: a capacidade de renovação (...). Se a folia da capital (Belo Horizonte) já foi excelente, tem tudo para voltar a ser.
Em geral não gosto muito do tom moralista macunaímico do João, mas acho que ele foi extremamente lúcido nesse artigo. Ele tem também que tentar romper o modelo classista do seu próprio caderno, onde eu por exemplo não recebi e desfilei com o meu artigo Lucidez para o Vazio. Sintomático?
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Pensar
Alencar, Schwarz, Caetano
Há muito eu estava querendo encontrar essa passagem: ao comentar José de Alencar, Roberto Schwarz, em seu livro Ao Vencedor, as Batatas, fez uma referência a Caetano Veloso que entrou em nota de rodapé. Para Schwarz, a vida social brasileira é imitada da Europa e a literatura imita uma imitação, mas aqui noutra pauta. Impressionante como esse ensaio encolhe quando releio. Schwarz, filho de judeus austríacos, nasceu na Áustria, mas foi criado no Brasil. Teria formação brasileira, teoricamente, portanto. Mas ele sofreu em ser estrangeiro no Brasil, o que na infância costuma ser um tormento. E isso repercute em sua crítica madura, onde o país é sempre diminuído e depreciado. O fato dele ter gostado tanto do livro Minha Vida de Menina, de Helena Morley, diário de uma menina estrangeira na Diamantina do século XIX, é indicativo disso. Uma das coisas mais amenas que acontecem é que, quando o avô protestante da menina morre, os colegas debocham e dizem que ele terá de ser enterrado no cemitério dos protestantes, pois a Igreja Católica não os aceitava nos cemitérios dos demais cidadãos. E Helena respondia, por sugestão de seus parentes, coisas como “mas pelo menos ele não tinha um nariz achatado de negro como o seu, etc.” Minha memória pode estar me traindo, mas essa era a tônica desse livrinho, um diário em que Schwarz entreviu um Capitu anglo-mineira.
A passagem que motivo a nota foi um fragmento do livro Sonhos d´ Ouro, de José de Alencar. O primeiro passo, segundo Schwarz, é dado pela vida social e não pela literatura. A crítica de Schwarz imaginar que o Brasil é mera cópia da Europa, o que desde o tempo da colônia é equívoco. E nessa edição de 78 há citações de Gilberto Freyre, que não aceita essa idéia da cópia, que sempre frisa a excepcionalidade da mistura de raças do Brasil. A passagem de José de Alencar é a seguinte:
Tachar esses livros de confeição estrangeira é, relevem os críticos, não conhecer a sociedade fluminense, que está a faceirar-se pelas salas e ruas em atavios parisienses, falando a algemia universal, que é a língua do progresso, jargão eriçado de termos franceses, ingleses, italianos e agora também alemães. Como se lhe dá de tirar a fotografia desta sociedade, sem lhe copiar as feições?
Já a nota diz:
A situação é comparável à de Caetano Veloso cantando em inglês. Acusado pelos “nacionalistas”, responde que não foi ele quem trouxe os americanos ao Brasil. E é claro que cantando em inglês com pronúncia nortista registra um momento substancial de nossa história e imaginação (Schwarz, 1978, p. 56)
E agora, o mais engraçado: Caetano canta em inglês, no disco Transa de 1972, por exemplo, em inglês britânico, disfarçando ao máximo seu sotaque baiano. Ele sempre teve orgulho em dizer que canta e fala em inglês “sem sotaque”. E outra: ele é nordestino, não “nortista”!
A passagem que motivo a nota foi um fragmento do livro Sonhos d´ Ouro, de José de Alencar. O primeiro passo, segundo Schwarz, é dado pela vida social e não pela literatura. A crítica de Schwarz imaginar que o Brasil é mera cópia da Europa, o que desde o tempo da colônia é equívoco. E nessa edição de 78 há citações de Gilberto Freyre, que não aceita essa idéia da cópia, que sempre frisa a excepcionalidade da mistura de raças do Brasil. A passagem de José de Alencar é a seguinte:
Tachar esses livros de confeição estrangeira é, relevem os críticos, não conhecer a sociedade fluminense, que está a faceirar-se pelas salas e ruas em atavios parisienses, falando a algemia universal, que é a língua do progresso, jargão eriçado de termos franceses, ingleses, italianos e agora também alemães. Como se lhe dá de tirar a fotografia desta sociedade, sem lhe copiar as feições?
Já a nota diz:
A situação é comparável à de Caetano Veloso cantando em inglês. Acusado pelos “nacionalistas”, responde que não foi ele quem trouxe os americanos ao Brasil. E é claro que cantando em inglês com pronúncia nortista registra um momento substancial de nossa história e imaginação (Schwarz, 1978, p. 56)
E agora, o mais engraçado: Caetano canta em inglês, no disco Transa de 1972, por exemplo, em inglês britânico, disfarçando ao máximo seu sotaque baiano. Ele sempre teve orgulho em dizer que canta e fala em inglês “sem sotaque”. E outra: ele é nordestino, não “nortista”!
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Caetano
Imagens do Brasil em O Estrangeiro
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Belo Horizonte, v. 6, p. 211-216, ago. 2003
* Mestre em Letras: Estudos Literários (Área de concentração: Literatura Brasileira), 2001.
AS IMAGENS DO BRASIL EM O ESTRANGEIRO
Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior*
RESUMO:
Neste estudo pretendemos analisar o romance O Estrangeiro
(1926), propondo uma nova abordagem ao texto e discutindo as
imagens de Brasil presentes nele. Nós concluímos que as
imagens de Brasil dentro do livro são construídas e
desconstruídas, e terminam em melancolia e amargura.
PALAVRAS-CHAVE: imagens de Brasil, nacionalismo, nação e narração.
A nossa vida [de brasileiros] é, no seu aspecto geral, e de um certo
período para cá, a marcha incerta e lenta, desgraciosa e constrangida,
de um povo que a cada passo que avança se volta, inquieto, para a
estrada de onde o estrangeiro o está contemplando a procurar, da massa
fria dos espectadores indiferentes, o sorriso de aprovação que lhe dê
alento para seguir.
Plínio Salgado
Durante a década de 70, Plínio Salgado (1895-1975) e sua ideologia, o
integralismo, foram objeto de atenção intermitente nas universidades brasileiras,
resultando em alguns estudos. Porém, o Plínio Salgado literato encontrou bem poucos
autores que analisassem suas obras. Com freqüência, historiadores e cientistas
políticos comentaram a literatura de Salgado apressadamente, para logo partirem
para hipóteses abrangentes.
O texto mais recente a ser publicado sobre o assunto, o posfácio de
Antônio Rago Filho para O Integralismo de Plínio Salgado, embora tenha elegido a
obra que ele posfacia, de autoria de José Chasin, como marco dos estudos sobre
Salgado, nos forneceu uma separação em duas vertentes, que adotaremos: numa vertente
estariam Hélgio Trindade, Gilberto Vasconcellos, Érico Veríssimo, Antonio Candido,
Marilena Chauí e Ricardo Benzaquem. Nessa, julgou-se o integralismo como fascismo
brasileiro. Já na segunda estariam Dutra, Chasin, Jardim de Moraes, Dorea, por
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Belo Horizonte, v. 6, p. 1–253, ago. 2003
julgarem que a obra de Salgado não foi mera cópia. Os dois primeiros autores deste
último grupo partiram desse pressuposto para relacionar Salgado com o Romantismo e
uma determinada tradição autóctone. A crítica literária Maria Augusta Dorea se
encaixou nesse segundo grupo, e junto com Jardim de Moraes, foram os autores que
buscaram inserir Salgado diretamente no Modernismo.
Em seu livro Brasilidade Modernista, Sua Dimensão Filosófica (1978),
Eduardo Jardim de Moraes analisou o pensamento desse autor, principalmente o texto
A Estética da Vida. O capítulo de Brasilidade Modernista que se intitulou “a versão
de Plínio Salgado”, texto onde esperávamos encontrar uma ligação entre Graça Aranha
e Salgado, iniciou-se narrando um episódio em que a ala carioca do movimento
modernista acusou Mário de Andrade de ter plagiado Graça Aranha. Comentou a seguir
a briga entre Graça Aranha e Oswald. Quando enfim se referiu a Salgado, analisou-
o juntamente com Cassiano Ricardo e Menotti Del Picchia, em meio a uma série de
artigos que os três lançaram juntos (O Curupira e o Carão, 1927). Jardim de Moraes
optou por não analisar nenhuma obra propriamente literária de Plínio Salgado. Com
isso, repetiu uma atitude comum aos críticos que falaram da obra, dando crédito ao
que Plínio Salgado afirmou a respeito do texto: O Estrangeiro teria sido o primeiro
manifesto integralista. Por outro lado, Jardim de Moraes estabeleceu relação entre
os conceitos produzidos por Graça Aranha e aqueles emitidos por Plínio Salgado,
abrindo espaço para nossa avaliação de O Estrangeiro como texto ligado à produção
de seus contemporâneos. Por motivos que iremos detalhar mais adiante, não acreditamos
em O Estrangeiro como um prelúdio do integralismo. Julgamos que o romance buscou um
enfoque original para a questão nacional, assunto muito em pauta no tempo da Semana
de Arte Moderna.
Supomos que, na tentativa que fez O Estrangeiro de sintetizar a problemática
nacional, esteve também o projeto paulista: uma vez definido o nacional, seria
possível propor São Paulo como modelo e padrão para todo o país. O Estrangeiro
findou por dar a entender o próprio esforço de abstração e racionalização como
responsável pelos fracassos. Num esforço de entender sua própria trajetória, o
personagem Ivan disse que não era o imigrante ideal para o Brasil, que este deveria
ser bronco e trazer as virtudes européias sem o saber, e Juvêncio concordou. Assim,
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ficou entre eles o consenso de que a tomada de consciência e reflexão trouxe vícios
e defeitos, sendo preferível a inconsciência. Em uma de suas falas, Juvêncio disse
que o caminho seguido pelos “materialistas inconscientes” seria o da decadência. Só
que a narrativa não confirmou isso: o caminho seguido pelos personagens que não
refletiram e se apegaram a oportunidades concretas (os Mondolfi, o Major Feliciano)
foi de ascensão social e política, respectivamente. Portanto, o Brasil que venceu
no final da narrativa foi o Brasil dos pragmáticos e dos não conscientes, dos que
não pensaram a respeito da realidade brasileira. Podemos supor que, embora O
Estrangeiro tenha surgido num ambiente em que existia a necessidade de pensar o
Brasil-nação, a narrativa demonstrou ceticismo em relação aos intelectuais que
antecederam os modernistas.
Como dito acima, O Estrangeiro foi uma narrativa ambientada numa época
motivada pela necessidade de se pensar o Brasil enquanto nação (os anos 10), motivo-
guia que permaneceu na década de vinte, mas esboçou uma ruptura com o modo de pensar
o Brasil-nação. Não surgiram, em O Estrangeiro, intelectuais com uma vocação
iluminista para os negócios públicos, nem os intelectuais foram capazes de gerar
consciência e interpretar corretamente a realidade. Por fim, notamos em O Estrangeiro
uma revolta destrutiva contra o que era a inteligência nacional, tanto em suas faces
mais participantes (Juvêncio) quanto céticas (Ivan).
No princípio do romance, o céu brasileiro era visto como livre de
pecados. Porém, num episódio do final, o imigrante apontou o Cruzeiro do Sul para
uma russa, e o interpretou como a cruz do suplício. Repetiu-se o movimento da
narrativa, que destroçou as imagens anteriormente emitidas por Ivan: “-Sou meu pai
e o meu filho! O devorador de minhas próprias imagens! Eu sou o Saturno da lenda!”
(Salgado, 1937: 223). A própria narrativa seria saturnina, no sentido referido pelo
personagem principal: a princípio ela gerou imagens ufanistas do Brasil, apenas
para canibalizá-las mais à frente. O imigrante era russo, mas se identificava com
a Europa, continente que vivia a guerra e a revolução. Ele gerou imagens de um país
jovem, uma terra da promissão onde ele se construiria, uma Atlântida reencontrada.
Mas a seguir tudo desmoronou: o tipo brasileiro não se definiu, a evolução social
não se completou, os primeiros mestiçamentos (brancos com negros e índios) falharam,
e, finalmente, o país seria mera cópia.
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Em O Estrangeiro, o que desencadeou esse processo autofágico foi a não-
realização pessoal, tanto na trajetória de Ivan quanto na de Juvêncio. Nenhum destes
conseguiu se realizar: Ivan poderia se entregar a uma vida de prazeres junto com os
Pantojos (que pareciam ter ido para São Paulo apenas por hedonismo), e Juvêncio
poderia ter se aliado ao Major Feliciano num triunfo nacionalista e oposicionista,
graças à entrada do Brasil na Primeira Guerra Mundial. Diante da possibilidade de
realização concreta, transformaram-se novamente em personagens insatisfeitos.
No romance, as imagens transitaram conforme o deslocamento geográfico
dos personagens: a desintegração da imagem de paraíso de Ivan começou no campo, mas
foi em São Paulo que ela desmoronou. Juvêncio também apresentou essa característica:
acreditava na assimilação do imigrante pelo espírito da terra e pelo folclore
enquanto morou em Mandaguari, e no sertão essa imagem anterior foi definitivamente
abandonada. A conclusão final de Ivan remeteu aos interditos: “Tudo é repetição de
cansados martírios e, nem a luta, nem a esperança dissimulam a nossa miséria. Este
país nasceu velho como a nossa Rússia; e tudo quanto aqui fizerem não será mais do
que acelerar a construção de novas barreiras e novos impossíveis” (Salgado, 1937: 281).
Se Ivan veio tentar construir uma identidade numa nova pátria, ele foi basicamente
um colono fracassado. Julgamos que esse tipo de reflexão, verdadeira autoflagelação
crítica, se fez presente no Brasil dos anos 10.
O personagem Ivan acreditou que o Brasil estava comprometido e entregou-
se à destruição total. Pesquisando a especificidade das imagens de Ivan e Juvêncio,
acompanhamos suas mudanças de postura no decorrer de O Estrangeiro, o que comprovou
que ambos não eram apenas estereótipos ou figuras fáceis de rotular. Indagamo-nos
também sobre a afirmação pliniana de que a mentalidade brasileira seria Ivan.
Percebemos também o mecanismo narrativo que, seguidamente, repõe imagens de Brasil
para serem destruídas. Esse processo, que levou a narrativa a transitar da exaltação
ufanista à melancolia da autoflagelação crítica, reduziu o nacionalismo de Juvêncio
a um devaneio e acabou consumindo o próprio protagonista.
Centrado no percurso do estudante universitário Ivan, a narrativa percorreu
meio rural, cidade provinciana e grande centro urbano. Ivan discutiu, gerou e
destruiu suas imagens do novo país em diálogo com o professor Juvêncio, que passou
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por transformações no decorrer da narrativa. Em Cedral, junto a uma cachoeira,
ocorreu o episódio dos papagaios: o tal “espírito da terra” se mostrou inexistente,
e o professor se transformou num defensor do Brasil agrário sem os imigrantes.
Juvêncio, a partir da decepção com os papagaios, percebeu que com o simples contato
com a terra não restaurou uma “brasilidade”, e passou a acreditar que os brasileiros
é que tendiam a serem influenciados pelos colonos e que o meio não bastaria para
reverter o processo.
No final do romance, a imagem de Brasil que restou não foi favorável. No
campo, com a chegada dos imigrantes, estes tendiam a se misturar aos brasileiros,
mas colocando os antigos moradores em situação subalterna. Ivan, que tentou sempre
racionalizar e explicar a situação do país, acabou derrotado. O mesmo aconteceu a
Juvêncio, que se viu obrigado a mudar para o interior. O professor acabou gostando
da mudança, preferindo o Brasil longe dos imigrantes.
O Brasil que o romance deixou ao seu final seria um país enriquecido no
campo que desceu para as cidades e a ostentação, e não o que procurou a fortuna na
cidade (Ivan) ou a dissipação hedonista de riquezas no centro cosmopolita (os
Pantojo). O Major Feliciano disse que o Brasil era possível do mesmo modo como
estava, ou seja, nas mãos das oligarquias: “Isto de voto secreto é muito ótimo
quando se está na oposição, apenasmente. Neste ponto estou de acordo (...). Faça
como eu, o futuro nos pertence, e cada povo tem o governo que merece, consoante um
escritor cujo nome não me lembro” (Salgado, 1937: 238). A narrativa sancionou essa
explicação sobre o Brasil, encerrando com ela e com a trajetória do brasileiro que
melhorou de posição, mas que, ao contrário do professor, não foi removido e
consolidou uma posição mais cômoda em Mandaguari. Enquanto em Canaã apareceram
imigrantes intelectualizados discutindo o Brasil, em O Estrangeiro apareceu um
imigrante também intelectualizado, estudante universitário na Rússia, que construiu
e desconstruiu imagens de Brasil no diálogo com um professor brasileiro. O Estrangeiro,
insistimos, não terminou como canto anunciador de um movimento nacionalista católico,
nem tampouco serviria como chamada para a renovação política.
O que estamos chamando de “cerne” de O Estrangeiro seria o mecanismo
pelo qual ele exibiu imagens de Brasil e as denegriu mais adiante, terminando sem
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nenhuma imagem. Nisso, o romance seria bem diverso dos seus contemporâneos Macunaíma
e Memórias Sentimentais de João Miramar. Esses textos geravam imagens, algo paródicas
e algo negativas, mas que, ao final das contas, permaneciam. O Estrangeiro seria
diferente também por levar a devoração de imagens de Brasil mais adiante que Canaã
de Graça Aranha, romance onde podemos dizer que existiu um processo parecido. O
romance de Salgado foi além, e a narrativa não poupou nem o próprio protagonista,
que acabou igualmente devorado.
ABSTRACT:
This study aims at an analyzis of the images of Brazil in
Plínio Salgados O Estrangeiro (1926), searching for the
images of Brazil therein. We suggest a new approach to
the book, and conclude these images are constructed and
deconstructed, a process which results in melancholy and
bitterness.
KEY WORDS: images of Brazil, nationalism, nation and narration.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, Mário de. Macunaíma. Rio de Janeiro: Ed.
Garnier, 2000.
ANDRADE, Oswald de. Memórias Sentimentais de João
Miramar. 11. ed. São Paulo: Ed. Globo, 1999.
ARANHA, Graça. Canaã. Rio de Janeiro: Ed. Garnier,
[s.d.].
CANDIDO, Antonio. Prefácio. In: O Integralismo de Plínio
Salgado, Forma de Regressividade no Capitalismo Híper-
Tardio. 2. ed. São Paulo: Ed. Ad Hominem, 1999. p. 12-
131.
CHAUÍ, Marilena. Apontamentos para Crítica da Ação
Integralista Brasileira. In: Chauí, Marilena de S.
Franco, Maria Sylvia de Carvalho (Org). Ideologia e
Mobilização Popular. Rio de Janeiro: CEDEC/Paz e Terra,
1978. p. 17-149.
RAGO FILHO, Antonio. Posfácio. In: O Integralismo de
Plínio Salgado, Forma de Regressividade no Capitalismo
Híper-Tardio. São Paulo: Ed. Ad Hominem, 1999, p. 608-
640.
SALGADO, Plínio. O Estrangeiro. 4. ed. Rio de Janeiro:
Livraria José Olímpio Editora, 1937.
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* Mestre em Letras: Estudos Literários (Área de concentração: Literatura Brasileira), 2001.
AS IMAGENS DO BRASIL EM O ESTRANGEIRO
Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior*
RESUMO:
Neste estudo pretendemos analisar o romance O Estrangeiro
(1926), propondo uma nova abordagem ao texto e discutindo as
imagens de Brasil presentes nele. Nós concluímos que as
imagens de Brasil dentro do livro são construídas e
desconstruídas, e terminam em melancolia e amargura.
PALAVRAS-CHAVE: imagens de Brasil, nacionalismo, nação e narração.
A nossa vida [de brasileiros] é, no seu aspecto geral, e de um certo
período para cá, a marcha incerta e lenta, desgraciosa e constrangida,
de um povo que a cada passo que avança se volta, inquieto, para a
estrada de onde o estrangeiro o está contemplando a procurar, da massa
fria dos espectadores indiferentes, o sorriso de aprovação que lhe dê
alento para seguir.
Plínio Salgado
Durante a década de 70, Plínio Salgado (1895-1975) e sua ideologia, o
integralismo, foram objeto de atenção intermitente nas universidades brasileiras,
resultando em alguns estudos. Porém, o Plínio Salgado literato encontrou bem poucos
autores que analisassem suas obras. Com freqüência, historiadores e cientistas
políticos comentaram a literatura de Salgado apressadamente, para logo partirem
para hipóteses abrangentes.
O texto mais recente a ser publicado sobre o assunto, o posfácio de
Antônio Rago Filho para O Integralismo de Plínio Salgado, embora tenha elegido a
obra que ele posfacia, de autoria de José Chasin, como marco dos estudos sobre
Salgado, nos forneceu uma separação em duas vertentes, que adotaremos: numa vertente
estariam Hélgio Trindade, Gilberto Vasconcellos, Érico Veríssimo, Antonio Candido,
Marilena Chauí e Ricardo Benzaquem. Nessa, julgou-se o integralismo como fascismo
brasileiro. Já na segunda estariam Dutra, Chasin, Jardim de Moraes, Dorea, por
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julgarem que a obra de Salgado não foi mera cópia. Os dois primeiros autores deste
último grupo partiram desse pressuposto para relacionar Salgado com o Romantismo e
uma determinada tradição autóctone. A crítica literária Maria Augusta Dorea se
encaixou nesse segundo grupo, e junto com Jardim de Moraes, foram os autores que
buscaram inserir Salgado diretamente no Modernismo.
Em seu livro Brasilidade Modernista, Sua Dimensão Filosófica (1978),
Eduardo Jardim de Moraes analisou o pensamento desse autor, principalmente o texto
A Estética da Vida. O capítulo de Brasilidade Modernista que se intitulou “a versão
de Plínio Salgado”, texto onde esperávamos encontrar uma ligação entre Graça Aranha
e Salgado, iniciou-se narrando um episódio em que a ala carioca do movimento
modernista acusou Mário de Andrade de ter plagiado Graça Aranha. Comentou a seguir
a briga entre Graça Aranha e Oswald. Quando enfim se referiu a Salgado, analisou-
o juntamente com Cassiano Ricardo e Menotti Del Picchia, em meio a uma série de
artigos que os três lançaram juntos (O Curupira e o Carão, 1927). Jardim de Moraes
optou por não analisar nenhuma obra propriamente literária de Plínio Salgado. Com
isso, repetiu uma atitude comum aos críticos que falaram da obra, dando crédito ao
que Plínio Salgado afirmou a respeito do texto: O Estrangeiro teria sido o primeiro
manifesto integralista. Por outro lado, Jardim de Moraes estabeleceu relação entre
os conceitos produzidos por Graça Aranha e aqueles emitidos por Plínio Salgado,
abrindo espaço para nossa avaliação de O Estrangeiro como texto ligado à produção
de seus contemporâneos. Por motivos que iremos detalhar mais adiante, não acreditamos
em O Estrangeiro como um prelúdio do integralismo. Julgamos que o romance buscou um
enfoque original para a questão nacional, assunto muito em pauta no tempo da Semana
de Arte Moderna.
Supomos que, na tentativa que fez O Estrangeiro de sintetizar a problemática
nacional, esteve também o projeto paulista: uma vez definido o nacional, seria
possível propor São Paulo como modelo e padrão para todo o país. O Estrangeiro
findou por dar a entender o próprio esforço de abstração e racionalização como
responsável pelos fracassos. Num esforço de entender sua própria trajetória, o
personagem Ivan disse que não era o imigrante ideal para o Brasil, que este deveria
ser bronco e trazer as virtudes européias sem o saber, e Juvêncio concordou. Assim,
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ficou entre eles o consenso de que a tomada de consciência e reflexão trouxe vícios
e defeitos, sendo preferível a inconsciência. Em uma de suas falas, Juvêncio disse
que o caminho seguido pelos “materialistas inconscientes” seria o da decadência. Só
que a narrativa não confirmou isso: o caminho seguido pelos personagens que não
refletiram e se apegaram a oportunidades concretas (os Mondolfi, o Major Feliciano)
foi de ascensão social e política, respectivamente. Portanto, o Brasil que venceu
no final da narrativa foi o Brasil dos pragmáticos e dos não conscientes, dos que
não pensaram a respeito da realidade brasileira. Podemos supor que, embora O
Estrangeiro tenha surgido num ambiente em que existia a necessidade de pensar o
Brasil-nação, a narrativa demonstrou ceticismo em relação aos intelectuais que
antecederam os modernistas.
Como dito acima, O Estrangeiro foi uma narrativa ambientada numa época
motivada pela necessidade de se pensar o Brasil enquanto nação (os anos 10), motivo-
guia que permaneceu na década de vinte, mas esboçou uma ruptura com o modo de pensar
o Brasil-nação. Não surgiram, em O Estrangeiro, intelectuais com uma vocação
iluminista para os negócios públicos, nem os intelectuais foram capazes de gerar
consciência e interpretar corretamente a realidade. Por fim, notamos em O Estrangeiro
uma revolta destrutiva contra o que era a inteligência nacional, tanto em suas faces
mais participantes (Juvêncio) quanto céticas (Ivan).
No princípio do romance, o céu brasileiro era visto como livre de
pecados. Porém, num episódio do final, o imigrante apontou o Cruzeiro do Sul para
uma russa, e o interpretou como a cruz do suplício. Repetiu-se o movimento da
narrativa, que destroçou as imagens anteriormente emitidas por Ivan: “-Sou meu pai
e o meu filho! O devorador de minhas próprias imagens! Eu sou o Saturno da lenda!”
(Salgado, 1937: 223). A própria narrativa seria saturnina, no sentido referido pelo
personagem principal: a princípio ela gerou imagens ufanistas do Brasil, apenas
para canibalizá-las mais à frente. O imigrante era russo, mas se identificava com
a Europa, continente que vivia a guerra e a revolução. Ele gerou imagens de um país
jovem, uma terra da promissão onde ele se construiria, uma Atlântida reencontrada.
Mas a seguir tudo desmoronou: o tipo brasileiro não se definiu, a evolução social
não se completou, os primeiros mestiçamentos (brancos com negros e índios) falharam,
e, finalmente, o país seria mera cópia.
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Em O Estrangeiro, o que desencadeou esse processo autofágico foi a não-
realização pessoal, tanto na trajetória de Ivan quanto na de Juvêncio. Nenhum destes
conseguiu se realizar: Ivan poderia se entregar a uma vida de prazeres junto com os
Pantojos (que pareciam ter ido para São Paulo apenas por hedonismo), e Juvêncio
poderia ter se aliado ao Major Feliciano num triunfo nacionalista e oposicionista,
graças à entrada do Brasil na Primeira Guerra Mundial. Diante da possibilidade de
realização concreta, transformaram-se novamente em personagens insatisfeitos.
No romance, as imagens transitaram conforme o deslocamento geográfico
dos personagens: a desintegração da imagem de paraíso de Ivan começou no campo, mas
foi em São Paulo que ela desmoronou. Juvêncio também apresentou essa característica:
acreditava na assimilação do imigrante pelo espírito da terra e pelo folclore
enquanto morou em Mandaguari, e no sertão essa imagem anterior foi definitivamente
abandonada. A conclusão final de Ivan remeteu aos interditos: “Tudo é repetição de
cansados martírios e, nem a luta, nem a esperança dissimulam a nossa miséria. Este
país nasceu velho como a nossa Rússia; e tudo quanto aqui fizerem não será mais do
que acelerar a construção de novas barreiras e novos impossíveis” (Salgado, 1937: 281).
Se Ivan veio tentar construir uma identidade numa nova pátria, ele foi basicamente
um colono fracassado. Julgamos que esse tipo de reflexão, verdadeira autoflagelação
crítica, se fez presente no Brasil dos anos 10.
O personagem Ivan acreditou que o Brasil estava comprometido e entregou-
se à destruição total. Pesquisando a especificidade das imagens de Ivan e Juvêncio,
acompanhamos suas mudanças de postura no decorrer de O Estrangeiro, o que comprovou
que ambos não eram apenas estereótipos ou figuras fáceis de rotular. Indagamo-nos
também sobre a afirmação pliniana de que a mentalidade brasileira seria Ivan.
Percebemos também o mecanismo narrativo que, seguidamente, repõe imagens de Brasil
para serem destruídas. Esse processo, que levou a narrativa a transitar da exaltação
ufanista à melancolia da autoflagelação crítica, reduziu o nacionalismo de Juvêncio
a um devaneio e acabou consumindo o próprio protagonista.
Centrado no percurso do estudante universitário Ivan, a narrativa percorreu
meio rural, cidade provinciana e grande centro urbano. Ivan discutiu, gerou e
destruiu suas imagens do novo país em diálogo com o professor Juvêncio, que passou
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por transformações no decorrer da narrativa. Em Cedral, junto a uma cachoeira,
ocorreu o episódio dos papagaios: o tal “espírito da terra” se mostrou inexistente,
e o professor se transformou num defensor do Brasil agrário sem os imigrantes.
Juvêncio, a partir da decepção com os papagaios, percebeu que com o simples contato
com a terra não restaurou uma “brasilidade”, e passou a acreditar que os brasileiros
é que tendiam a serem influenciados pelos colonos e que o meio não bastaria para
reverter o processo.
No final do romance, a imagem de Brasil que restou não foi favorável. No
campo, com a chegada dos imigrantes, estes tendiam a se misturar aos brasileiros,
mas colocando os antigos moradores em situação subalterna. Ivan, que tentou sempre
racionalizar e explicar a situação do país, acabou derrotado. O mesmo aconteceu a
Juvêncio, que se viu obrigado a mudar para o interior. O professor acabou gostando
da mudança, preferindo o Brasil longe dos imigrantes.
O Brasil que o romance deixou ao seu final seria um país enriquecido no
campo que desceu para as cidades e a ostentação, e não o que procurou a fortuna na
cidade (Ivan) ou a dissipação hedonista de riquezas no centro cosmopolita (os
Pantojo). O Major Feliciano disse que o Brasil era possível do mesmo modo como
estava, ou seja, nas mãos das oligarquias: “Isto de voto secreto é muito ótimo
quando se está na oposição, apenasmente. Neste ponto estou de acordo (...). Faça
como eu, o futuro nos pertence, e cada povo tem o governo que merece, consoante um
escritor cujo nome não me lembro” (Salgado, 1937: 238). A narrativa sancionou essa
explicação sobre o Brasil, encerrando com ela e com a trajetória do brasileiro que
melhorou de posição, mas que, ao contrário do professor, não foi removido e
consolidou uma posição mais cômoda em Mandaguari. Enquanto em Canaã apareceram
imigrantes intelectualizados discutindo o Brasil, em O Estrangeiro apareceu um
imigrante também intelectualizado, estudante universitário na Rússia, que construiu
e desconstruiu imagens de Brasil no diálogo com um professor brasileiro. O Estrangeiro,
insistimos, não terminou como canto anunciador de um movimento nacionalista católico,
nem tampouco serviria como chamada para a renovação política.
O que estamos chamando de “cerne” de O Estrangeiro seria o mecanismo
pelo qual ele exibiu imagens de Brasil e as denegriu mais adiante, terminando sem
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nenhuma imagem. Nisso, o romance seria bem diverso dos seus contemporâneos Macunaíma
e Memórias Sentimentais de João Miramar. Esses textos geravam imagens, algo paródicas
e algo negativas, mas que, ao final das contas, permaneciam. O Estrangeiro seria
diferente também por levar a devoração de imagens de Brasil mais adiante que Canaã
de Graça Aranha, romance onde podemos dizer que existiu um processo parecido. O
romance de Salgado foi além, e a narrativa não poupou nem o próprio protagonista,
que acabou igualmente devorado.
ABSTRACT:
This study aims at an analyzis of the images of Brazil in
Plínio Salgados O Estrangeiro (1926), searching for the
images of Brazil therein. We suggest a new approach to
the book, and conclude these images are constructed and
deconstructed, a process which results in melancholy and
bitterness.
KEY WORDS: images of Brazil, nationalism, nation and narration.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, Mário de. Macunaíma. Rio de Janeiro: Ed.
Garnier, 2000.
ANDRADE, Oswald de. Memórias Sentimentais de João
Miramar. 11. ed. São Paulo: Ed. Globo, 1999.
ARANHA, Graça. Canaã. Rio de Janeiro: Ed. Garnier,
[s.d.].
CANDIDO, Antonio. Prefácio. In: O Integralismo de Plínio
Salgado, Forma de Regressividade no Capitalismo Híper-
Tardio. 2. ed. São Paulo: Ed. Ad Hominem, 1999. p. 12-
131.
CHAUÍ, Marilena. Apontamentos para Crítica da Ação
Integralista Brasileira. In: Chauí, Marilena de S.
Franco, Maria Sylvia de Carvalho (Org). Ideologia e
Mobilização Popular. Rio de Janeiro: CEDEC/Paz e Terra,
1978. p. 17-149.
RAGO FILHO, Antonio. Posfácio. In: O Integralismo de
Plínio Salgado, Forma de Regressividade no Capitalismo
Híper-Tardio. São Paulo: Ed. Ad Hominem, 1999, p. 608-
640.
SALGADO, Plínio. O Estrangeiro. 4. ed. Rio de Janeiro:
Livraria José Olímpio Editora, 1937.
Coluna Norma Oculta
Coluna norma oculta: uma questão ortográfica bom-despachense ou jacintense?
Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior
Inicio essa coluna com o objetivo de debater algumas questões de língua portuguesa aqui no jornal Fique Sabendo. Mas ressalto que não pretendo aqui corrigir a fala de ninguém, dando aulinhas chatas como o faz o retrógrado professor Pasquale. O português padrão advogado por Pasquale está, no entanto, muito defasado em relação até mesmo em relação ao português falado pela elite letrada, imagine em relação ao português falado pelo povo. Como essa norma ninguém conhece e fala, é uma “norma oculta”. Daí o nome dessa minha coluna. Aqui, inclusive, estou na postura de mero colunista e não de revisor.
Então, vamos ao que interessa: li recentemente um artigo de Jacinto Guerra abrindo uma interessante questão ortográfica em Bom Despacho, por ocasião da “reforma” ortográfica, pedindo para que o “adjetivo pátrio” “bondespachense” seja aceito no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa e investigado pela Academia Brasileira de Letras. Pergunto: aceito ou imposto como correto no lugar da forma “bom-despachense”? A mim parece que as duas formas de grafar o gentílico (prefiro esse termo, embora também seja correto escrever “adjetivo pátrio”) devem ser aceitas como corretas pelo português padrão, a chamada “norma culta”. Segundo o Acordo, prosseguiram com hífen as formas adjetivas ou substantivas compostas, reduzidas, pátrias ou não, desde que os elementos sejam todos da mesma classe: ínfero-anteriores, ântero-dorsais, súpero-posteriores, póstero-palatais, político-econômicos, médico-clínico-cirúrgico, histórico-geográficos, greco-romanos, anglo-germânicos, afro-descendente etc.
Jacinto está equivocado quando trata de uma “reforma”. Trata-se apenas de um acordo para unificar as duas ortografias outrora vigentes em Portugal e Brasil. A reforma, se viesse, deveria ser muito mais radical. Ela deveria, por exemplo, abolir todos os acentos da língua portuguesa escrita, de maneira a deixá-la competitiva em relação à língua inglesa. Além disso, formas como “para mim fazer” deveriam também entrar para o português padrão. Infelizmente, os gramáticos conservadores não permitirão que isso ocorra tão cedo. Afinal, aqui no Brasil nós não fizemos nem a reforma agrária ainda...
Enfim, sugiro que o nobre colega escreva para a ABL e vá além, sugerindo também mudança do nome da cidade de Bom Despacho para Jacinto Guerra. Aí, sim, teríamos um debate apaixonado entre as duas formas do gentílico: “jacintense” ou “bom-despachense”?
Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior
Inicio essa coluna com o objetivo de debater algumas questões de língua portuguesa aqui no jornal Fique Sabendo. Mas ressalto que não pretendo aqui corrigir a fala de ninguém, dando aulinhas chatas como o faz o retrógrado professor Pasquale. O português padrão advogado por Pasquale está, no entanto, muito defasado em relação até mesmo em relação ao português falado pela elite letrada, imagine em relação ao português falado pelo povo. Como essa norma ninguém conhece e fala, é uma “norma oculta”. Daí o nome dessa minha coluna. Aqui, inclusive, estou na postura de mero colunista e não de revisor.
Então, vamos ao que interessa: li recentemente um artigo de Jacinto Guerra abrindo uma interessante questão ortográfica em Bom Despacho, por ocasião da “reforma” ortográfica, pedindo para que o “adjetivo pátrio” “bondespachense” seja aceito no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa e investigado pela Academia Brasileira de Letras. Pergunto: aceito ou imposto como correto no lugar da forma “bom-despachense”? A mim parece que as duas formas de grafar o gentílico (prefiro esse termo, embora também seja correto escrever “adjetivo pátrio”) devem ser aceitas como corretas pelo português padrão, a chamada “norma culta”. Segundo o Acordo, prosseguiram com hífen as formas adjetivas ou substantivas compostas, reduzidas, pátrias ou não, desde que os elementos sejam todos da mesma classe: ínfero-anteriores, ântero-dorsais, súpero-posteriores, póstero-palatais, político-econômicos, médico-clínico-cirúrgico, histórico-geográficos, greco-romanos, anglo-germânicos, afro-descendente etc.
Jacinto está equivocado quando trata de uma “reforma”. Trata-se apenas de um acordo para unificar as duas ortografias outrora vigentes em Portugal e Brasil. A reforma, se viesse, deveria ser muito mais radical. Ela deveria, por exemplo, abolir todos os acentos da língua portuguesa escrita, de maneira a deixá-la competitiva em relação à língua inglesa. Além disso, formas como “para mim fazer” deveriam também entrar para o português padrão. Infelizmente, os gramáticos conservadores não permitirão que isso ocorra tão cedo. Afinal, aqui no Brasil nós não fizemos nem a reforma agrária ainda...
Enfim, sugiro que o nobre colega escreva para a ABL e vá além, sugerindo também mudança do nome da cidade de Bom Despacho para Jacinto Guerra. Aí, sim, teríamos um debate apaixonado entre as duas formas do gentílico: “jacintense” ou “bom-despachense”?
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Obama, Caetano, Cânone, etc
Caetano abriu novo debate com os linguistas em seu blog Obra em Progresso. Penso que ele não vai ganhar doutorado honoris causa em linguística, se a coisa continuar assim: ele lê, lê, mas discorda cordialmente de quase tudo. Caetas não gosta de linguista. E de linguística. Prefere gramática. Ponto. Não seria melhor assim? Quando ele falou sobre o "r" retroflexo em Verdade Tropical, chamando-o de "aleijão" ele mostrou ter preconceito linguístico.
Em dado momento, ele atribui a Bagno uma adesão a uma falta de auto-estima brasileira e às críticas de Marilena Chauí ao descobrimento no ano 2000. Pelo que me lembro naquele ano, o que aconteceu foi que os movimentos sociais concluíram que nada havia para comemorar e o momento deveria ser de protesto e assim foi. E, no discurso de Caetano, os PCNs, com os quais o discurso de Bagno está em sintonia, criticados como demagógicos e em outro momento, mostrados como realização do governo Fernando Henrique Cardoso ou mostra de que ele não foi horrendo. Esse governo teve muito de horrendo, com certeza. Mas piores foram as tais comemorações em Porto Seguro que Caetas defendeu: até Gabeira se espantou com o ridículo dos galeões portugueses que não navegaram. E Gabeira tem pouco a ver com os movimentos sociais, é liberal moderno, de uma nova direita, mas não sei se ele entende assim.
E cita esse artigo de Antonio Cícero, filósofo poeta e letrista de Marina Lima, parece que acredita quase religiosamente nas luzes da razão ocidental como panacéia universal, "pomadinha japonesa" que serve para tudo ou quase tudo: ao falar de um poema, o coloca em forma de premissas lógicas e diz que sabe que será acusado de logocentrismo. Critica Terry Eagleton e os estudos culturais quando eles dizem que o cânone muda e é relativo. Para Cicero, a prova de que os textos canônicos possuem valor reside no fato de terem sobrevivido secularmente a tantas críticas e revisões.
O texto que ele ataca de Eagleton parece realmente ser frágil. Eagleton defende que a arte grega poderia sair do cânone se ocorresse uma importante descoberta arqueológica, diz Antonio Cicero sobre o Eagleton citando a famosa frase de Marx que também está debatida por Lukács: o mito é a infância da humanidade e a arte grega pode ser apreciada embora as estruturas econômicas que a geraram fossem pobres, toscas e já desapareceram. Como não vi o artigo de Eagleton, não é possível defendê-lo nesse ponto.
Mas já Harold Bloom é um prato cheio para os multiculturalistas criticarem. E diria o seguinte: o cânone, do jeito que certos tradicionalistas querem, não é desejável. Mas Cicero e Caetano querem colocar o cânone como se fosse um enorme traseiro de mármore diante de nós. Estou com Oswald de Andrade: precisamos retornar ao que está vivo na tradição, não ao passado.
Talvez ele tema que eles não sobrevivam tão bem à sanha dos estudos culturais...Mas tudo bem. Caetano compara a defesa do cânone do Cicero com a defesa que ele faz da gramática e das normas, tomadas como nascidas do povo e altamente desejáveis. Ele deseja uma gramática do desejo? Acho que ele deseja que desejemos a gramática. Ele poderia fazer uma canção de amor a crase e nos ajudar. Caets não acha a crase difícil. Sou mais Gerald Thomas, que escreve em pc estrangeiro mesmo e não usa acentos. Sou a favor de uma reforma da língua portuguesa escrita que acabe com todos os acentos, para que ela fique mais competitiva em relação à língua inglesa.
Caetano e Cícero lutam muito contra a idéia de que grupos cultos e letrados possam ter selecionado esses textos canônicos por razões particulares. Quanto ao cânone isso me parece claro, mas para eles não é, por alguma razão obscura (ou não!): um bom autor como Octavio de Faria ficou fora do cânone. Gostei bastante de seu romance Mundos Mortos, achei-o de primeira linha, sem retórica exagerada, conciso, abordando um tema espinhoso (a adolescência) e a identidade sexual. No entanto, ele possui fortes concorrentes em seu tempo: Graciliano Ramos, Jorge Amado, entre outros. Ele entra agora no cânone de um interessado em temas gays em literatura como João Silvério Trevisan, por exemplo. Pode ser que, mais adiante, desbanque alguém do cânone. E ele estaria no cânone se o cânone fosse exclusivamente, perdidamente católico, por exemplo.
Gosto de ver Shakespeare como o vi no TU: Próspero era o colonialista decadente, vestindo roupas rotas e os nativos da ilha, Caliban inclusive, estavam nus ou seminus e eram fortes e vigorosos.
Em suma: para quê negar que são grupos cultos ou elites que selecionam o que temos como literatura canônica e a gramática? E que esses critérios que fizeram o cânone tem muito pouco rigor científico e bastante de arbitrário? Que o que chamamos de norma culta era o dialeto dos cultos e letrados do passado? Será que esses donos da razão vão ir mais longe e chamar todos os que questionam isso de irracionalistas?
Obama discursou e o discurso parecia uma cena de cinema. A anunciação foi magnífica. É preciso analisar a gestuália de Obama. Regina Casé analisou a de Fidel em Cinema Falado e observou que tudo, em Fidel, vinha da região genital, suas mãos sempre evoluindo a partir do ventre. Obama discursou bonito, mas o mercado, como acabo de saber, não melhorou. O mercado é irracional.
O Brasil industrializou-se, historicamente, nos períodos de crises motivadas por guerras dos países centrais (1914-18) e 1939-45, segundo Nelson Werneck Sodré. Vejamos o que vai acontecer agora.
Minhas críticas ao governo Lula são políticas e não culturais. Lula sabe também sabe fazer discurso conforme a platéia, matizando as idéias para jamais ser "contra" aquela platéia. Suas proezas de anão evocam Getúlio Vargas no inconsciente do povo brasileiro, mas Vargas foi mais longe em suas realizações. Vejamos do que, pressionado, Lula é capaz. Somos moldados pelo meio e pelo contexto. Num desses carnavais mundo afora, não sei se no Mardi Gras de New Orleans ou em Rijeka na Croácia, fizeram um boneco de Chávez com Bush no colo. Bush, radicalizando com um golpe à moda antiga contra Chávez, ignorou o contexto político da Venezuela e fez nascer o Chávez de esquerda, o aliado de Fidel. Antes ele se manteve dentro dos parâmetros do neoliberalismo. Depois do golpe falhado, pode finalmente colocar em prática uma agenda progressista mais ampla. Chávez não é dúbio, Lula é.
Mas ainda quero --mas acho que não vou ver -- Obama ter culhões para um dia entrar no Congresso e dizer:
--My fellow citizens, we lost in Iraq. Sadly, also in Apheganistan.
Mas o racismo continua. O Washington Post publicou uma charge de um chimpanzé morto e abaixo a legenda: "vamos ter que encontrar alguém para inventar um plano de estímulo..." Um amigo me diz que a direita está satisfeita com Obama. Outro, que é um sargento democrata do Texas, diz que existe uma grande insatisfação com os impostos que devoram trinta por cento dos salários dos trabalhadores americanos. E existe a suspeita de que Obama não vai cumprir suas promessas de campanha. Demétrio Magnolli comentou, em programa de TV, que Chávez é autocrático e tem tudo a perder com a crise. Essa gente pensa que basta fechar as torneiras do petróleo e ele cai. Já vi raciocínios assim na Globo, na Piauí, num artigo de um tal Jim Holt. Só que Chávez possui realizações e não só programas assistencialistas. E ele perde nas províncias mais ricas que produzem petróleo: claro, ele obrigou-as a se democratizarem, atacou as oligarquias podres e a burocracia das empresas, em especial da PDVSA.
Magnolli diz que existe um ódio popular contra Wall Street e que Obama joga com a seguinte chantagem com os ricos: se vocês não fizerem o que eu mandar, virá alguém mais anti-Wall Street que eu, aquela velha frase que os professores dizem: "atrás de mim virá uma pessoa que boa me fará"...
Em dado momento, ele atribui a Bagno uma adesão a uma falta de auto-estima brasileira e às críticas de Marilena Chauí ao descobrimento no ano 2000. Pelo que me lembro naquele ano, o que aconteceu foi que os movimentos sociais concluíram que nada havia para comemorar e o momento deveria ser de protesto e assim foi. E, no discurso de Caetano, os PCNs, com os quais o discurso de Bagno está em sintonia, criticados como demagógicos e em outro momento, mostrados como realização do governo Fernando Henrique Cardoso ou mostra de que ele não foi horrendo. Esse governo teve muito de horrendo, com certeza. Mas piores foram as tais comemorações em Porto Seguro que Caetas defendeu: até Gabeira se espantou com o ridículo dos galeões portugueses que não navegaram. E Gabeira tem pouco a ver com os movimentos sociais, é liberal moderno, de uma nova direita, mas não sei se ele entende assim.
E cita esse artigo de Antonio Cícero, filósofo poeta e letrista de Marina Lima, parece que acredita quase religiosamente nas luzes da razão ocidental como panacéia universal, "pomadinha japonesa" que serve para tudo ou quase tudo: ao falar de um poema, o coloca em forma de premissas lógicas e diz que sabe que será acusado de logocentrismo. Critica Terry Eagleton e os estudos culturais quando eles dizem que o cânone muda e é relativo. Para Cicero, a prova de que os textos canônicos possuem valor reside no fato de terem sobrevivido secularmente a tantas críticas e revisões.
O texto que ele ataca de Eagleton parece realmente ser frágil. Eagleton defende que a arte grega poderia sair do cânone se ocorresse uma importante descoberta arqueológica, diz Antonio Cicero sobre o Eagleton citando a famosa frase de Marx que também está debatida por Lukács: o mito é a infância da humanidade e a arte grega pode ser apreciada embora as estruturas econômicas que a geraram fossem pobres, toscas e já desapareceram. Como não vi o artigo de Eagleton, não é possível defendê-lo nesse ponto.
Mas já Harold Bloom é um prato cheio para os multiculturalistas criticarem. E diria o seguinte: o cânone, do jeito que certos tradicionalistas querem, não é desejável. Mas Cicero e Caetano querem colocar o cânone como se fosse um enorme traseiro de mármore diante de nós. Estou com Oswald de Andrade: precisamos retornar ao que está vivo na tradição, não ao passado.
Talvez ele tema que eles não sobrevivam tão bem à sanha dos estudos culturais...Mas tudo bem. Caetano compara a defesa do cânone do Cicero com a defesa que ele faz da gramática e das normas, tomadas como nascidas do povo e altamente desejáveis. Ele deseja uma gramática do desejo? Acho que ele deseja que desejemos a gramática. Ele poderia fazer uma canção de amor a crase e nos ajudar. Caets não acha a crase difícil. Sou mais Gerald Thomas, que escreve em pc estrangeiro mesmo e não usa acentos. Sou a favor de uma reforma da língua portuguesa escrita que acabe com todos os acentos, para que ela fique mais competitiva em relação à língua inglesa.
Caetano e Cícero lutam muito contra a idéia de que grupos cultos e letrados possam ter selecionado esses textos canônicos por razões particulares. Quanto ao cânone isso me parece claro, mas para eles não é, por alguma razão obscura (ou não!): um bom autor como Octavio de Faria ficou fora do cânone. Gostei bastante de seu romance Mundos Mortos, achei-o de primeira linha, sem retórica exagerada, conciso, abordando um tema espinhoso (a adolescência) e a identidade sexual. No entanto, ele possui fortes concorrentes em seu tempo: Graciliano Ramos, Jorge Amado, entre outros. Ele entra agora no cânone de um interessado em temas gays em literatura como João Silvério Trevisan, por exemplo. Pode ser que, mais adiante, desbanque alguém do cânone. E ele estaria no cânone se o cânone fosse exclusivamente, perdidamente católico, por exemplo.
Gosto de ver Shakespeare como o vi no TU: Próspero era o colonialista decadente, vestindo roupas rotas e os nativos da ilha, Caliban inclusive, estavam nus ou seminus e eram fortes e vigorosos.
Em suma: para quê negar que são grupos cultos ou elites que selecionam o que temos como literatura canônica e a gramática? E que esses critérios que fizeram o cânone tem muito pouco rigor científico e bastante de arbitrário? Que o que chamamos de norma culta era o dialeto dos cultos e letrados do passado? Será que esses donos da razão vão ir mais longe e chamar todos os que questionam isso de irracionalistas?
Obama discursou e o discurso parecia uma cena de cinema. A anunciação foi magnífica. É preciso analisar a gestuália de Obama. Regina Casé analisou a de Fidel em Cinema Falado e observou que tudo, em Fidel, vinha da região genital, suas mãos sempre evoluindo a partir do ventre. Obama discursou bonito, mas o mercado, como acabo de saber, não melhorou. O mercado é irracional.
O Brasil industrializou-se, historicamente, nos períodos de crises motivadas por guerras dos países centrais (1914-18) e 1939-45, segundo Nelson Werneck Sodré. Vejamos o que vai acontecer agora.
Minhas críticas ao governo Lula são políticas e não culturais. Lula sabe também sabe fazer discurso conforme a platéia, matizando as idéias para jamais ser "contra" aquela platéia. Suas proezas de anão evocam Getúlio Vargas no inconsciente do povo brasileiro, mas Vargas foi mais longe em suas realizações. Vejamos do que, pressionado, Lula é capaz. Somos moldados pelo meio e pelo contexto. Num desses carnavais mundo afora, não sei se no Mardi Gras de New Orleans ou em Rijeka na Croácia, fizeram um boneco de Chávez com Bush no colo. Bush, radicalizando com um golpe à moda antiga contra Chávez, ignorou o contexto político da Venezuela e fez nascer o Chávez de esquerda, o aliado de Fidel. Antes ele se manteve dentro dos parâmetros do neoliberalismo. Depois do golpe falhado, pode finalmente colocar em prática uma agenda progressista mais ampla. Chávez não é dúbio, Lula é.
Mas ainda quero --mas acho que não vou ver -- Obama ter culhões para um dia entrar no Congresso e dizer:
--My fellow citizens, we lost in Iraq. Sadly, also in Apheganistan.
Mas o racismo continua. O Washington Post publicou uma charge de um chimpanzé morto e abaixo a legenda: "vamos ter que encontrar alguém para inventar um plano de estímulo..." Um amigo me diz que a direita está satisfeita com Obama. Outro, que é um sargento democrata do Texas, diz que existe uma grande insatisfação com os impostos que devoram trinta por cento dos salários dos trabalhadores americanos. E existe a suspeita de que Obama não vai cumprir suas promessas de campanha. Demétrio Magnolli comentou, em programa de TV, que Chávez é autocrático e tem tudo a perder com a crise. Essa gente pensa que basta fechar as torneiras do petróleo e ele cai. Já vi raciocínios assim na Globo, na Piauí, num artigo de um tal Jim Holt. Só que Chávez possui realizações e não só programas assistencialistas. E ele perde nas províncias mais ricas que produzem petróleo: claro, ele obrigou-as a se democratizarem, atacou as oligarquias podres e a burocracia das empresas, em especial da PDVSA.
Magnolli diz que existe um ódio popular contra Wall Street e que Obama joga com a seguinte chantagem com os ricos: se vocês não fizerem o que eu mandar, virá alguém mais anti-Wall Street que eu, aquela velha frase que os professores dizem: "atrás de mim virá uma pessoa que boa me fará"...
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Terry Eagleton
Os estudos literários e o cânone
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8.2.09
Os estudos literários e o cânone
O seguinte artigo foi publicado na minha coluna da "Ilustrada", da Folha de São Paulo, sábado, 7 de fevereiro.
Os estudos literários e o cânone
COMO MUITOS outros críticos literários contemporâneos, Terry Eagleton pensa que "o chamado 'cânone literário', a 'grande tradição' inquestionada da 'literatura canônica', precisa ser reconhecido como um constructo, modelado por pessoas particulares, por razões particulares, em determinado momento".
Apesar de presunçosa, é na verdade ingênua a afirmação de Eagleton. A ironia da referência entre aspas à "grande tradição" é impotente: queira-se ou não, o cânone literário é uma grande tradição. Deve-se dizer, porém, que ela está longe de ser inquestionada ou inquestionável. Ao contrário, essa tradição se construiu e se mantém hoje, entre outras coisas, através do questionamento e por causa dele.
Trata-se de um constructo, sem dúvida, desde que se retire dessa palavra qualquer conotação de arbitrariedade, uma vez que não pode ser considerado arbitrário aquilo que, tendo se submetido à crítica incessante e implacável, sobrevive. O cânone nada tem a ver com as coisas que são "modeladas por pessoas particulares, por razões particulares, em determinado momento". Essas, produzidas por sociedades fechadas, são impostas à força. Só por cegueira ideológica pode alguém pretender que seja assim a sociedade moderna.
Eagleton se considera marxista. A certa altura, ele comenta que "Karl Marx se preocupara com a questão de saber por que a arte grega conservava um "encanto eterno", embora as condições sociais que a haviam produzido já tivessem passado há muito tempo".
Normalmente, o texto em que Marx assim fala é tomado como uma prova da grandeza do autor de "O Capital", que teria preferido reconhecer uma dificuldade da sua teoria a tentar encaixar toda a arte do mundo no leito de Procusto da ideologia ou da "superestrutura". Desse modo, Marx teria preservado o seu -o nosso- direito de amar a beleza da arte do passado.
Não é o que pensa Eagleton. Mais marxista que Marx, ele vê nisso uma fraqueza, e pergunta: "Como podemos saber que [a arte grega] permanecerá "eternamente" encantadora, se a história ainda não terminou?" Segundo ele, se, por exemplo, uma descoberta arqueológica nos obrigasse a reconhecer que as preocupações das audiências originais da tragédia grega eram inteiramente alheias às nossas, poderíamos deixar de apreciá-las.
Ora, quem verdadeiramente ama um poema – como Marx, por exemplo, ama os poemas de Homero – ama-o porque considera que ele lhe pertence e lhe diz respeito de um modo extremamente íntimo: porque intimamente conhece e, em reciprocidade, sabe ser conhecido pelo poema que ama. Conhecer desse modo um poema e amá-lo é tê-lo pela expressão acabada de alguma dimensão fundamental do próprio ser.
Pergunto-me: como é possível que Eagleton suponha que, seja qual for a novidade de uma revelação arqueológica, ela possa ser maior e mais importante que a revelação oferecida pelos próprios textos das tragédias? Pensemos em "Édipo Rei", por exemplo. Como ele é capaz de imaginar que "Édipo Rei", ou "Prometeu Acorrentado", ou "As Bacantes", ou qualquer uma das grandes tragédias possa ser ofuscada ou anulada por uma descoberta arqueológica?
A resposta é clara: ele pensa assim porque não tem uma relação vital com a poesia; porque, para ele, a poesia não vale por si. É evidente que tal modo de se relacionar com a poesia não pode resultar de uma decisão intelectual. Ao contrário: a decisão intelectual sobre o valor (ou a ausência de valor) da poesia é que é resultado da relação real que o leitor estabelece com ela. Não é porque decide que a poesia não tem valor que ele deixa de ter uma relação vital com ela: é antes porque não tem uma relação vital com a poesia que ela não tem valor para ele.
Na verdade, estou sem dúvida exagerando no que diz respeito a Eagleton. Com certeza a poesia tem algum valor para ele. Está longe, evidentemente, de ser um valor imanente e vital, como para Marx. Creio que para Eagleton, como para muitos, um poema ou uma tragédia têm o valor de um documento histórico como qualquer outro. Ora, basicamente o que interessa saber sobre um documento histórico são duas coisas: se ele é autêntico e o que representou para as pessoas que o produziram ou dele se serviram. Ele se reduz a um índice ou sintoma de uma relação social. Daí a importância atribuída à arqueologia.
Infelizmente, é essa a relação com a literatura que parece determinar a atitude ante o cânone que hoje predomina no campo dos estudos literários acadêmicos "posmodernos" e/ou marxistas.
Postado por Antonio Cicero às 00:12 13 comentários
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O seguinte artigo foi publicado na minha coluna da "Ilustrada", da Folha de São Paulo, sábado, 7 de fevereiro.
Os estudos literários e o cânone
COMO MUITOS outros críticos literários contemporâneos, Terry Eagleton pensa que "o chamado 'cânone literário', a 'grande tradição' inquestionada da 'literatura canônica', precisa ser reconhecido como um constructo, modelado por pessoas particulares, por razões particulares, em determinado momento".
Apesar de presunçosa, é na verdade ingênua a afirmação de Eagleton. A ironia da referência entre aspas à "grande tradição" é impotente: queira-se ou não, o cânone literário é uma grande tradição. Deve-se dizer, porém, que ela está longe de ser inquestionada ou inquestionável. Ao contrário, essa tradição se construiu e se mantém hoje, entre outras coisas, através do questionamento e por causa dele.
Trata-se de um constructo, sem dúvida, desde que se retire dessa palavra qualquer conotação de arbitrariedade, uma vez que não pode ser considerado arbitrário aquilo que, tendo se submetido à crítica incessante e implacável, sobrevive. O cânone nada tem a ver com as coisas que são "modeladas por pessoas particulares, por razões particulares, em determinado momento". Essas, produzidas por sociedades fechadas, são impostas à força. Só por cegueira ideológica pode alguém pretender que seja assim a sociedade moderna.
Eagleton se considera marxista. A certa altura, ele comenta que "Karl Marx se preocupara com a questão de saber por que a arte grega conservava um "encanto eterno", embora as condições sociais que a haviam produzido já tivessem passado há muito tempo".
Normalmente, o texto em que Marx assim fala é tomado como uma prova da grandeza do autor de "O Capital", que teria preferido reconhecer uma dificuldade da sua teoria a tentar encaixar toda a arte do mundo no leito de Procusto da ideologia ou da "superestrutura". Desse modo, Marx teria preservado o seu -o nosso- direito de amar a beleza da arte do passado.
Não é o que pensa Eagleton. Mais marxista que Marx, ele vê nisso uma fraqueza, e pergunta: "Como podemos saber que [a arte grega] permanecerá "eternamente" encantadora, se a história ainda não terminou?" Segundo ele, se, por exemplo, uma descoberta arqueológica nos obrigasse a reconhecer que as preocupações das audiências originais da tragédia grega eram inteiramente alheias às nossas, poderíamos deixar de apreciá-las.
Ora, quem verdadeiramente ama um poema – como Marx, por exemplo, ama os poemas de Homero – ama-o porque considera que ele lhe pertence e lhe diz respeito de um modo extremamente íntimo: porque intimamente conhece e, em reciprocidade, sabe ser conhecido pelo poema que ama. Conhecer desse modo um poema e amá-lo é tê-lo pela expressão acabada de alguma dimensão fundamental do próprio ser.
Pergunto-me: como é possível que Eagleton suponha que, seja qual for a novidade de uma revelação arqueológica, ela possa ser maior e mais importante que a revelação oferecida pelos próprios textos das tragédias? Pensemos em "Édipo Rei", por exemplo. Como ele é capaz de imaginar que "Édipo Rei", ou "Prometeu Acorrentado", ou "As Bacantes", ou qualquer uma das grandes tragédias possa ser ofuscada ou anulada por uma descoberta arqueológica?
A resposta é clara: ele pensa assim porque não tem uma relação vital com a poesia; porque, para ele, a poesia não vale por si. É evidente que tal modo de se relacionar com a poesia não pode resultar de uma decisão intelectual. Ao contrário: a decisão intelectual sobre o valor (ou a ausência de valor) da poesia é que é resultado da relação real que o leitor estabelece com ela. Não é porque decide que a poesia não tem valor que ele deixa de ter uma relação vital com ela: é antes porque não tem uma relação vital com a poesia que ela não tem valor para ele.
Na verdade, estou sem dúvida exagerando no que diz respeito a Eagleton. Com certeza a poesia tem algum valor para ele. Está longe, evidentemente, de ser um valor imanente e vital, como para Marx. Creio que para Eagleton, como para muitos, um poema ou uma tragédia têm o valor de um documento histórico como qualquer outro. Ora, basicamente o que interessa saber sobre um documento histórico são duas coisas: se ele é autêntico e o que representou para as pessoas que o produziram ou dele se serviram. Ele se reduz a um índice ou sintoma de uma relação social. Daí a importância atribuída à arqueologia.
Infelizmente, é essa a relação com a literatura que parece determinar a atitude ante o cânone que hoje predomina no campo dos estudos literários acadêmicos "posmodernos" e/ou marxistas.
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Carnaval (post de Caetano sobre linguistica)
CARNAVAL
21/02/2009 5:00 am
Um dia escrevi aqui: “Os linguistas contribuem com sugestões utilizáveis quando se fizer um bom projeto de educação básica no Brasil. Mas no momento esses militantes fazem também um pouco de demagogia nociva, provavelmente sem o saber.” Heloisa comentou desta maneira: “Caetano, gostei da forma cuidadosa e moderada desse comentário. Isso me basta, por enquanto”. Lembro que em outro lugar ela pediu paciência a Luedy, que ele esperasse eu ler Bagno diretamente. Algo assim. Pois bem. Li “A norma oculta” e não mudei um milímetro. Ali ainda pesavam mais os vícios da esquerda autocongratulatória.
Encontrei Luedy pessoalmente. Ele veio com uma professora de linguística irresistível. Ela falava bem e era paciente quando eu a interrompia. Luedy quase não falava. Paquito, o amigo músico que nos apresentou, às vezes puxava o assunto para longe do tema central. Quase nunca concordávamos mas todos gostávamos de ouvir uns aos outros. Eu tinha apenas olhado as primeiras páginas de “Preconceito linguístico“. Depois que Luedy, Paquito e Tânia (esse é o nome da moça) foram embora, fui lê-lo. Heloísa tinha sido profética. A leitura realmente mudou minha disposição em relação ao combativo professor da UnB.
Não sei se o texto que Bagno publicou na Caros Amigos em resposta a minhas opiniões é mais ou menos agressivo do que o que ele mandou aqui para o blog (e depois pediu a Hermano para não publicar: Hermano, que, sendo antropólogo, está mais pros Bagnos do que pros Cipros, tinha me mandado o irado comment, perguntando se não seria o caso de evitarmos publicação de texto tão aguerrido e vulnerável - e eu tinha respondido optando pela publicação: não queria me proteger nem facilitar a vida de Bagno). Seja como for, o texto que li era violento o suficiente para aumentar minha má vontade. Não foi sem má vontade que li “A norma oculta”; não foi sem má vontade que comecei a leitura de “Preconceito linguístico”. Não foi sem alegria que vi minha disposição mudar. Viva Heloisa.
“A norma oculta” me deixou com as mesmas más impressões da entrevista à Caros Amigos: demagogia, ar de quem descobriu a pólvora, malevolência em relação aos consultores de gramática dos meios de comunicação, sobretudo um argumento central que não me balança: a tese do nascimento da gramática normativa há cerca de 2.000 anos como um mal do qual só o heróicos sociolingüistas do século 20 nos salvariam. Mas em “Preconceito linguístico” encontrei o que já nem buscava: razão, alguns argumentos sólidos, apreciações justas. Será que nada disso havia no outro livro – nem na entrevista? Será que nada havia no eco da campanha dos lingüistas? Claro que há coerência entre essas fontes e “Preconceito lingüístico.” Mas ao ler este fui posto em condição de ver o que há de bom mesmo onde eu não tinha visto antes.
Seria preciso contar a história da minha vida. Não posso fazê-lo aqui. Mas o fato é que sempre me excitaram observações como a do Padre Antenor, diretor do Colégio Estadual Teodoro Sampaio, de Santo Amaro, que dizia não podermos considerar errado o “entonce” do matuto do recôncavo, que é português correto mas antigo e não atual e errado. Comentários como esse me prometiam mais do que as nomenclaturas das análises lexicais e sintáticas. É verdade que tive mais sorte do que Luedy: me ensinaram as “categorias gramaticais” no curso primário; a análise sintática só começou no ginásio – e começou devagar: primeiro as orações simples, só mais tarde estudamos períodos compostos. Primeiro os “por coordenação” e depois os “por subordinação”. Se havia quem achasse chato, esses não eram em maior número do que os que não agüentavam história ou geografia – sem falar em matemática. Mas a mera insinuação da etimologia feita pelo padre me acenava com um mundo maravilhoso. Eu queria entender mais o que era a língua que falávamos, como se formara, como continuaria em sua trajetória. Em suma, eu tenderia mais para um linguista do que para um gramático. Embora as sutilezas das regras de concordância me apaixonassem. E até hoje eu ame o entendimento da crase e sofra com o mito de que ela é difícil, um fenômeno inescrutável, um capricho desarrazoado dos professores e da própria língua portuguesa.
Entre a faculdade de filosofia e a música popular, minha admiração por Godard, pelos Beatles, pelos pintores pop e pelos poetas concretos me aproximou de Saussure e Jakobson, dos estruturalistas e pós, não dos gramáticos e filólogos. Entre 67 e 68 eu, além de já estar careca de saber que a língua muda, li “Tristes Trópicos”, Saussure, Jakobson, “As palavras e as coisas”, McLuhan, Oswald de Andrade (“a contribuição milionária de todos os erros”) – e nada de Napoelão Mendes de Almeida. De Antonio Houaiss, só a tradução do Ulisses de Joyce.
O artigo de Antonio Cicero na Ilustrada de 8/2/2009 expõe claramente a natureza de minha atitude contra a euforia dos lingüistas ao “desmascararem” o desejo de manter privilégios escondido por trás de toda paixão pela gramática. Leiam-no em http://antoniocicero.blogspot.com/. Chama-se Os Estudos Literários e o Cânone. Cicero diz, basicamente, que o cânone não é, como quer Eagleton, uma suspeita seleção feita a partir de interesses particulares, mas, ao contrario, algo que foi construído na luta das idéias e cuja força reside em não parar de ser qüestionado. A reação de certa esquerda ao cânone é semelhante à reação dos sociolingüistas à norma culta. Não que eles sejam a mesma coisa. Apenas, naquilo que têm em comum, suscitam reações parecidas nos meios que sonham com a revolução. Em ambos os casos essas reações me parecem tolas. A criação de um “paideuma”, de um recorte do cânone que nos obriga a revê-lo, é, explícita ou implicitamente, necessária à criação de algo relevante na história de uma arte e mesmo na construção de um estilo individual. Agusto de Campos pode dizer que John Donne e Sá de Miranda estão acima de Shakespeare e Camões. Ezra Pound detestava Gertrud Stein. John Cage queria livrar-se de Beethoven. Bergman detestava Orson Welles e Godard. Marcelo Nova pode desprezar João Gilberto. João ostentou gostar tão pouco de Noel que isso era uma espécie de escândalo silencioso. Mas tudo isso é diferente de querer-se desautorizar todo cânone. Muitas vezes em nome de reinvidicações de raça, gênero, classe e “orientação sexual”. Os panfletos de Bagno sempre me pareceram mais aparentados a essa tendência do que à decisão de contribuir para a vitalização da educação no Brasil. Além disso, me causa repugnância a facilidade com que se quer descartar mesmo a mais remota possibilidade de haver algo aproveitável na particularidade da história brasileira. Bagno vocifera contra a baixa estima que resulta de dizer-se que os brasileiros não falam certo ou que não sabem português. Mas faz coro com Marilena Chaui contra a celebração do descobrimento e não vê senão vergonha no fato de a nossa independência ter sido proclamada pelo príncipe da metrópole.
Claro, ninguém “não sabe” a língua que ouve desde que começou a viver. E nenhuma língua é incapaz de resolver os problemas de comunicação que seus falantes enfrentam. Mas, se esse aspecto da questão é evidente, o mesmo não se pode dizer da confusão que causa afirmar ao mesmo tempo esse grau de independência do fenômeno lingüístico e denunciar como mitológica a língua “ideal” dos gramáticos. De novo, sei que não se trata da mesma instância, mas se temos de definir como projetaremos o ensino da língua no Brasil precisamos ser claros justamente quanto ao que transcende (gostou, Heloisa?) a matéria bruta da fala diária e o corpo dos textos escritos existentes. Se seguimos a Marilena do panfletinho contra a celebração do descobrimento, como podemos clamar pela elevação da autoestima de uma nação tão monstruosamente formada – e apenas através da ligüística? Vê-se que há uma lacuna no pensamento. E vê-se que ela é aterrada com o entulho das variedades mais ingênuas das crenças em vanguardas revolucionárias.
O que, então, é bom em “Preconceito lingüístico”? Em primeiro lugar, aqui Bagno freqüentemente mira os alvos certos. O livro de Josué Machado não precisa ser lido por inteiro: as citações escolhidas por Bagno justificam a crítica que este lhe faz. O verbete do “Dicionário Sacconi da língua portuguesa” é tão grosseiro quanto as explicações dadas por Bagno sobre rotacismo e vocalização do “lh” são claras e bem articuladas. Os erros que este aponta nos livros daqueles merecem ser destacados. E a vulgaridade agressiva do estilo deles deve ser combatida. O projeto de lei de Aldo Rebelo é ridículo. Sou amigo de Pasquale Cipro Neto (e admirador confesso do trabalho que ele faz), mas das palavras depreciativas que ele usou contra os lingüistas apenas “deslumbrados” é de fato adequada.
Além disso, Bagno aqui dá um esboço de programa que já é contribuição efetiva para um plano inteligente de educação de massa no Brasil. Ele não está sendo simplesmente o militante de um comando antigramatical. Na verdade, as propostas concretas que ele apresenta soam muito menos demagógicas do que os “Parâmetros curriculares nacionais”. Esse documento oficial (surgido, não se sabe como, no supostamente horrendo governo Fernando Henrique) parece mais um brado de protesto contra humilhações sofridas por falantes pobres, enquanto o próprio Bagno propõe “acionar nosso senso crítico toda vez que nos depararmos com um comando paragramatical e saber filtrar as informações realmente úteis, deixando de lado (e denunciando, de preferência) as afirmações preconceituosas, autoritárias e intolerantes”. Aí ele está elevando o nível de exigência em relação aos que desejam ensinar a norma a tanta gente que tem sede de ter acesso a uma. E o mesmo texto em que ele diz essas coisas é o exemplo da língua culta padrão, da norma – que não está no texto dos grandes ficcionistas nem dos poetas, muito menos na fala coloquial: é o português que Bagno usa (e as regras de que se vale para criticar o conhecimento de gramática de jornalistas e professores, com maior ou menor razão), o português das argumentações teóricas, do texto oficial, da produção acadêmica, e não o dos poetas e ficcionistas, que está mais perto dessa entidade que não pode ser reduzida à materialidade da língua móvel dos usuários: a língua ideal. O fato de Bagno usar pronomes no caso reto em função de objeto direto é mais do uma exceção que confirma a regra: é a exemplificação de uma proposta de regra nova que ele já põe, a sério, em prática (ele não usaria “menas”, “nós vai”, “três pastel” etc.: haveria o risco do texto ficar menos inteligível – e (o que é crucial) menos respeitável. Nenhum padrão é idêntico à pluralidade de entes reais que ele representa. Por que a língua teria de se resumir às falas concretas dos falantes? Mas é o Bagno que sabe disso que diz que ensinar português é ensinar a ler e escrever - numa norma padrão.
A distinção entre ensinar a língua e ensinar sobre a língua procede. Mas isso não pode ir além de meramente enfatizar o treino do uso em vez da análise do funcionamento. As comparações com a diferença entre dirigir automóvel e entender a mecânica do motor é simplista demais. Ainda bem que ele reconhece que numa certa altura tem-se que aprender algo sobre a mecânica da língua: afinal, de onde sairiam os gramáticos, os lingüistas, os técnicos? Há um continuum entre o aluno e o professor, não há uma linha igual à que separa o motorista amador do mecânico de oficina. Claro que Possenti está certo, no trecho citado por Bagno, quando diz que “saber usar as regras é uma coisa e saber explicitamente quais são as regras é outra”. Mas há grande alegria em ver revelado o processo que se dá dentro da gente quando efetivamos o uso da regra. Essa alegria não é igual à alegria do motorista que descobre o que é que faz o carro andar. Justamente por no caso da língua revelar-se algo que está dentro de nós. Não é tudo (acredito que há pensamento sem palavras) mas é muito, é mesmo quase tudo o que somos.
É essa alegria genuína que levou Pasquale a reverenciar Napoleão quando este morreu, não o pedantismo que fazia dele uma figura cômica. Porque uma coisa é certa: se há uma esfumaçada miragem de norma culta, português correto, reverência à maneira lusitana de falar e escrever – essa miragem é pisoteada alegremente pelos brasileiros de todas as classes – e bem possivelmente pelas classes mais remediadas e urbanas. Os jornalistas riem dos gramáticos e da Academia, toda a gente ri de Portugal. A defesa quixotesca da língua culta é um cachorro morto nas ruas do Brasil. Temo que os sociolingüistas o chutem com demasiado prazer. O ódio aos Pasquales se deve a eles representarem um surpreendente sinal de vida no cadáver desse cão. Suspeito que Luedy adivinha que Bagno e Possenti não gostariam do Psirico porque o que correspondente ao Márcio Victor não é o “menas” mas o Pasquale: os “comandos paragramaticais” é que são brega. Se há um país onde regras de gramática são tradicionalmente (e mesmo saudavelmente) desprezadas é o Brasil. Comparemos o que se passa entre nós e o que se passa na França, na Espanha. Os argentinos têm o “vos” e resquícios de uma conjugação referente a esse pronome. Mas quem for filho de alguém que saiba ao menos ler, saberá todas as regras de uso de pronomes que há no castelhano. A rigidez normativa da língua francesa não tem igual. Já disse que sou contra o projeto de lei de Aldo Rebelo. Mas na França, onde a Academia realmente dita a moda (com a contribuição de ninguém menos que Lévy-Strauss, que foi de quem primeiro ouvi que não há línguas mais capazes que outras, que não há línguas primitivas, que não há hierarquia possível entre línguas), as ações de defesa da língua têm muito mais peso do que aqui. Vivi na Inglaterra: na cidade de Londres, as diferenças de pronúncia, vocabulário, sintaxe e tom entre as classes sociais (e a importância que é institivamente dada a elas por todos os ingleses) é maior do que entre as regiões do Brasil, por mais distantes que sejam umas das outras, por maior que seja a disparidade de poder aquisitivo. Dizia-se em Londres que o inglês da BBC era a melhor tentativa de padrão. O mito da homogeneidade do português brasileiro não é meramente um mito: é também a realidade de uma língua transplantada, língua de colônia, em que grupos diferentes de pessoas tiveram de passar a falar uma língua só.
Os lingüistas deveriam ficar felizes pela oportunidade. Na verdade acho que estão felizes. Não apenas o livro do Bagno está na 50a edição: a própria ciência lingüística encontra terreno tão fértil aqui quanto a psicanálise na Argentina. Bagno prefere repetir Marilena na cantilena da formação que não pode ser festejada, mas a colônia em que o príncipe da metrópole declarou a independência é tão original que, mesmo tendo ficado séculos atrasada em relação às outras colônias ibéricas quanto à instituição de universidades – e que exibe ainda a cicatriz desses descompassos e esquisitices nos resultados dos exames de aprendizado dos seus estudantes – produziu o maior romancista latinoamericano do século 19 (Machado) e o maior romancista latinoamericano no século 20 (Rosa) – pelo menos no dizer de Rodrigues Monegal, o grande teórico hispanoamericano de literatura.
Uma empreitada de familiarização da maioria dos brasileiros com as letras já agradece a contribuição que lingüistas como Bagno e Possenti vêm dando. Eu teria preferido me manter como o espírito de porco que, mesmo sem ser estudioso formal da matéria, toma a defesa dos comandos paragramaticais e escarnece dos esquerdismos triunfantes. Mas a leitura de “Preconceito lingüístico” mudou meu mood. Agora prefiro festejar o sucesso desse grupo tão intolerante quanto generoso. Acompanhar o aproveitamento das contribuições que ele traz. Claro que eles podem, como Tom Zé, recusar minha aprovação. Não faz mal. Seguem podendo ser bons para o que interessa.
Minha adesão aos lingüistas tem preço. É preciso que eles ouçam este leigo com a mesma isenção que ele os ouviu e pensem ao menos nas questões seguintes. 1) O cientificismo é, em muitos meios, considerado um preconceito. 2) As regras são sim filhas do uso real da língua pelos falantes e, tal como os próprios lingüistas detectam agora, sempre vieram de “baixo” para “cima”. 3) O fato de a gramática normativa poder datar de cerca de 2.000 anos atrás não diz nem que gramáticos tenham imposto os caminhos seguidos pelas línguas nem que eles não entrem na história da formação destas. 4) Os resultados de uma bem sucedida ação de letramento da massa brasileira poderão supreender esses seus proponentes: “tendências” poderão mudar porque 5) A escrita influencia a fala.
Continuo gostando do sucesso de Bagno, Pasquale, Maria de Lourdes, Possenti e Psirico.
149 comentários » | Assuntos: antonio cicero, Bagno, cânone, carnaval
21/02/2009 5:00 am
Um dia escrevi aqui: “Os linguistas contribuem com sugestões utilizáveis quando se fizer um bom projeto de educação básica no Brasil. Mas no momento esses militantes fazem também um pouco de demagogia nociva, provavelmente sem o saber.” Heloisa comentou desta maneira: “Caetano, gostei da forma cuidadosa e moderada desse comentário. Isso me basta, por enquanto”. Lembro que em outro lugar ela pediu paciência a Luedy, que ele esperasse eu ler Bagno diretamente. Algo assim. Pois bem. Li “A norma oculta” e não mudei um milímetro. Ali ainda pesavam mais os vícios da esquerda autocongratulatória.
Encontrei Luedy pessoalmente. Ele veio com uma professora de linguística irresistível. Ela falava bem e era paciente quando eu a interrompia. Luedy quase não falava. Paquito, o amigo músico que nos apresentou, às vezes puxava o assunto para longe do tema central. Quase nunca concordávamos mas todos gostávamos de ouvir uns aos outros. Eu tinha apenas olhado as primeiras páginas de “Preconceito linguístico“. Depois que Luedy, Paquito e Tânia (esse é o nome da moça) foram embora, fui lê-lo. Heloísa tinha sido profética. A leitura realmente mudou minha disposição em relação ao combativo professor da UnB.
Não sei se o texto que Bagno publicou na Caros Amigos em resposta a minhas opiniões é mais ou menos agressivo do que o que ele mandou aqui para o blog (e depois pediu a Hermano para não publicar: Hermano, que, sendo antropólogo, está mais pros Bagnos do que pros Cipros, tinha me mandado o irado comment, perguntando se não seria o caso de evitarmos publicação de texto tão aguerrido e vulnerável - e eu tinha respondido optando pela publicação: não queria me proteger nem facilitar a vida de Bagno). Seja como for, o texto que li era violento o suficiente para aumentar minha má vontade. Não foi sem má vontade que li “A norma oculta”; não foi sem má vontade que comecei a leitura de “Preconceito linguístico”. Não foi sem alegria que vi minha disposição mudar. Viva Heloisa.
“A norma oculta” me deixou com as mesmas más impressões da entrevista à Caros Amigos: demagogia, ar de quem descobriu a pólvora, malevolência em relação aos consultores de gramática dos meios de comunicação, sobretudo um argumento central que não me balança: a tese do nascimento da gramática normativa há cerca de 2.000 anos como um mal do qual só o heróicos sociolingüistas do século 20 nos salvariam. Mas em “Preconceito linguístico” encontrei o que já nem buscava: razão, alguns argumentos sólidos, apreciações justas. Será que nada disso havia no outro livro – nem na entrevista? Será que nada havia no eco da campanha dos lingüistas? Claro que há coerência entre essas fontes e “Preconceito lingüístico.” Mas ao ler este fui posto em condição de ver o que há de bom mesmo onde eu não tinha visto antes.
Seria preciso contar a história da minha vida. Não posso fazê-lo aqui. Mas o fato é que sempre me excitaram observações como a do Padre Antenor, diretor do Colégio Estadual Teodoro Sampaio, de Santo Amaro, que dizia não podermos considerar errado o “entonce” do matuto do recôncavo, que é português correto mas antigo e não atual e errado. Comentários como esse me prometiam mais do que as nomenclaturas das análises lexicais e sintáticas. É verdade que tive mais sorte do que Luedy: me ensinaram as “categorias gramaticais” no curso primário; a análise sintática só começou no ginásio – e começou devagar: primeiro as orações simples, só mais tarde estudamos períodos compostos. Primeiro os “por coordenação” e depois os “por subordinação”. Se havia quem achasse chato, esses não eram em maior número do que os que não agüentavam história ou geografia – sem falar em matemática. Mas a mera insinuação da etimologia feita pelo padre me acenava com um mundo maravilhoso. Eu queria entender mais o que era a língua que falávamos, como se formara, como continuaria em sua trajetória. Em suma, eu tenderia mais para um linguista do que para um gramático. Embora as sutilezas das regras de concordância me apaixonassem. E até hoje eu ame o entendimento da crase e sofra com o mito de que ela é difícil, um fenômeno inescrutável, um capricho desarrazoado dos professores e da própria língua portuguesa.
Entre a faculdade de filosofia e a música popular, minha admiração por Godard, pelos Beatles, pelos pintores pop e pelos poetas concretos me aproximou de Saussure e Jakobson, dos estruturalistas e pós, não dos gramáticos e filólogos. Entre 67 e 68 eu, além de já estar careca de saber que a língua muda, li “Tristes Trópicos”, Saussure, Jakobson, “As palavras e as coisas”, McLuhan, Oswald de Andrade (“a contribuição milionária de todos os erros”) – e nada de Napoelão Mendes de Almeida. De Antonio Houaiss, só a tradução do Ulisses de Joyce.
O artigo de Antonio Cicero na Ilustrada de 8/2/2009 expõe claramente a natureza de minha atitude contra a euforia dos lingüistas ao “desmascararem” o desejo de manter privilégios escondido por trás de toda paixão pela gramática. Leiam-no em http://antoniocicero.blogspot.com/. Chama-se Os Estudos Literários e o Cânone. Cicero diz, basicamente, que o cânone não é, como quer Eagleton, uma suspeita seleção feita a partir de interesses particulares, mas, ao contrario, algo que foi construído na luta das idéias e cuja força reside em não parar de ser qüestionado. A reação de certa esquerda ao cânone é semelhante à reação dos sociolingüistas à norma culta. Não que eles sejam a mesma coisa. Apenas, naquilo que têm em comum, suscitam reações parecidas nos meios que sonham com a revolução. Em ambos os casos essas reações me parecem tolas. A criação de um “paideuma”, de um recorte do cânone que nos obriga a revê-lo, é, explícita ou implicitamente, necessária à criação de algo relevante na história de uma arte e mesmo na construção de um estilo individual. Agusto de Campos pode dizer que John Donne e Sá de Miranda estão acima de Shakespeare e Camões. Ezra Pound detestava Gertrud Stein. John Cage queria livrar-se de Beethoven. Bergman detestava Orson Welles e Godard. Marcelo Nova pode desprezar João Gilberto. João ostentou gostar tão pouco de Noel que isso era uma espécie de escândalo silencioso. Mas tudo isso é diferente de querer-se desautorizar todo cânone. Muitas vezes em nome de reinvidicações de raça, gênero, classe e “orientação sexual”. Os panfletos de Bagno sempre me pareceram mais aparentados a essa tendência do que à decisão de contribuir para a vitalização da educação no Brasil. Além disso, me causa repugnância a facilidade com que se quer descartar mesmo a mais remota possibilidade de haver algo aproveitável na particularidade da história brasileira. Bagno vocifera contra a baixa estima que resulta de dizer-se que os brasileiros não falam certo ou que não sabem português. Mas faz coro com Marilena Chaui contra a celebração do descobrimento e não vê senão vergonha no fato de a nossa independência ter sido proclamada pelo príncipe da metrópole.
Claro, ninguém “não sabe” a língua que ouve desde que começou a viver. E nenhuma língua é incapaz de resolver os problemas de comunicação que seus falantes enfrentam. Mas, se esse aspecto da questão é evidente, o mesmo não se pode dizer da confusão que causa afirmar ao mesmo tempo esse grau de independência do fenômeno lingüístico e denunciar como mitológica a língua “ideal” dos gramáticos. De novo, sei que não se trata da mesma instância, mas se temos de definir como projetaremos o ensino da língua no Brasil precisamos ser claros justamente quanto ao que transcende (gostou, Heloisa?) a matéria bruta da fala diária e o corpo dos textos escritos existentes. Se seguimos a Marilena do panfletinho contra a celebração do descobrimento, como podemos clamar pela elevação da autoestima de uma nação tão monstruosamente formada – e apenas através da ligüística? Vê-se que há uma lacuna no pensamento. E vê-se que ela é aterrada com o entulho das variedades mais ingênuas das crenças em vanguardas revolucionárias.
O que, então, é bom em “Preconceito lingüístico”? Em primeiro lugar, aqui Bagno freqüentemente mira os alvos certos. O livro de Josué Machado não precisa ser lido por inteiro: as citações escolhidas por Bagno justificam a crítica que este lhe faz. O verbete do “Dicionário Sacconi da língua portuguesa” é tão grosseiro quanto as explicações dadas por Bagno sobre rotacismo e vocalização do “lh” são claras e bem articuladas. Os erros que este aponta nos livros daqueles merecem ser destacados. E a vulgaridade agressiva do estilo deles deve ser combatida. O projeto de lei de Aldo Rebelo é ridículo. Sou amigo de Pasquale Cipro Neto (e admirador confesso do trabalho que ele faz), mas das palavras depreciativas que ele usou contra os lingüistas apenas “deslumbrados” é de fato adequada.
Além disso, Bagno aqui dá um esboço de programa que já é contribuição efetiva para um plano inteligente de educação de massa no Brasil. Ele não está sendo simplesmente o militante de um comando antigramatical. Na verdade, as propostas concretas que ele apresenta soam muito menos demagógicas do que os “Parâmetros curriculares nacionais”. Esse documento oficial (surgido, não se sabe como, no supostamente horrendo governo Fernando Henrique) parece mais um brado de protesto contra humilhações sofridas por falantes pobres, enquanto o próprio Bagno propõe “acionar nosso senso crítico toda vez que nos depararmos com um comando paragramatical e saber filtrar as informações realmente úteis, deixando de lado (e denunciando, de preferência) as afirmações preconceituosas, autoritárias e intolerantes”. Aí ele está elevando o nível de exigência em relação aos que desejam ensinar a norma a tanta gente que tem sede de ter acesso a uma. E o mesmo texto em que ele diz essas coisas é o exemplo da língua culta padrão, da norma – que não está no texto dos grandes ficcionistas nem dos poetas, muito menos na fala coloquial: é o português que Bagno usa (e as regras de que se vale para criticar o conhecimento de gramática de jornalistas e professores, com maior ou menor razão), o português das argumentações teóricas, do texto oficial, da produção acadêmica, e não o dos poetas e ficcionistas, que está mais perto dessa entidade que não pode ser reduzida à materialidade da língua móvel dos usuários: a língua ideal. O fato de Bagno usar pronomes no caso reto em função de objeto direto é mais do uma exceção que confirma a regra: é a exemplificação de uma proposta de regra nova que ele já põe, a sério, em prática (ele não usaria “menas”, “nós vai”, “três pastel” etc.: haveria o risco do texto ficar menos inteligível – e (o que é crucial) menos respeitável. Nenhum padrão é idêntico à pluralidade de entes reais que ele representa. Por que a língua teria de se resumir às falas concretas dos falantes? Mas é o Bagno que sabe disso que diz que ensinar português é ensinar a ler e escrever - numa norma padrão.
A distinção entre ensinar a língua e ensinar sobre a língua procede. Mas isso não pode ir além de meramente enfatizar o treino do uso em vez da análise do funcionamento. As comparações com a diferença entre dirigir automóvel e entender a mecânica do motor é simplista demais. Ainda bem que ele reconhece que numa certa altura tem-se que aprender algo sobre a mecânica da língua: afinal, de onde sairiam os gramáticos, os lingüistas, os técnicos? Há um continuum entre o aluno e o professor, não há uma linha igual à que separa o motorista amador do mecânico de oficina. Claro que Possenti está certo, no trecho citado por Bagno, quando diz que “saber usar as regras é uma coisa e saber explicitamente quais são as regras é outra”. Mas há grande alegria em ver revelado o processo que se dá dentro da gente quando efetivamos o uso da regra. Essa alegria não é igual à alegria do motorista que descobre o que é que faz o carro andar. Justamente por no caso da língua revelar-se algo que está dentro de nós. Não é tudo (acredito que há pensamento sem palavras) mas é muito, é mesmo quase tudo o que somos.
É essa alegria genuína que levou Pasquale a reverenciar Napoleão quando este morreu, não o pedantismo que fazia dele uma figura cômica. Porque uma coisa é certa: se há uma esfumaçada miragem de norma culta, português correto, reverência à maneira lusitana de falar e escrever – essa miragem é pisoteada alegremente pelos brasileiros de todas as classes – e bem possivelmente pelas classes mais remediadas e urbanas. Os jornalistas riem dos gramáticos e da Academia, toda a gente ri de Portugal. A defesa quixotesca da língua culta é um cachorro morto nas ruas do Brasil. Temo que os sociolingüistas o chutem com demasiado prazer. O ódio aos Pasquales se deve a eles representarem um surpreendente sinal de vida no cadáver desse cão. Suspeito que Luedy adivinha que Bagno e Possenti não gostariam do Psirico porque o que correspondente ao Márcio Victor não é o “menas” mas o Pasquale: os “comandos paragramaticais” é que são brega. Se há um país onde regras de gramática são tradicionalmente (e mesmo saudavelmente) desprezadas é o Brasil. Comparemos o que se passa entre nós e o que se passa na França, na Espanha. Os argentinos têm o “vos” e resquícios de uma conjugação referente a esse pronome. Mas quem for filho de alguém que saiba ao menos ler, saberá todas as regras de uso de pronomes que há no castelhano. A rigidez normativa da língua francesa não tem igual. Já disse que sou contra o projeto de lei de Aldo Rebelo. Mas na França, onde a Academia realmente dita a moda (com a contribuição de ninguém menos que Lévy-Strauss, que foi de quem primeiro ouvi que não há línguas mais capazes que outras, que não há línguas primitivas, que não há hierarquia possível entre línguas), as ações de defesa da língua têm muito mais peso do que aqui. Vivi na Inglaterra: na cidade de Londres, as diferenças de pronúncia, vocabulário, sintaxe e tom entre as classes sociais (e a importância que é institivamente dada a elas por todos os ingleses) é maior do que entre as regiões do Brasil, por mais distantes que sejam umas das outras, por maior que seja a disparidade de poder aquisitivo. Dizia-se em Londres que o inglês da BBC era a melhor tentativa de padrão. O mito da homogeneidade do português brasileiro não é meramente um mito: é também a realidade de uma língua transplantada, língua de colônia, em que grupos diferentes de pessoas tiveram de passar a falar uma língua só.
Os lingüistas deveriam ficar felizes pela oportunidade. Na verdade acho que estão felizes. Não apenas o livro do Bagno está na 50a edição: a própria ciência lingüística encontra terreno tão fértil aqui quanto a psicanálise na Argentina. Bagno prefere repetir Marilena na cantilena da formação que não pode ser festejada, mas a colônia em que o príncipe da metrópole declarou a independência é tão original que, mesmo tendo ficado séculos atrasada em relação às outras colônias ibéricas quanto à instituição de universidades – e que exibe ainda a cicatriz desses descompassos e esquisitices nos resultados dos exames de aprendizado dos seus estudantes – produziu o maior romancista latinoamericano do século 19 (Machado) e o maior romancista latinoamericano no século 20 (Rosa) – pelo menos no dizer de Rodrigues Monegal, o grande teórico hispanoamericano de literatura.
Uma empreitada de familiarização da maioria dos brasileiros com as letras já agradece a contribuição que lingüistas como Bagno e Possenti vêm dando. Eu teria preferido me manter como o espírito de porco que, mesmo sem ser estudioso formal da matéria, toma a defesa dos comandos paragramaticais e escarnece dos esquerdismos triunfantes. Mas a leitura de “Preconceito lingüístico” mudou meu mood. Agora prefiro festejar o sucesso desse grupo tão intolerante quanto generoso. Acompanhar o aproveitamento das contribuições que ele traz. Claro que eles podem, como Tom Zé, recusar minha aprovação. Não faz mal. Seguem podendo ser bons para o que interessa.
Minha adesão aos lingüistas tem preço. É preciso que eles ouçam este leigo com a mesma isenção que ele os ouviu e pensem ao menos nas questões seguintes. 1) O cientificismo é, em muitos meios, considerado um preconceito. 2) As regras são sim filhas do uso real da língua pelos falantes e, tal como os próprios lingüistas detectam agora, sempre vieram de “baixo” para “cima”. 3) O fato de a gramática normativa poder datar de cerca de 2.000 anos atrás não diz nem que gramáticos tenham imposto os caminhos seguidos pelas línguas nem que eles não entrem na história da formação destas. 4) Os resultados de uma bem sucedida ação de letramento da massa brasileira poderão supreender esses seus proponentes: “tendências” poderão mudar porque 5) A escrita influencia a fala.
Continuo gostando do sucesso de Bagno, Pasquale, Maria de Lourdes, Possenti e Psirico.
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segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009
No Digestivo Cultural: Talvez Gerald Thomas
Eu estava comentando lá no Digestivo Cultural (o que raramente faço) quando me deparei como seguinte comentário, responde à pergunta a respeito de qual seria a opinião dos leitores sobre os "polemistas" de hoje em dia:
Talvez Gerald Thomas
Além de mim, polemista radical que vive em crise consigo mesmo, tudo em razão da tendência para discordar das próprias decisões, talvez Gerald Thomas tenha vez. Outro não vejo, pois, no Brasil de hoje, acho que por covardia, prefere-se o politicamente correto. Sim, claro, apenas para inglês ver, que por debaixo dos panos o bicho pega. [Nova Iguaçu - RJ]
por Miguel Accacio 189.106.31.237
12/2/2009 às 09h10
(+) Miguel Accacio no Digestivo...
O questionamento surgiu a propósito do relançamento do livro de entrevistas de Oswald, Os Dentes do Dragão. Júlio Daio Borges resenhou mais ou menos satisfatoriamente o livro. Eu só divirjo de dois pontos:
1) Quando Oswald apoiou Prestes, a escolha parecia lúcida (no contexto). Visto agora -- e depois da avaliação dura e honesta que Oswald fez de Prestes -- vemos o quanto Prestes errava. Depois de 45, por exemplo, deixou de ser candidato a presidente da república, deixando a chance para um tal Yedo Fiúza! Nunca mais teve chance igual.
2) Oswald não polemizou somente com pessoas hoje desconhecidas. Polemizou com Mário de Andrade, José Lins do Rego, Ledo Ivo, Graça Aranha, Guilherme de Almeida, Nelson Rodrigues, dentre outros. As qualificações que eles levaram são hilárias e impagáveis. Mário de Andrade foi chamado de "um Oscar Wilde, por detrás", que estava caminhando "errado com gente atrás". José Lins de "búfalo do nordeste" responsável por um "ciclo da bagaceira". Ledo Ivo foi chamado de "chulé Apolo", Guilherme de Almeida, "Marquesa de Santos", Nelson Rodrigues seria um moralista de fachada, um "convento do Aretino" e que seria duro acompanhar a queda dos "discos-voadores de besteira" que eram suas peças; Graça Aranha seria uma "Aranha sem Graça".
Talvez Gerald Thomas
Além de mim, polemista radical que vive em crise consigo mesmo, tudo em razão da tendência para discordar das próprias decisões, talvez Gerald Thomas tenha vez. Outro não vejo, pois, no Brasil de hoje, acho que por covardia, prefere-se o politicamente correto. Sim, claro, apenas para inglês ver, que por debaixo dos panos o bicho pega. [Nova Iguaçu - RJ]
por Miguel Accacio 189.106.31.237
12/2/2009 às 09h10
(+) Miguel Accacio no Digestivo...
O questionamento surgiu a propósito do relançamento do livro de entrevistas de Oswald, Os Dentes do Dragão. Júlio Daio Borges resenhou mais ou menos satisfatoriamente o livro. Eu só divirjo de dois pontos:
1) Quando Oswald apoiou Prestes, a escolha parecia lúcida (no contexto). Visto agora -- e depois da avaliação dura e honesta que Oswald fez de Prestes -- vemos o quanto Prestes errava. Depois de 45, por exemplo, deixou de ser candidato a presidente da república, deixando a chance para um tal Yedo Fiúza! Nunca mais teve chance igual.
2) Oswald não polemizou somente com pessoas hoje desconhecidas. Polemizou com Mário de Andrade, José Lins do Rego, Ledo Ivo, Graça Aranha, Guilherme de Almeida, Nelson Rodrigues, dentre outros. As qualificações que eles levaram são hilárias e impagáveis. Mário de Andrade foi chamado de "um Oscar Wilde, por detrás", que estava caminhando "errado com gente atrás". José Lins de "búfalo do nordeste" responsável por um "ciclo da bagaceira". Ledo Ivo foi chamado de "chulé Apolo", Guilherme de Almeida, "Marquesa de Santos", Nelson Rodrigues seria um moralista de fachada, um "convento do Aretino" e que seria duro acompanhar a queda dos "discos-voadores de besteira" que eram suas peças; Graça Aranha seria uma "Aranha sem Graça".
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quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009
Saco do Estado de Minas, Propagandas, Nietzsche, Breuer, Sex Chocolate Factory, etc.
Eu gostaria de montar uma peça inspirada na Chocolate Factory, livro infantil tornado sucesso graças a dois filmes. Seria Chocolate Factory para adultos. Seria perfeita para esse nosso tempo de crise: os empregados falariam sobre a possibilidade de serem mandados embora, por exemplo. O público seria seduzido com o queijo Minas e o doce de leite exsudando de falos e vaginas, podendo também interagir e chupar pirulitos e chupetas eróticas, enquanto o subtexto seria essa nossa nova depressão sinistra. Um misto de Abu Ghraib e Beto Carrero World, Guantánamo & Disney.
E uma cena seria especialmente interessante: os participantes brasileiros poderiam marcar seus próprios corpos com chocolate quente, com símbolos a escolher. Um cara vestido de conde Drácula ficaria servindo mapas da Suíça em forma de chocolate. Os brasileiros comeriam ao som de Taí, eu fiz tudo para você gostar de mim, vestidos de corvos ou de ovelhas negras. Tudo seria filmado e televisionado para a Suíça, para que eles possam viver sua purgação, sua encenação, seu novo affaire Dreyfus.
Há muito gostaria de comentar duas propagandas: uma é do Estado de Minas. Um cara vestido de saco comenta: eu até que tinha conteúdo, mas eu era um saco (e ele aparece com saco de papel na cabeça). Depois ele assina Estado de Minas e passa a ter contato com as novidades dos times mineiros e outras mineiridades. Mas ele continua a ser um saco! Estado de Minas, dê no saco! Diplomas não servem para nada: escrevi na Cult, caderno Pensar do Estado de Minas, Revista Discutindo Filosofia, etc. Tudo de graça. Muito obrigado a todos pela oportunidade: obrigado João Paulo, Dayse Bregantini, Mariana Berger, isso não é uma crítica, é só uma reflexão: gostaria de viver, também, de brisa.
A outra propaganda é de cerveja. Nela, o cara fantasia se as mulheres fossem diferentes...e daí elas passam a se comportar como...homens. Ah, se as mulheres fossem homens, é a mensagem que ficou no final da propaganda. É como um texto que fiz a partir do Miramar do Oswald. Num diálogo, o poeta parnasiano Fíleas comenta a respeito da personagem Rolah: "-Ah, se todos os homens e mulheres do mundo possuíssem Rolah!"
Estou lendo Quando Nietzsche Chorou, de Irvin D. Yalom. Ele imagina o encontro entre Joseph Breuer e Friedrich Nietzsche, romanceando o encontro (que na realidade não ocorreu no final do século XIX) entre a filosofia nietzschiana e a psicanálise. Num dado momento, Nietzsche fala para Breuer, invertendo os termos e virando o terapeuta, algo como: vocês judeus reprimem sua raiva, pois para os judeus, reprimir a raiva é questão de sobrevivência. Breuer, por sua vez, nota que o tom de Nietzsche era belicoso e estridente e pergunta para quê gritar, se sua personalidade mesmo era suave e cavalheiresca, em contraste.
E uma cena seria especialmente interessante: os participantes brasileiros poderiam marcar seus próprios corpos com chocolate quente, com símbolos a escolher. Um cara vestido de conde Drácula ficaria servindo mapas da Suíça em forma de chocolate. Os brasileiros comeriam ao som de Taí, eu fiz tudo para você gostar de mim, vestidos de corvos ou de ovelhas negras. Tudo seria filmado e televisionado para a Suíça, para que eles possam viver sua purgação, sua encenação, seu novo affaire Dreyfus.
Há muito gostaria de comentar duas propagandas: uma é do Estado de Minas. Um cara vestido de saco comenta: eu até que tinha conteúdo, mas eu era um saco (e ele aparece com saco de papel na cabeça). Depois ele assina Estado de Minas e passa a ter contato com as novidades dos times mineiros e outras mineiridades. Mas ele continua a ser um saco! Estado de Minas, dê no saco! Diplomas não servem para nada: escrevi na Cult, caderno Pensar do Estado de Minas, Revista Discutindo Filosofia, etc. Tudo de graça. Muito obrigado a todos pela oportunidade: obrigado João Paulo, Dayse Bregantini, Mariana Berger, isso não é uma crítica, é só uma reflexão: gostaria de viver, também, de brisa.
A outra propaganda é de cerveja. Nela, o cara fantasia se as mulheres fossem diferentes...e daí elas passam a se comportar como...homens. Ah, se as mulheres fossem homens, é a mensagem que ficou no final da propaganda. É como um texto que fiz a partir do Miramar do Oswald. Num diálogo, o poeta parnasiano Fíleas comenta a respeito da personagem Rolah: "-Ah, se todos os homens e mulheres do mundo possuíssem Rolah!"
Estou lendo Quando Nietzsche Chorou, de Irvin D. Yalom. Ele imagina o encontro entre Joseph Breuer e Friedrich Nietzsche, romanceando o encontro (que na realidade não ocorreu no final do século XIX) entre a filosofia nietzschiana e a psicanálise. Num dado momento, Nietzsche fala para Breuer, invertendo os termos e virando o terapeuta, algo como: vocês judeus reprimem sua raiva, pois para os judeus, reprimir a raiva é questão de sobrevivência. Breuer, por sua vez, nota que o tom de Nietzsche era belicoso e estridente e pergunta para quê gritar, se sua personalidade mesmo era suave e cavalheiresca, em contraste.
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quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009
Paula e o espírito de manada, O Grande Inquisidor, etc
Eu estou acompanhando, interessado, as novidades do caso Paula. Li uma entrevista inacreditável com o pai de Paula, dopado, em estado de choque, sendo atacado por questionamentos apimentados, crivado de perguntas por um jornalista implacável...
Foi um show. Um advogado chumbado de remédios enfrenta o Grande Inquisidor. A mídia brasileira deu a notícia do ataque dos neonazistas a Paula em tom de denúncia para o governo fazer alguma coisa. O governo fez, mas agora a coisa se voltou contra ela. E tudo são os anônimos que fazem: uma anônima passa um ultrassom falso para a Época, um anônimo dedura numa revista suíça que Paula já confessou a auto-flagelação (!). É preciso tirar Paula de lá. Mas aqui, a imprensa furiosa quer um desmascaramento. Quer retirar a confissão de Paula, ao som dos úteros em fúria do solo da mãe cruel. Paula, em meio a uma queda de braço entre os que apoiam a política exterior do governo e os que não apoiam, entre o "partido do povo suíço" e a dura verdade: o SVP é ligado a neonazistas. Um cartaz contra o asilo político aos imigrantes, numa foto, trazia a seguinte pichação: "Asilo para Blocher no Terceiro Reich". E a sigla SVP fora pichada. Será que eles prenderam a Pivetta?
E cadê os skinheads de Zurique? Neonazistas, zuruck! Eles agora são fantasmas que ficaram invisíveis. Por que me ufano do meu chocolate com cruz gamada? Porque o cacau é da Bahia?
Agora a Paula, por ter aplicado o "golpe da barriga" na imprensa do Brazyl e do mundo, virou uma das górgones. As górgones da mídia: Medusa, Megera, Medéia e a Mocréia da Paula...
Será que o bispo católico-fascista-barroco argentino acredita que morreram somente cem mil judeus mesmo? Ele deve achar que quem diz que foram seis milhões é que são delirantes. O mundo está em delírio, deve pensar ele, precisamos discutir os números da morte. E por que Bento XVI se apressa em perdoar? Será que ele também gosta de pensar que "é puro ecstasy", como canta o Skankamlet, aliás uma forte maconha sueca...Minas deve bem sucedido grupo musical à maconha escandinava e eles nos devem a revolução industrial inglesa, como via Marx no porto de Liverpool em Das Kapital.
O temor dos conservadores tem fundamento: a shoah pode ser posta na conta do capitalismo imperialista. Foi extensamente documentada, filmada. Isso foi essencial. O Gulag soviético não deixou quase nenhum registro imagético. Numa sociedade que exige registros imagéticos, o Gulag e os massacres stalinistas não possuem o mesmo peso. Os soviéticos não queimaram o filme...Tem gente que garante que o holocausto é tudo fake, tudo uma gigantesca "instalação" coletiva judaico-alemã. Será então que o que a Paula fez foi "body-art"?
E Nietzsche pende como uma bisteca no azougue existencial. O Brasil vira um falo-estaca no coraçao do Vampiro da falta lacaniana/calligariana. Nas escolas de samba, conflitos entre travestis e homens fazem nascer um terceiro banheiro. O terceiro sexo? Banheiro transgêneros? Se fossem conflitos entre brancos e negros e se criasse o banheiro dos negros e mestiços, diriam: já começou a segregação. Mário de Andrade dizia: "I´ll never be in color line land..."
Eu gostaria de entrevistar o Alberto Dines dopado e depois de ver umas cem horas de filmes sobre a shoah num quarto branco, para citar as sacanagens que Boninho & Bial estão fazendo com os participantes do Big Bode Brasil Nove.
Foi um show. Um advogado chumbado de remédios enfrenta o Grande Inquisidor. A mídia brasileira deu a notícia do ataque dos neonazistas a Paula em tom de denúncia para o governo fazer alguma coisa. O governo fez, mas agora a coisa se voltou contra ela. E tudo são os anônimos que fazem: uma anônima passa um ultrassom falso para a Época, um anônimo dedura numa revista suíça que Paula já confessou a auto-flagelação (!). É preciso tirar Paula de lá. Mas aqui, a imprensa furiosa quer um desmascaramento. Quer retirar a confissão de Paula, ao som dos úteros em fúria do solo da mãe cruel. Paula, em meio a uma queda de braço entre os que apoiam a política exterior do governo e os que não apoiam, entre o "partido do povo suíço" e a dura verdade: o SVP é ligado a neonazistas. Um cartaz contra o asilo político aos imigrantes, numa foto, trazia a seguinte pichação: "Asilo para Blocher no Terceiro Reich". E a sigla SVP fora pichada. Será que eles prenderam a Pivetta?
E cadê os skinheads de Zurique? Neonazistas, zuruck! Eles agora são fantasmas que ficaram invisíveis. Por que me ufano do meu chocolate com cruz gamada? Porque o cacau é da Bahia?
Agora a Paula, por ter aplicado o "golpe da barriga" na imprensa do Brazyl e do mundo, virou uma das górgones. As górgones da mídia: Medusa, Megera, Medéia e a Mocréia da Paula...
Será que o bispo católico-fascista-barroco argentino acredita que morreram somente cem mil judeus mesmo? Ele deve achar que quem diz que foram seis milhões é que são delirantes. O mundo está em delírio, deve pensar ele, precisamos discutir os números da morte. E por que Bento XVI se apressa em perdoar? Será que ele também gosta de pensar que "é puro ecstasy", como canta o Skankamlet, aliás uma forte maconha sueca...Minas deve bem sucedido grupo musical à maconha escandinava e eles nos devem a revolução industrial inglesa, como via Marx no porto de Liverpool em Das Kapital.
O temor dos conservadores tem fundamento: a shoah pode ser posta na conta do capitalismo imperialista. Foi extensamente documentada, filmada. Isso foi essencial. O Gulag soviético não deixou quase nenhum registro imagético. Numa sociedade que exige registros imagéticos, o Gulag e os massacres stalinistas não possuem o mesmo peso. Os soviéticos não queimaram o filme...Tem gente que garante que o holocausto é tudo fake, tudo uma gigantesca "instalação" coletiva judaico-alemã. Será então que o que a Paula fez foi "body-art"?
E Nietzsche pende como uma bisteca no azougue existencial. O Brasil vira um falo-estaca no coraçao do Vampiro da falta lacaniana/calligariana. Nas escolas de samba, conflitos entre travestis e homens fazem nascer um terceiro banheiro. O terceiro sexo? Banheiro transgêneros? Se fossem conflitos entre brancos e negros e se criasse o banheiro dos negros e mestiços, diriam: já começou a segregação. Mário de Andrade dizia: "I´ll never be in color line land..."
Eu gostaria de entrevistar o Alberto Dines dopado e depois de ver umas cem horas de filmes sobre a shoah num quarto branco, para citar as sacanagens que Boninho & Bial estão fazendo com os participantes do Big Bode Brasil Nove.
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Blackout
Blackout (Magazine, O Tempo, 17/11/99)
Estou compilando alguns textos e encontrei esse recorte de jornal intitulado Blackout (2). Foi uma participação minha na seção blequitude, coluna do poeta e jornalista Ricardo Aleixo.
Ele transcreveu uma carta minha, mandada por e-mail, numa fase em que eu estava particularmente tomado pela influência dos filmes e textos de Glauber Rocha. Ele reproduziu, com muita honestidade, a carta na íntegra, o que me deixou muito feliz:
Meu caro Rick: Pra começo de conversa, que papo é esse de brankolandya? Tomara que você não diga, como o autor de ´From Coal to Cream´, que no Brasil não há democracia racial, pois os EUA é que são um ´melting pot´...um cadinho de raças...Que coisa! Mas se o afro-norte-americano protege os valores nacionais, por que você não faz o mesmo? Por que segue a lógica do mazombismo? Mais respeito com o mestre de Apipucos! Ele realizou o primeiro congresso afro-brasileiro e sua visão incluía a todos. Por falar em exclusão, por que você nunca combateu Paulo Francis, que escrevia aí no jornal? Medo de se indispor com a Casa Grande de Toninho Siúves? Pelo contrário, você se referiu a Paulo Francis como um interlocutor ameno, que confirma o que você diz...Bem que o Glauber dizia que essa coisa de Black Power é o programa do departamento cultural da CIA para o Brasil. Na sua coluna só cabem Caetano, Haroldão, a patota,o ambivalente “Gargalito” e os medalhões de sempre. Cadê os índios e seus festivais na Serra do Cipó, companheiro? Bem que o professor Fábio Lucas falou que essa moda de separar tudo em guetos é só modismo estrangeiro, segmentação de público consumidor...Olha, tá reclamando do Brasil? Tou achando que és agente da ´Blekland Yankee!´.
Logo em seguida, tentei manter contato com o Ricardo, mas ele disse preferir manter distância (entendo suas razões, essa carta foi mesmo agressiva). Em seguida, também, ele citou o professor Fábio Lucas aprovando sua coluna (o Fábio deve ter entrado em contato para dizer que não tinha nada a ver com o ataque e que aprovava o Rick).
Estou compilando alguns textos e encontrei esse recorte de jornal intitulado Blackout (2). Foi uma participação minha na seção blequitude, coluna do poeta e jornalista Ricardo Aleixo.
Ele transcreveu uma carta minha, mandada por e-mail, numa fase em que eu estava particularmente tomado pela influência dos filmes e textos de Glauber Rocha. Ele reproduziu, com muita honestidade, a carta na íntegra, o que me deixou muito feliz:
Meu caro Rick: Pra começo de conversa, que papo é esse de brankolandya? Tomara que você não diga, como o autor de ´From Coal to Cream´, que no Brasil não há democracia racial, pois os EUA é que são um ´melting pot´...um cadinho de raças...Que coisa! Mas se o afro-norte-americano protege os valores nacionais, por que você não faz o mesmo? Por que segue a lógica do mazombismo? Mais respeito com o mestre de Apipucos! Ele realizou o primeiro congresso afro-brasileiro e sua visão incluía a todos. Por falar em exclusão, por que você nunca combateu Paulo Francis, que escrevia aí no jornal? Medo de se indispor com a Casa Grande de Toninho Siúves? Pelo contrário, você se referiu a Paulo Francis como um interlocutor ameno, que confirma o que você diz...Bem que o Glauber dizia que essa coisa de Black Power é o programa do departamento cultural da CIA para o Brasil. Na sua coluna só cabem Caetano, Haroldão, a patota,o ambivalente “Gargalito” e os medalhões de sempre. Cadê os índios e seus festivais na Serra do Cipó, companheiro? Bem que o professor Fábio Lucas falou que essa moda de separar tudo em guetos é só modismo estrangeiro, segmentação de público consumidor...Olha, tá reclamando do Brasil? Tou achando que és agente da ´Blekland Yankee!´.
Logo em seguida, tentei manter contato com o Ricardo, mas ele disse preferir manter distância (entendo suas razões, essa carta foi mesmo agressiva). Em seguida, também, ele citou o professor Fábio Lucas aprovando sua coluna (o Fábio deve ter entrado em contato para dizer que não tinha nada a ver com o ataque e que aprovava o Rick).
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Uma Carta sobre uma Carta
John:
Encontrei a carta da qual te falei há alguns meses atrás. É uma carta de Hemingway para Mary Welsh. A passagem à qual eu me referi foi a seguinte:
Pickle: um sexteto ou octeto de vampiros: Belden, etc. e inclusive Carson, virão para ficar uns vinte minutos e depois irão ao regimento e receberão um relatório dramático e falso que florescerá em suas mãos como uma dessas varas chinesas que se transformam em dragões quando a gente põe água nelas (lembra) mas vivemos aqui -- e eu sou tão temerário que me surpreendo -- e temos que ir ao teatro de marionetes e assustar-nos juntos comodamente. Agora há muito bum-bum. Te amo, meu amor, queridíssimo e amado (...).
Gostaria de saber sua opinião sobre essa carta.
Abraços do Lúcio Jr.
Encontrei a carta da qual te falei há alguns meses atrás. É uma carta de Hemingway para Mary Welsh. A passagem à qual eu me referi foi a seguinte:
Pickle: um sexteto ou octeto de vampiros: Belden, etc. e inclusive Carson, virão para ficar uns vinte minutos e depois irão ao regimento e receberão um relatório dramático e falso que florescerá em suas mãos como uma dessas varas chinesas que se transformam em dragões quando a gente põe água nelas (lembra) mas vivemos aqui -- e eu sou tão temerário que me surpreendo -- e temos que ir ao teatro de marionetes e assustar-nos juntos comodamente. Agora há muito bum-bum. Te amo, meu amor, queridíssimo e amado (...).
Gostaria de saber sua opinião sobre essa carta.
Abraços do Lúcio Jr.
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segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009
Um Conto: Diário de uma macumba no Brasil
Diário
2/07/01
Albert chegará hoje aqui em casa com dois amigos, Jean-Luc e Bernard. Todos vindos de Toulouse, França. Daqui iremos para Bom Despacho, cidade próxima, onde eles, com formação em antropologia, querem ver a festa de Reinado e visitar um Centro Espírita Umbandista, algo que nós conhecemos como terreiro de macumba. Albert veio rever uma moça que namorou na França, uma franco-brasileira chamada Julie.
3/07/01
Saímos de carro. Jean-Luc foi dirigindo com a carteira francesa mesmo, pois é muita burocracia que existe para traduzir a carteira para o português, além de ser caro. Antes, vamos passar em Congonhas e Ouro Preto. Bernard morou muito tempo em Paris e se considera parisiense. Albert e Jean-Luc detestam Paris. “Lá vive uma super-elite. Paris, “faisse la gorge!”, diz Albert, que seria algo como “Paris, todo mundo com cara de bunda”. Albert não suporta, especialmente, o fato dos parisienses chamarem os demais departamentos de “province”. A discussão entre Paris e province se prolonga interminavelmente e eu fico um pouco à parte na discussão. Para encerrá-la, improvisou um verso com uma canção francesa antiga: “Douce France, Il y a beaucoup de conflits entre Paris et la province”. Bernard ri, os outros ficam sérios. Há muito eu não tinha notícias de Julie, que é filha de um barão francês que se mudou para Belo Horizonte. Agora que Albert chegou, soube que Julie namora Albert e um argentino pelo computador, usando uma tecnologia chamada I seek you. A tecnologia se desenvolve e as fofocas se internacionalizam. Estou lendo um livro de contos chamado L´Exile et le Royaume de Albert Camus.
4/07/01
Ouro Preto foi um caos. Julie disse estar ocupada com um trabalho sobre o português de Cabo-Verde e não nos acompanhou até Ouro Preto. Minha namorada, Ludmila, amiga da Julie, ficou enciumada com minha atenção aos franceses e negou-se a viajar para Bom Despacho, cidade onde ela já foi e detesta, pois a faz lembrar da infância proletária na periferia de uma cidade do interior e de um irmão gay (?). Ela curte filósofos franceses pós-modernos, frente aos quais se sente insegura (Derrida, Deleuze, Barthes), jazz e bossa nova. Albert me alerta que Julie e Ludmila tomam banho juntas e me pede para que as impeça. Eu respondo que não quero brigar com Lúdi, pois já ficamos noivos e desfizemos a relação. Albert se espanta. Eu próprio me espanto em ter continuado a namorar alguém sem projeto, mas Lúdi está tratando uma depressão e eu tenho esperanças que ela melhore. Nesse meio tempo, nosso namoro esfriou. Falar nisso, em Ouro Preto passamos frio e Bernard está espirrando muito e tossindo. A variação de temperatura parece que acabou com ele. Fora que a viagem foi complicada por meu francês: eu confundo as direções. “Droit” é direita, “tout droit” é “em frente”, “gauche”, esquerda. Quando Jean-Luc fala rapidamente, só escuto o “droit?” E ele de fato está me perguntando se devemos ir pela direita, respondo que sim, mas muitas vezes ele quer perguntar é se devemos ir em frente. Com isso, erramos o caminho muitas vezes. Eu nem sabia que havia um show gratuito do Skank em Ouro Preto. O resultado é que nem vimos o show, chegamos atrasados à cidade, no momento exato em que muitos carros, saindo ao mesmo tempo da Praça Tiradentes, quase nos sufocaram com sua fumaça. “Cyclon B”, disse Bernard, referindo-se aos gases tóxicos de Auschwitz. Ele é judeu, sua infância foi no Marrocos, é um pied noir: todos os três o são. Num bar da estrada, peguei um pé de boi preto, um souvenir que eles vendem por aqui e apresentei-lhes: “voici un vrai pied noir”. Rimos. Jean-Luc começa um longo papo sobre a revolta da base de Krondstadt e os bolchevistas. Em Ouro Preto, nos sentamos numa cachaçaria chique. Conversamos somente em francês. Uma mesa de brasileiros ao nosso lado começa a nos criticar. Minutos antes, tolerei sem reclamar um papo nojento que eles estavam tendo, aos gritos, sobre alguém que fez sexo anal e terminou com pedaço de couve envolto no pênis. Voltando a atenção para nós, em voz alta, uma brasileira enfezada comenta que na França eles não falam em português com a gente. “Que complexo de inferioridade nacional mais chato!” comenta Albert, que sabe português, em voz alta. Ouro Preto pesadelo: sem uma cerveja sequer nos bares, sem lugar onde dormir, sem comida, tinha recebido mais gente do que o número total de habitantes. Voltamos a BH, pois o lugar que arranjamos para dormir tinha um teto rebaixado kafkiano e os rapazes não quiseram passar noite de processo.
5/07/01/
Chegamos a Bom Despacho em plena festa do Reinado. Os rapazes tiram fotos, entrevistam os capitães dos grupos que dançam (que aqui são chamados cortes), tudo a muito custo, pois não falam português e eu tenho que ficar como intérprete do francês. Bernard gosta de escutar um cantor francês chamado Bernard Lavillers. O cantor foi caminhoneiro no Brasil e depois virou cantor francês de certo sucesso. Ele diz que Nanard realmente foi muito corajoso em ser caminhoneiro aqui e eu concordo, foi muito gosto pela aventura mesmo. Lavillers descobriu e imitou a bossa nova, pois faz chanson française com influências do jazz. Eu falo com Bernard sobre o Manu Chao, o Lavillers da nossa geração, trazido por um francês chamado Paco Pigalle para tocar até em Belo Horizonte & comer bife de fígado & beber cerveja no Mercado Central. Os rapazes já o conhecem da fama na França: Manu Chao, que antes tocava na Manu Negra, toca no rádio direto na França. Albert me pediu para evitar falar tanto sobre filósofos franceses e que a sociedade francesa é piramidal, não tendo eles acesso ao topo da pirâmide: esses conhecidos são muito elevados. Conto a eles o que ouvi falar sobre o filme Week-end, do Godard. Eu não vi, mas gostaria de ter visto esse filme. Eu comento Romance X, um da Caterine Breillat com Rocco, ator pornô. Albert toma a palavra e me disse que o filme foi ruim, cheio de estereótipos, mas Rocco e a atriz transaram mesmo. Eles dizem que Godard é “abscons” (absconso, obscuro) e não viram Week-end, não. Eu provoco: “Maio de 68 foi o caminho francês para a América?” Eles dizem que não, o fato é que os partidos e sindicatos eram uma merda. E que o Partido Comunista Francês, como não podia dominar a rebelião, não a apoiava. Eu me saio até bem lembrando alguns nomes importantes em 68: Geismar aderiu a um governo recente, Débray virou gaullista, uma vergonha, Cohn-Bendit, um palhaço.
6/07/01
Na manhã seguinte, os rapazes me contam como foi a viagem ao Rio, de onde chegaram há pouco. No caminho para o Corcovado, subiam a pé para ver a vista, mas de repente encontraram, na trilha, um casal transando. Voltaram para trás e deram um tempo. Pouco depois, recomeçaram a subida e encontraram o casal lá em cima, no mirante, também admirando a vista. Conversaram amigavelmente. Esse país não é sério, repete a respeito do episódio o Jean-Luc, que é o que tem o estopim mais curto dentre os três. Jean-Luc fica horas no chuveiro tomando banho. Eu o ironizei: “arrête le branlet, Jean-Luc”. É uma frase grosseira que peguei numa conversa deles sobre a polícia de lá, a CRS, que eles falam que é meio facistona. Seria algo como: “vamos parar com a punheta!” Jean-Luc não gostou nada. Só Albert tem namorada aqui no Brasil, os outros falam somente um pouco de espanhol e seus flertes são um desastre. Eu converso por telefone com Lúdi, mas ela me faz pensar em Caroline Says, aquela canção fria de Lou Reed. Nessa noite fomos ao Centro Espírita. A dona do centro umbandista, Tia Tilde, me pareceu simpática e esclareceu que sou filho de Ogum. Ao entrar, repeti interiormente, como um personagem de Dostoiévski: apesar da tradição de séculos, charlatanismo e absurdo. Contei posteriormente isso aos franceses, que me disseram somente: quem decide sobre um país são suas classes dirigentes. Eles são trotsquistas, mais do que antropólogos. Acharam que meu sentimento foi coisa de pequeno-burguês intéllo, gíria que quer dizer algo como intelectualóide. Tia Tilde é gentil, o centro é muito bonito, decorado com bandeirolas coloridas, cheio de imagens de pretos velhos ao lado de cristais e velas multicores. No entanto, ao abrir uma porta, Dona Tilde deixa cair pequenas caveiras de plástico, velas pretas e vermelhas e outros acessórios um tanto quanto macabros. Ela me fala para escrever o nome de meus inimigos num papel para que ela queime uma vela sobre ele, afastando os invejosos. Eu o faço. Mais tarde, à noite, tomando cerveja num bar, fomos abordados por um psicólogo da cidade, longos cabelos brancos, poeta marginal, hippie sem tempo: ele, já chumbado, perguntava aos franceses se o sol poderia fazer alguém matar, “como no romance O Estrangeiro de Camus”. Bernard, ao ouvir minha tradução em francês pourri da conversa psicanalítica-maluca do psicólogo, tem praticamente uma crise de riso diante do psicólogo, que imediatamente o rotula de louco histérico. Bernard então entende, mas continua rindo. Eu desconverso e peço a conta, pois o psicólogo é amigo da família de minha mãe.
8/07/01
Lúdi e Julie chegaram a Bom Despacho e nós nos deslocamos da casa dos meus pais, no centro, para o sítio, para que todos pudessem ficar alojados confortavelmente. O sítio, no entanto, está um caos, graças ao desleixo de meus pais. Julie tem gostos e exigências enormes e fica horrorizada com a piscina cheia de enormes sapos e alguns ratos mortos. Ela canta: “ó minha rana baby...” Elas chegaram até com seus maiôs, coitadas. Numa outra casa, Lúdi resolveu fazer camarão na moranga. Julie uniu-se a ela na cozinha, trouxe vinho, tudo parece encaminhar-se para o melhor. A criada de meus pais negou-se a ajudá-las, pois para ela comer camarão é como comer uma barata. Eu a dispensei. No entanto, um enxame de abelhas invadiu a cozinha em busca da amarela moranga de Lúdi. Pavor e choque. Consolei Lúdi: as abelhas só enxergam bem a cor amarela. Ela explode e me acusa de ser negligente como meus pais. Talvez ela tenha razão, mas não tenho voz ativa junto a meus pais. Para melhorar a situação, a cozinha também conta com um estoque de lagartixas e o banheiro está equipado com pequenas pererecas. As garotas gritam a cada novo encontro com um bicho, apavoradas. A comparação com o sítio de Julie em Tiradentes é inevitável e me deixa morrendo de vergonha. Resolvemos mudar para outra das casas do sítio, mas nela encontramos uma caixa de marimbondos do tamanho de uma bola de discoteca pendendo da sala. Albert, Bernard e Jean-Luc não querem deixar o Brasil antes de passarem num acampamento de sem-terra numa cidade vizinha daqui, Pompéu.
9/07/01
Hoje Albert, Jean-Luc e Bernard saíram de novo a campo para terminarem de recolher o material da pesquisa sobre o Reinado. Estou escrevendo cansado, mas o que mais me aborreceu é que as meninas já voltaram para Belo Horizonte. Durante a noite, elas me acordavam pedindo que retirasse o vaga-lume que estava dentro do quarto. Estavam temendo os bichos e não dormiram. Quando o dia já tinha amanhecido e eu já tinha me levantado umas dez vezes, descobri que o tal vaga-lume era a luz verde do celular da Lúdi. Após isso, Julie foi tomar banho na casa do caseiro, quem sabe esperando que ela estivesse mais limpa e civilizada. Mas não: quando Julie entrou no chuveiro, saíram formigas do ralo, numerosas com num filme de cinema catástrofe. Lúdi queria tomar banho com a amiga, mas vetei. Lúdi parece estar numa crise de identidade sexual e me transtorna profundamente. Julie e Albert também não estão bem.
11/07/01
De volta a Belo Horizonte. Julie me liga para dizer que terminou com Albert e que ele bateu nela. Eu tento tranqüilizá-la. Vou falar com Albert, que esteve em casa dela nos últimos dois dias. Ele diz que foi um jogo sexual entre ambos e que Julie é obcecada com o estupro. Ambos fingiam um estupro quando a mãe de Julie os pegou aos berros. A solução de Julie diante da mãe ultra-feminista foi atacar Albert. Isso me parece verdade. Para amenizar o papo barro pesada, digo a Albert que Jorge Amado escreveu, em seu primeiro romance, que alguém só se sente brasileiro quando bate na mulher e dança o carnaval. E que Albert, já tinha feito o mais difícil. Albert fica angustiado e diz: “então você acredita nela”? Eu digo a ele que perco o amigo, mas não perco a piada.
13/07/01
Julie combinou uma saída comigo e com Lúdi, mas logo que nos encontramos elas anunciam a ruptura de Julie com Albert, agora excomungado. E Julie me apresenta Joaquín, argentino belo, alto e com longos cabelos grandes. Albert dançou, mas eu me recusei a apoiar a troca de Julie, afinal Albert é meu amigo.
16/07/01
Minha relação com Ludmila desmoronou após uma noite em que ela dormiu assistindo Os Fuzis, filme de Rui Guerra, após termos tentado fazer sexo enquanto o personagem do cego no filme dava gritos roufenhos, horríveis, broxantes. Recebi uma ligação com uma proposta de trabalho: querem que eu trabalhe como professor numa universidade que está começando em Bom Despacho. Eu topo porque o diretor lá será o psicólogo que conversou conosco na noite anterior. Eu e ele conversamos longamente sobre Oswald de Andrade, autor do qual ele já leu Serafim Ponte Grande e Memórias Sentimentais de João Miramar.
18/07/01
Rompidos com Lúdi e Julie, fazemos uma grande festa em meu sítio em Bom Despacho. Dentro de dois dias, meus pais irão chegar de viagem. Fomos a um bar combinar a ida ao acampamento dos sem-terra. Na verdade, nesse lugar, em Pompéu, eles já foram assentados. Existe risco quando ainda é acampamento, pois por vezes, os fazendeiros chegam atirando e com muitos capangas, indiferentes à presença de velhos, mulheres e crianças. Eles só invadem fazendas grandes e improdutivas, como era essa fazenda de Pompéu que visitamos. Eu só não gosto muito do discurso moralista católico contra a bebida que um dos sem-terra nos fez e do ritual de mística que eles fazem, dizendo palavras de ordem e erguendo os punhos em gestos comunistas. Achei teatral demais. O moralismo caiu como uma luva para nós, que viramos a noite bebendo e chegamos ao acampamento de manhã. Jean-Luc adorou e os achou verdadeiros “gauchistes”.
20/07/01
De volta a Belo Horizonte, fomos tomar cerveja em um bar, mas quando chegou a hora de pagar, ninguém tinha trazido dinheiro. Acontece que todos estavam fazendo gentileza uns para os outros nos dias anteriores. Eu ia me levantar para conversar com o dono do bar e perguntar se ele aceitava meu cartão. Nesse momento, um carro desceu a rua numa grande velocidade. Atrás, o carro da polícia desceu atirando. Todos no bar se levantaram e nós deixamos nossa mesa sem pagar: os moradores da favela, furiosos com os consumidores de cocaína que segundo eles se reuniam naquele bar, desceram revoltados, mas só chegam a dizer algumas palavras agressivas a Albert, que conseguiu acalmá-los falando que é gringo, mas é ateu marxista, estudante de antropologia, coisa e tal.
25/07/01
Fizemos uma grande festa de despedida para os franceses aqui em minha casa em Belo Horizonte. Eles viajam amanhã de avião. Em setembro irei começar a lecionar numa pequena faculdade em Bom Despacho. Reuni meus amigos de Belo Horizonte, bebemos muito e até tarde. Eu combinei de visitar a França em breve e ficar em casa deles.
11/09/01
Vi o desastroso atentado terrorista nas Torres Gêmeas. O horizonte de New York, esfumaçado, ferido, parecia anunciar o dia do juízo final. Ao ver aquilo, foi como se muitos anos se passassem. E eu nunca fui à França.
Ouro Preto
© Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior 2008
2/07/01
Albert chegará hoje aqui em casa com dois amigos, Jean-Luc e Bernard. Todos vindos de Toulouse, França. Daqui iremos para Bom Despacho, cidade próxima, onde eles, com formação em antropologia, querem ver a festa de Reinado e visitar um Centro Espírita Umbandista, algo que nós conhecemos como terreiro de macumba. Albert veio rever uma moça que namorou na França, uma franco-brasileira chamada Julie.
3/07/01
Saímos de carro. Jean-Luc foi dirigindo com a carteira francesa mesmo, pois é muita burocracia que existe para traduzir a carteira para o português, além de ser caro. Antes, vamos passar em Congonhas e Ouro Preto. Bernard morou muito tempo em Paris e se considera parisiense. Albert e Jean-Luc detestam Paris. “Lá vive uma super-elite. Paris, “faisse la gorge!”, diz Albert, que seria algo como “Paris, todo mundo com cara de bunda”. Albert não suporta, especialmente, o fato dos parisienses chamarem os demais departamentos de “province”. A discussão entre Paris e province se prolonga interminavelmente e eu fico um pouco à parte na discussão. Para encerrá-la, improvisou um verso com uma canção francesa antiga: “Douce France, Il y a beaucoup de conflits entre Paris et la province”. Bernard ri, os outros ficam sérios. Há muito eu não tinha notícias de Julie, que é filha de um barão francês que se mudou para Belo Horizonte. Agora que Albert chegou, soube que Julie namora Albert e um argentino pelo computador, usando uma tecnologia chamada I seek you. A tecnologia se desenvolve e as fofocas se internacionalizam. Estou lendo um livro de contos chamado L´Exile et le Royaume de Albert Camus.
4/07/01
Ouro Preto foi um caos. Julie disse estar ocupada com um trabalho sobre o português de Cabo-Verde e não nos acompanhou até Ouro Preto. Minha namorada, Ludmila, amiga da Julie, ficou enciumada com minha atenção aos franceses e negou-se a viajar para Bom Despacho, cidade onde ela já foi e detesta, pois a faz lembrar da infância proletária na periferia de uma cidade do interior e de um irmão gay (?). Ela curte filósofos franceses pós-modernos, frente aos quais se sente insegura (Derrida, Deleuze, Barthes), jazz e bossa nova. Albert me alerta que Julie e Ludmila tomam banho juntas e me pede para que as impeça. Eu respondo que não quero brigar com Lúdi, pois já ficamos noivos e desfizemos a relação. Albert se espanta. Eu próprio me espanto em ter continuado a namorar alguém sem projeto, mas Lúdi está tratando uma depressão e eu tenho esperanças que ela melhore. Nesse meio tempo, nosso namoro esfriou. Falar nisso, em Ouro Preto passamos frio e Bernard está espirrando muito e tossindo. A variação de temperatura parece que acabou com ele. Fora que a viagem foi complicada por meu francês: eu confundo as direções. “Droit” é direita, “tout droit” é “em frente”, “gauche”, esquerda. Quando Jean-Luc fala rapidamente, só escuto o “droit?” E ele de fato está me perguntando se devemos ir pela direita, respondo que sim, mas muitas vezes ele quer perguntar é se devemos ir em frente. Com isso, erramos o caminho muitas vezes. Eu nem sabia que havia um show gratuito do Skank em Ouro Preto. O resultado é que nem vimos o show, chegamos atrasados à cidade, no momento exato em que muitos carros, saindo ao mesmo tempo da Praça Tiradentes, quase nos sufocaram com sua fumaça. “Cyclon B”, disse Bernard, referindo-se aos gases tóxicos de Auschwitz. Ele é judeu, sua infância foi no Marrocos, é um pied noir: todos os três o são. Num bar da estrada, peguei um pé de boi preto, um souvenir que eles vendem por aqui e apresentei-lhes: “voici un vrai pied noir”. Rimos. Jean-Luc começa um longo papo sobre a revolta da base de Krondstadt e os bolchevistas. Em Ouro Preto, nos sentamos numa cachaçaria chique. Conversamos somente em francês. Uma mesa de brasileiros ao nosso lado começa a nos criticar. Minutos antes, tolerei sem reclamar um papo nojento que eles estavam tendo, aos gritos, sobre alguém que fez sexo anal e terminou com pedaço de couve envolto no pênis. Voltando a atenção para nós, em voz alta, uma brasileira enfezada comenta que na França eles não falam em português com a gente. “Que complexo de inferioridade nacional mais chato!” comenta Albert, que sabe português, em voz alta. Ouro Preto pesadelo: sem uma cerveja sequer nos bares, sem lugar onde dormir, sem comida, tinha recebido mais gente do que o número total de habitantes. Voltamos a BH, pois o lugar que arranjamos para dormir tinha um teto rebaixado kafkiano e os rapazes não quiseram passar noite de processo.
5/07/01/
Chegamos a Bom Despacho em plena festa do Reinado. Os rapazes tiram fotos, entrevistam os capitães dos grupos que dançam (que aqui são chamados cortes), tudo a muito custo, pois não falam português e eu tenho que ficar como intérprete do francês. Bernard gosta de escutar um cantor francês chamado Bernard Lavillers. O cantor foi caminhoneiro no Brasil e depois virou cantor francês de certo sucesso. Ele diz que Nanard realmente foi muito corajoso em ser caminhoneiro aqui e eu concordo, foi muito gosto pela aventura mesmo. Lavillers descobriu e imitou a bossa nova, pois faz chanson française com influências do jazz. Eu falo com Bernard sobre o Manu Chao, o Lavillers da nossa geração, trazido por um francês chamado Paco Pigalle para tocar até em Belo Horizonte & comer bife de fígado & beber cerveja no Mercado Central. Os rapazes já o conhecem da fama na França: Manu Chao, que antes tocava na Manu Negra, toca no rádio direto na França. Albert me pediu para evitar falar tanto sobre filósofos franceses e que a sociedade francesa é piramidal, não tendo eles acesso ao topo da pirâmide: esses conhecidos são muito elevados. Conto a eles o que ouvi falar sobre o filme Week-end, do Godard. Eu não vi, mas gostaria de ter visto esse filme. Eu comento Romance X, um da Caterine Breillat com Rocco, ator pornô. Albert toma a palavra e me disse que o filme foi ruim, cheio de estereótipos, mas Rocco e a atriz transaram mesmo. Eles dizem que Godard é “abscons” (absconso, obscuro) e não viram Week-end, não. Eu provoco: “Maio de 68 foi o caminho francês para a América?” Eles dizem que não, o fato é que os partidos e sindicatos eram uma merda. E que o Partido Comunista Francês, como não podia dominar a rebelião, não a apoiava. Eu me saio até bem lembrando alguns nomes importantes em 68: Geismar aderiu a um governo recente, Débray virou gaullista, uma vergonha, Cohn-Bendit, um palhaço.
6/07/01
Na manhã seguinte, os rapazes me contam como foi a viagem ao Rio, de onde chegaram há pouco. No caminho para o Corcovado, subiam a pé para ver a vista, mas de repente encontraram, na trilha, um casal transando. Voltaram para trás e deram um tempo. Pouco depois, recomeçaram a subida e encontraram o casal lá em cima, no mirante, também admirando a vista. Conversaram amigavelmente. Esse país não é sério, repete a respeito do episódio o Jean-Luc, que é o que tem o estopim mais curto dentre os três. Jean-Luc fica horas no chuveiro tomando banho. Eu o ironizei: “arrête le branlet, Jean-Luc”. É uma frase grosseira que peguei numa conversa deles sobre a polícia de lá, a CRS, que eles falam que é meio facistona. Seria algo como: “vamos parar com a punheta!” Jean-Luc não gostou nada. Só Albert tem namorada aqui no Brasil, os outros falam somente um pouco de espanhol e seus flertes são um desastre. Eu converso por telefone com Lúdi, mas ela me faz pensar em Caroline Says, aquela canção fria de Lou Reed. Nessa noite fomos ao Centro Espírita. A dona do centro umbandista, Tia Tilde, me pareceu simpática e esclareceu que sou filho de Ogum. Ao entrar, repeti interiormente, como um personagem de Dostoiévski: apesar da tradição de séculos, charlatanismo e absurdo. Contei posteriormente isso aos franceses, que me disseram somente: quem decide sobre um país são suas classes dirigentes. Eles são trotsquistas, mais do que antropólogos. Acharam que meu sentimento foi coisa de pequeno-burguês intéllo, gíria que quer dizer algo como intelectualóide. Tia Tilde é gentil, o centro é muito bonito, decorado com bandeirolas coloridas, cheio de imagens de pretos velhos ao lado de cristais e velas multicores. No entanto, ao abrir uma porta, Dona Tilde deixa cair pequenas caveiras de plástico, velas pretas e vermelhas e outros acessórios um tanto quanto macabros. Ela me fala para escrever o nome de meus inimigos num papel para que ela queime uma vela sobre ele, afastando os invejosos. Eu o faço. Mais tarde, à noite, tomando cerveja num bar, fomos abordados por um psicólogo da cidade, longos cabelos brancos, poeta marginal, hippie sem tempo: ele, já chumbado, perguntava aos franceses se o sol poderia fazer alguém matar, “como no romance O Estrangeiro de Camus”. Bernard, ao ouvir minha tradução em francês pourri da conversa psicanalítica-maluca do psicólogo, tem praticamente uma crise de riso diante do psicólogo, que imediatamente o rotula de louco histérico. Bernard então entende, mas continua rindo. Eu desconverso e peço a conta, pois o psicólogo é amigo da família de minha mãe.
8/07/01
Lúdi e Julie chegaram a Bom Despacho e nós nos deslocamos da casa dos meus pais, no centro, para o sítio, para que todos pudessem ficar alojados confortavelmente. O sítio, no entanto, está um caos, graças ao desleixo de meus pais. Julie tem gostos e exigências enormes e fica horrorizada com a piscina cheia de enormes sapos e alguns ratos mortos. Ela canta: “ó minha rana baby...” Elas chegaram até com seus maiôs, coitadas. Numa outra casa, Lúdi resolveu fazer camarão na moranga. Julie uniu-se a ela na cozinha, trouxe vinho, tudo parece encaminhar-se para o melhor. A criada de meus pais negou-se a ajudá-las, pois para ela comer camarão é como comer uma barata. Eu a dispensei. No entanto, um enxame de abelhas invadiu a cozinha em busca da amarela moranga de Lúdi. Pavor e choque. Consolei Lúdi: as abelhas só enxergam bem a cor amarela. Ela explode e me acusa de ser negligente como meus pais. Talvez ela tenha razão, mas não tenho voz ativa junto a meus pais. Para melhorar a situação, a cozinha também conta com um estoque de lagartixas e o banheiro está equipado com pequenas pererecas. As garotas gritam a cada novo encontro com um bicho, apavoradas. A comparação com o sítio de Julie em Tiradentes é inevitável e me deixa morrendo de vergonha. Resolvemos mudar para outra das casas do sítio, mas nela encontramos uma caixa de marimbondos do tamanho de uma bola de discoteca pendendo da sala. Albert, Bernard e Jean-Luc não querem deixar o Brasil antes de passarem num acampamento de sem-terra numa cidade vizinha daqui, Pompéu.
9/07/01
Hoje Albert, Jean-Luc e Bernard saíram de novo a campo para terminarem de recolher o material da pesquisa sobre o Reinado. Estou escrevendo cansado, mas o que mais me aborreceu é que as meninas já voltaram para Belo Horizonte. Durante a noite, elas me acordavam pedindo que retirasse o vaga-lume que estava dentro do quarto. Estavam temendo os bichos e não dormiram. Quando o dia já tinha amanhecido e eu já tinha me levantado umas dez vezes, descobri que o tal vaga-lume era a luz verde do celular da Lúdi. Após isso, Julie foi tomar banho na casa do caseiro, quem sabe esperando que ela estivesse mais limpa e civilizada. Mas não: quando Julie entrou no chuveiro, saíram formigas do ralo, numerosas com num filme de cinema catástrofe. Lúdi queria tomar banho com a amiga, mas vetei. Lúdi parece estar numa crise de identidade sexual e me transtorna profundamente. Julie e Albert também não estão bem.
11/07/01
De volta a Belo Horizonte. Julie me liga para dizer que terminou com Albert e que ele bateu nela. Eu tento tranqüilizá-la. Vou falar com Albert, que esteve em casa dela nos últimos dois dias. Ele diz que foi um jogo sexual entre ambos e que Julie é obcecada com o estupro. Ambos fingiam um estupro quando a mãe de Julie os pegou aos berros. A solução de Julie diante da mãe ultra-feminista foi atacar Albert. Isso me parece verdade. Para amenizar o papo barro pesada, digo a Albert que Jorge Amado escreveu, em seu primeiro romance, que alguém só se sente brasileiro quando bate na mulher e dança o carnaval. E que Albert, já tinha feito o mais difícil. Albert fica angustiado e diz: “então você acredita nela”? Eu digo a ele que perco o amigo, mas não perco a piada.
13/07/01
Julie combinou uma saída comigo e com Lúdi, mas logo que nos encontramos elas anunciam a ruptura de Julie com Albert, agora excomungado. E Julie me apresenta Joaquín, argentino belo, alto e com longos cabelos grandes. Albert dançou, mas eu me recusei a apoiar a troca de Julie, afinal Albert é meu amigo.
16/07/01
Minha relação com Ludmila desmoronou após uma noite em que ela dormiu assistindo Os Fuzis, filme de Rui Guerra, após termos tentado fazer sexo enquanto o personagem do cego no filme dava gritos roufenhos, horríveis, broxantes. Recebi uma ligação com uma proposta de trabalho: querem que eu trabalhe como professor numa universidade que está começando em Bom Despacho. Eu topo porque o diretor lá será o psicólogo que conversou conosco na noite anterior. Eu e ele conversamos longamente sobre Oswald de Andrade, autor do qual ele já leu Serafim Ponte Grande e Memórias Sentimentais de João Miramar.
18/07/01
Rompidos com Lúdi e Julie, fazemos uma grande festa em meu sítio em Bom Despacho. Dentro de dois dias, meus pais irão chegar de viagem. Fomos a um bar combinar a ida ao acampamento dos sem-terra. Na verdade, nesse lugar, em Pompéu, eles já foram assentados. Existe risco quando ainda é acampamento, pois por vezes, os fazendeiros chegam atirando e com muitos capangas, indiferentes à presença de velhos, mulheres e crianças. Eles só invadem fazendas grandes e improdutivas, como era essa fazenda de Pompéu que visitamos. Eu só não gosto muito do discurso moralista católico contra a bebida que um dos sem-terra nos fez e do ritual de mística que eles fazem, dizendo palavras de ordem e erguendo os punhos em gestos comunistas. Achei teatral demais. O moralismo caiu como uma luva para nós, que viramos a noite bebendo e chegamos ao acampamento de manhã. Jean-Luc adorou e os achou verdadeiros “gauchistes”.
20/07/01
De volta a Belo Horizonte, fomos tomar cerveja em um bar, mas quando chegou a hora de pagar, ninguém tinha trazido dinheiro. Acontece que todos estavam fazendo gentileza uns para os outros nos dias anteriores. Eu ia me levantar para conversar com o dono do bar e perguntar se ele aceitava meu cartão. Nesse momento, um carro desceu a rua numa grande velocidade. Atrás, o carro da polícia desceu atirando. Todos no bar se levantaram e nós deixamos nossa mesa sem pagar: os moradores da favela, furiosos com os consumidores de cocaína que segundo eles se reuniam naquele bar, desceram revoltados, mas só chegam a dizer algumas palavras agressivas a Albert, que conseguiu acalmá-los falando que é gringo, mas é ateu marxista, estudante de antropologia, coisa e tal.
25/07/01
Fizemos uma grande festa de despedida para os franceses aqui em minha casa em Belo Horizonte. Eles viajam amanhã de avião. Em setembro irei começar a lecionar numa pequena faculdade em Bom Despacho. Reuni meus amigos de Belo Horizonte, bebemos muito e até tarde. Eu combinei de visitar a França em breve e ficar em casa deles.
11/09/01
Vi o desastroso atentado terrorista nas Torres Gêmeas. O horizonte de New York, esfumaçado, ferido, parecia anunciar o dia do juízo final. Ao ver aquilo, foi como se muitos anos se passassem. E eu nunca fui à França.
Ouro Preto
© Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior 2008
Colóquios sobre a morte da arte e arte da morte
O escritor Dênis Reis, cujo livro de contos O Vendedor de Batatas é objeto de uma resenha que estou fazendo, escreveu em um conto sobre os colóquios da morte da arte e perguntou sobre os da arte da morte. Morrer pode ser uma arte e o assassinato, uma das belas-artes? Não sei.
Minha professora de origem genebrina, Jeanne Marie Gagnebin de Bons, lá da UNICAMP, disse a alguém, que perguntava muito sobre a Suíça, após a aula: "eles são devagar demais..." Não sei a que se referia, mas talvez ao fato da Suíça ter sido um dos últimos países a conceder o voto às mulheres (teve cantão que foi só em 1972. No Brasil, para que seja feita uma comparação, foi em 1934!)
O fato é que, quem ama, mata. Quem está tomado de paixão, das fúrias e das erínias é realmente capaz de matar. Ele (Denis) tem provocações ótimas. Reis cita James Joyce em Finícius Revém (Finnegans Wake), numa citação bem escolhida e hilária:
Sua visão pode ser reta e romana
Mas sua bunda é que é uma dis-grécia
Já a morte da arte...Nunca vi um colóquio sobre a morte da filosofia, mas os artistas precisam urgentemente fazer, para o Rodrigo Duarte e seus seguidores na UFMG, adornianos, debaterem, o que seria sumamente interessante --mesmo se não houvesse tradução simultânea em alemão. Hegel deseja uma filosofia que pense a totalidade, mas, segundo li em Iser, não acredita que a arte seja capaz de apreender a totalidade. Já a teoria serviu perfeitamente para Adorno: a crítica dele substituiria a arte, arte essa já morta: por mais que a arte buscasse estratégias para fugir, cairia sempre no abismo da indústria cultural.
Eu, por mim, quero mais é ver Moses and Aron do Gerald Thomas (vimeo Patrick Grant no blog dele) e debater Kandinsky, Koons, Pollock, Hirst, Habacuc Vargas e outros grandes artistas. Em BH tem uma exposição refazendo a primeira exposição modernista na cidade em 1943, quando estávamos enfim nos emancipando e inventando a Pampulha & Brasília com JK. Oswald narrou essa exposição em crônicas. Disse que os paulistas chegavam a BH depois de dois dias de trem, davam palestra e voltavam para a Paulicéia no dia seguinte, para desvairarem. Não podiam perder tempo! Ele concluiu que os paulistas querem mesmo trabalhar duro, respirar poluição, gripar. Reclamam, reclamam, mas não largam a cidade.
Quem sabe um dia o Aécio Neves, nesse ímpeto modernizador, traz também a Cosmococa do Hélio Oiticica e os Travestis de Stoppard da Ópera Seca? Pelo menos gosto para atores o Aécio tem: já colocou o Nanini para fazer propaganda do governo dele. Aécio seria uma boa para quebrar a hegemonia paulista na política e que traduz a hegemonia econômica. Precisamos quebrar o determinismo da estrutura sobre a superestrutura no Brasil.
Se o marxismo levou Gullar a escrever o "extremamente populista" Violão de Rua, que agora ele renega como bobagem, a vanguarda tem culpa disso? O fato é que esse conceito de populismo está mal empregado e Gullar anda jogando para a assistência. Não deveria ridicularizar as próprias obras, deveria deixar isso para a crítica, para nós, para mim...E outra: na época em que ele escreveu Violão de Rua, em 1963, Paulo Francis era cronista do jornal varguista Última Hora e os irmãos Campos faziam poemas rimando Coca-cola e cloaca, em ritmo de salto participante. Só para contextualizar, ele não estava numa de ultra-populismo e sim estava acompanhando a vanguarda de seu tempo, até mesmo de seu grupo neoconcreto.
No fim das contas, acho que os filósofos querem provocar os artistas e essa é a finalidade principal dessa teoria (da morte da arte).
Minha professora de origem genebrina, Jeanne Marie Gagnebin de Bons, lá da UNICAMP, disse a alguém, que perguntava muito sobre a Suíça, após a aula: "eles são devagar demais..." Não sei a que se referia, mas talvez ao fato da Suíça ter sido um dos últimos países a conceder o voto às mulheres (teve cantão que foi só em 1972. No Brasil, para que seja feita uma comparação, foi em 1934!)
O fato é que, quem ama, mata. Quem está tomado de paixão, das fúrias e das erínias é realmente capaz de matar. Ele (Denis) tem provocações ótimas. Reis cita James Joyce em Finícius Revém (Finnegans Wake), numa citação bem escolhida e hilária:
Sua visão pode ser reta e romana
Mas sua bunda é que é uma dis-grécia
Já a morte da arte...Nunca vi um colóquio sobre a morte da filosofia, mas os artistas precisam urgentemente fazer, para o Rodrigo Duarte e seus seguidores na UFMG, adornianos, debaterem, o que seria sumamente interessante --mesmo se não houvesse tradução simultânea em alemão. Hegel deseja uma filosofia que pense a totalidade, mas, segundo li em Iser, não acredita que a arte seja capaz de apreender a totalidade. Já a teoria serviu perfeitamente para Adorno: a crítica dele substituiria a arte, arte essa já morta: por mais que a arte buscasse estratégias para fugir, cairia sempre no abismo da indústria cultural.
Eu, por mim, quero mais é ver Moses and Aron do Gerald Thomas (vimeo Patrick Grant no blog dele) e debater Kandinsky, Koons, Pollock, Hirst, Habacuc Vargas e outros grandes artistas. Em BH tem uma exposição refazendo a primeira exposição modernista na cidade em 1943, quando estávamos enfim nos emancipando e inventando a Pampulha & Brasília com JK. Oswald narrou essa exposição em crônicas. Disse que os paulistas chegavam a BH depois de dois dias de trem, davam palestra e voltavam para a Paulicéia no dia seguinte, para desvairarem. Não podiam perder tempo! Ele concluiu que os paulistas querem mesmo trabalhar duro, respirar poluição, gripar. Reclamam, reclamam, mas não largam a cidade.
Quem sabe um dia o Aécio Neves, nesse ímpeto modernizador, traz também a Cosmococa do Hélio Oiticica e os Travestis de Stoppard da Ópera Seca? Pelo menos gosto para atores o Aécio tem: já colocou o Nanini para fazer propaganda do governo dele. Aécio seria uma boa para quebrar a hegemonia paulista na política e que traduz a hegemonia econômica. Precisamos quebrar o determinismo da estrutura sobre a superestrutura no Brasil.
Se o marxismo levou Gullar a escrever o "extremamente populista" Violão de Rua, que agora ele renega como bobagem, a vanguarda tem culpa disso? O fato é que esse conceito de populismo está mal empregado e Gullar anda jogando para a assistência. Não deveria ridicularizar as próprias obras, deveria deixar isso para a crítica, para nós, para mim...E outra: na época em que ele escreveu Violão de Rua, em 1963, Paulo Francis era cronista do jornal varguista Última Hora e os irmãos Campos faziam poemas rimando Coca-cola e cloaca, em ritmo de salto participante. Só para contextualizar, ele não estava numa de ultra-populismo e sim estava acompanhando a vanguarda de seu tempo, até mesmo de seu grupo neoconcreto.
No fim das contas, acho que os filósofos querem provocar os artistas e essa é a finalidade principal dessa teoria (da morte da arte).
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domingo, 15 de fevereiro de 2009
Delírios, Ecstasy, Schweitzer, Volks Partei, etc.
Acabo de ver um "reader´s guide" de Shakespeare. Em determinado momento eu ri muito, pois a mãe de Hamlet diz a ele, logo da segunda vez que ele vê o fantasma do pai, na cena do gabinete:
Mãe de Hamlet: está tudo no seu cérebro, é tudo causado pelo ecstasy.
Hamlet: ECSTASY?
(Corta).
A imprensa suíça passou a atacar com rudeza o Brasil, como mais um tentáculo do poder a tentar sustentar seu governo de coalização xenófobo. Agora começaram com todo o tipo de difamação, deitando e rolando a partir dos laudos (sabiam que vendem-se laudos? Badan Palhares é um estado de espírito!) que "desmentem" a versão de Paula, atacada por neonazistas na Suíça. E a imprensa aqui embarca. Eliane Cantanhêde, leia Foucault: saber é poder. Os sábios da Suíça estão ligados ao poder. Assim como Reinaldo Azevedo aqui está ligado a que tem poder econômico. Quer queimar Celso Amorim e Lula de qualquer jeito, a qualquer custo, mesmo apelando. Aí não dá. Mas eu ri também agora, com os insultos suíços à nossa imprensa, ele foi atingido e precisou rebolar para não dizer a dura verdade: a Suíça é marketeira, vende uma imagem de tolerância enquanto aceita propagandas racistas do SVP como aquela da ovelhinha negra sendo expulsa. Reinaldo precisou de rebolado para poder sair dessa. Mas afinal é carnaval, RA, a gente que vê faz quá quá quá!
Por isso, o diploma dos peritos suíços precisa cair das paredes. A polícia suíça está se comportando como a polícia de uma delegacia do interior do Brasil. Já vi isso acontecer com gente conhecida: a mulher vai denunciar violência e é levada, pelo ambiente machista, a desistir, a culpar a si própria, a imaginar que foi tudo "delírios de uma anormal"...Para isso surgiu a Lei Maria da Penha. Eu conheço esse fake do poder. Os imigrantes estão só no lugar dos judeus de ontem: engendram-se as mais variadas desculpas, porque economicamente é mais interessante culpar os imigrantes e as minorias do que os ricos e poderosos, é mais cômodo do que questionar Davos e a ausência dos especuladores de Wall Street lá.
Obama deveria acabar com as guerras, mas sabe que o poder não quer. Os pacotes de Obama serão, no fim das contas, para que o grande capital não corra risco. E qual a política de Obama para os negros? Até hoje não entendi. Quando eles perguntaram com faixas, Obama deu de ombros: podem apoiar outro candidato. Foi como dizer: "fodam-se. Me apoiem ou nada."
Precisamos pedir a revisão desses exames da Suíça aqui no Brasil. Nas fotos, ela estava visivelmente grávida, exibindo uma barriga que começava a crescer, além dos terríveis cortes.
Dei um voto de confiança a outro suíço, o Jorge Schweitzer e fui lá ver um vídeo dele no Museu Villa-lobos e no Tempo Glauber, além do Catete. Qual nada! Só porque o Tempo Glauber não quis que ele filmasse o local, ele desmereceu o lugar. Ele é uma criança, meu Deus...E ainda falou: "O Gerald vai ficar chateado..." Ele descobriu Glauber através do Gerald agora em 2008, tadinho!
Mãe de Hamlet: está tudo no seu cérebro, é tudo causado pelo ecstasy.
Hamlet: ECSTASY?
(Corta).
A imprensa suíça passou a atacar com rudeza o Brasil, como mais um tentáculo do poder a tentar sustentar seu governo de coalização xenófobo. Agora começaram com todo o tipo de difamação, deitando e rolando a partir dos laudos (sabiam que vendem-se laudos? Badan Palhares é um estado de espírito!) que "desmentem" a versão de Paula, atacada por neonazistas na Suíça. E a imprensa aqui embarca. Eliane Cantanhêde, leia Foucault: saber é poder. Os sábios da Suíça estão ligados ao poder. Assim como Reinaldo Azevedo aqui está ligado a que tem poder econômico. Quer queimar Celso Amorim e Lula de qualquer jeito, a qualquer custo, mesmo apelando. Aí não dá. Mas eu ri também agora, com os insultos suíços à nossa imprensa, ele foi atingido e precisou rebolar para não dizer a dura verdade: a Suíça é marketeira, vende uma imagem de tolerância enquanto aceita propagandas racistas do SVP como aquela da ovelhinha negra sendo expulsa. Reinaldo precisou de rebolado para poder sair dessa. Mas afinal é carnaval, RA, a gente que vê faz quá quá quá!
Por isso, o diploma dos peritos suíços precisa cair das paredes. A polícia suíça está se comportando como a polícia de uma delegacia do interior do Brasil. Já vi isso acontecer com gente conhecida: a mulher vai denunciar violência e é levada, pelo ambiente machista, a desistir, a culpar a si própria, a imaginar que foi tudo "delírios de uma anormal"...Para isso surgiu a Lei Maria da Penha. Eu conheço esse fake do poder. Os imigrantes estão só no lugar dos judeus de ontem: engendram-se as mais variadas desculpas, porque economicamente é mais interessante culpar os imigrantes e as minorias do que os ricos e poderosos, é mais cômodo do que questionar Davos e a ausência dos especuladores de Wall Street lá.
Obama deveria acabar com as guerras, mas sabe que o poder não quer. Os pacotes de Obama serão, no fim das contas, para que o grande capital não corra risco. E qual a política de Obama para os negros? Até hoje não entendi. Quando eles perguntaram com faixas, Obama deu de ombros: podem apoiar outro candidato. Foi como dizer: "fodam-se. Me apoiem ou nada."
Precisamos pedir a revisão desses exames da Suíça aqui no Brasil. Nas fotos, ela estava visivelmente grávida, exibindo uma barriga que começava a crescer, além dos terríveis cortes.
Dei um voto de confiança a outro suíço, o Jorge Schweitzer e fui lá ver um vídeo dele no Museu Villa-lobos e no Tempo Glauber, além do Catete. Qual nada! Só porque o Tempo Glauber não quis que ele filmasse o local, ele desmereceu o lugar. Ele é uma criança, meu Deus...E ainda falou: "O Gerald vai ficar chateado..." Ele descobriu Glauber através do Gerald agora em 2008, tadinho!
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sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009
Troccoli, o Battisti Uruguaio
Troccoli, il Battisti uruguayano
di Roberto Rossi
Un caso “Cesare Battisti” ce lo abbiamo anche in Italia. Non ha sollevato le polemiche. Anzi, è passato sottotraccia, senza creare scalpore, senza alcuna indignazione ministeriale o richieste di annullamento di amichevoli. Il “nostro Cesare Battisti” è uruguayano, anche se da qualche anno ha la nazionalità italiana. Si chiama Jorge Troccoli. Ha 64 anni, la corporatura robusta e un pizzetto bianco. È stato capitano dei Fucilieri Navali dell’Uruguay, ed è accusato di aver fatto sparire un numero imprecisato di persone nel suo paese tra il 1975 e il 1983. Tra questi sei cittadini italiani. Il governo Berlusconi, nel settembre scorso, ha respinto la sua richiesta di estradizione.
Secondo la magistratura uruguayana Troccoli prese parte a quello che è conosciuto come Piano Condor. Una sorta di internazionale del terrore che, negli anni ’70, coordinò il sequestro, l'interscambio e la sparizione di migliaia di oppositori politici in Cile, Paraguay, Uruguay, Brasile, Bolivia e Argentina. Troccoli ammise la sua partecipazione al trasporto clandestino dei detenuti politici tra Uruguay e Argentina ma non ha mai subito un processo. Troccoli ha lasciato il Sud America da tempo per rifugiarsi proprio in Italia, dove nel 2002, nonostante si conoscesse il suo passato, ha ottenuto la cittadinanza italiana. Secondo la stampa uruguayana per lo stesso reato di cui è accusato Troccoli, «omicidio specialmente aggravato» e «violazione dei diritti umani», lo scorso ottobre la Corte d’Appello di Montevideo ha confermato l’incriminazione dell’ex dittatore Gregorio Alvarez e dell’ufficiale della Marina in pensione Juan Carlos Lacerbeau.
In Italia Troccoli è stato arrestato il 29 dicembre del 2007 a Marina di Camerota in provincia di Salerno nell’ambito dell’inchiesta condotta dal pubblico ministero Giancarlo Capaldo sui deparecidos di origine italiana. Nella quale sono coinvolte circa 147 persone (14 brasiliani, 61 argentini, 32 uruguayani, 22 cileni, 7 boliviani, 7 paraguaiani e 4 peruviani) accusate di crimini contro l’umanità. Ma in carcere Troccoli era rimasto poco. La Corte di Appello di Salerno lo aveva rimesso in libertà il 24 aprile scorso non essendo pervenuta nel termine previsto del 23 marzo la richiesta di estradizione dall’Uruguay. Nel paese sudamericano la cosa aveva sollevato un caso nazionale. Dopo due mesi di proteste lo scorso giugno il governo di Montevideo aveva deciso di sollevare l’ambasciatore Carlos Abin e il suo braccio destro Tabare’ Bocalandro. Ma soprattutto di proseguire la causa contro l’ex capitano, riprendendo l’iter di estradizione.
Una richiesta che lo scorso settembre ha subito un brusco stop. Il ministro della Giustizia Angelino Alfano ha negato alle autorità uruguayane di riprendersi Troccoli. Nella risoluzione si sostiene che l’ex militare accusato di crimini contro l’umanità è nato in Italia ed è rimasto cittadino italiano, per cui per il trattato in vigore tra i due paesi (firmato più di un secolo fa, cioè nel 1879), non è estradabile. Contro la decisione del governo italiano l’Uruguay ha presentato un ricorso presso la Corte di Cassazione. Che lo ha però rigettato. Nella sentenza, però, la Corte ha riconosciuto come la sentenza della Corte di Appello di Salerno, che rimetteva in libertà Troccoli, fosse sbagliata. Secondo la Cassazione i termini del ricorso non erano scaduti. Tra l’altro, il governo di Montevideo, che in Italia si è affidato all’avvocato Fabio Maria Galiani, ha sempre sostenuto di aver depositato la documentazione nei tempi previsti.
Nonostante la Cassazione e il Trattato secolare Troccoli, visto che ora è cittadino italiano, potrebbe essere sottoposto a processo in Italia per reati come sequestro di persona e omicidio. Non per crimini contro l’umanità visto che ancora la nostra legislazione non si è mai adeguate alle regole internazionali. Inoltre il nostro governo potrebbe formalizzare con il governo uruguayano un nuovo accordo che permetterebbe di creare profili investigativi comuni. Anche qui serve la volontà del ministro della Giustizia.
30 gennaio 2009
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di Roberto Rossi
Un caso “Cesare Battisti” ce lo abbiamo anche in Italia. Non ha sollevato le polemiche. Anzi, è passato sottotraccia, senza creare scalpore, senza alcuna indignazione ministeriale o richieste di annullamento di amichevoli. Il “nostro Cesare Battisti” è uruguayano, anche se da qualche anno ha la nazionalità italiana. Si chiama Jorge Troccoli. Ha 64 anni, la corporatura robusta e un pizzetto bianco. È stato capitano dei Fucilieri Navali dell’Uruguay, ed è accusato di aver fatto sparire un numero imprecisato di persone nel suo paese tra il 1975 e il 1983. Tra questi sei cittadini italiani. Il governo Berlusconi, nel settembre scorso, ha respinto la sua richiesta di estradizione.
Secondo la magistratura uruguayana Troccoli prese parte a quello che è conosciuto come Piano Condor. Una sorta di internazionale del terrore che, negli anni ’70, coordinò il sequestro, l'interscambio e la sparizione di migliaia di oppositori politici in Cile, Paraguay, Uruguay, Brasile, Bolivia e Argentina. Troccoli ammise la sua partecipazione al trasporto clandestino dei detenuti politici tra Uruguay e Argentina ma non ha mai subito un processo. Troccoli ha lasciato il Sud America da tempo per rifugiarsi proprio in Italia, dove nel 2002, nonostante si conoscesse il suo passato, ha ottenuto la cittadinanza italiana. Secondo la stampa uruguayana per lo stesso reato di cui è accusato Troccoli, «omicidio specialmente aggravato» e «violazione dei diritti umani», lo scorso ottobre la Corte d’Appello di Montevideo ha confermato l’incriminazione dell’ex dittatore Gregorio Alvarez e dell’ufficiale della Marina in pensione Juan Carlos Lacerbeau.
In Italia Troccoli è stato arrestato il 29 dicembre del 2007 a Marina di Camerota in provincia di Salerno nell’ambito dell’inchiesta condotta dal pubblico ministero Giancarlo Capaldo sui deparecidos di origine italiana. Nella quale sono coinvolte circa 147 persone (14 brasiliani, 61 argentini, 32 uruguayani, 22 cileni, 7 boliviani, 7 paraguaiani e 4 peruviani) accusate di crimini contro l’umanità. Ma in carcere Troccoli era rimasto poco. La Corte di Appello di Salerno lo aveva rimesso in libertà il 24 aprile scorso non essendo pervenuta nel termine previsto del 23 marzo la richiesta di estradizione dall’Uruguay. Nel paese sudamericano la cosa aveva sollevato un caso nazionale. Dopo due mesi di proteste lo scorso giugno il governo di Montevideo aveva deciso di sollevare l’ambasciatore Carlos Abin e il suo braccio destro Tabare’ Bocalandro. Ma soprattutto di proseguire la causa contro l’ex capitano, riprendendo l’iter di estradizione.
Una richiesta che lo scorso settembre ha subito un brusco stop. Il ministro della Giustizia Angelino Alfano ha negato alle autorità uruguayane di riprendersi Troccoli. Nella risoluzione si sostiene che l’ex militare accusato di crimini contro l’umanità è nato in Italia ed è rimasto cittadino italiano, per cui per il trattato in vigore tra i due paesi (firmato più di un secolo fa, cioè nel 1879), non è estradabile. Contro la decisione del governo italiano l’Uruguay ha presentato un ricorso presso la Corte di Cassazione. Che lo ha però rigettato. Nella sentenza, però, la Corte ha riconosciuto come la sentenza della Corte di Appello di Salerno, che rimetteva in libertà Troccoli, fosse sbagliata. Secondo la Cassazione i termini del ricorso non erano scaduti. Tra l’altro, il governo di Montevideo, che in Italia si è affidato all’avvocato Fabio Maria Galiani, ha sempre sostenuto di aver depositato la documentazione nei tempi previsti.
Nonostante la Cassazione e il Trattato secolare Troccoli, visto che ora è cittadino italiano, potrebbe essere sottoposto a processo in Italia per reati come sequestro di persona e omicidio. Non per crimini contro l’umanità visto che ancora la nostra legislazione non si è mai adeguate alle regole internazionali. Inoltre il nostro governo potrebbe formalizzare con il governo uruguayano un nuovo accordo che permetterebbe di creare profili investigativi comuni. Anche qui serve la volontà del ministro della Giustizia.
30 gennaio 2009
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Battisti uruguaio,
L´unita,
Troccoli
SVP=FDP, Battisti, Mitre, Casoy, Jean Wyllys, Fórum Social, Venus de Willemdorf, Kate Moss
A novela Battisti continua. Leio no blog do Caetano que existe um tal Bragaglia em Ilhabela que cometeu crimes de extrema-direita e poderá ser extraditado. Uma tal Cristina, a mesma que protagonizou um barraco com o Gerald lá no blog dele, está lá no Caetano e comentou essa do direitista de Ilha Bela. Será amigo dela?
Crimes de extrema-direita costumam ter certa simpatia de partes do aparelho do estado. Um exemplo é o da Paula, advogada brasileira atacada por suíços de extrema-direita. A Europa está ficando cheia de neofascistas violentos, essa é a face mais perversa da globalização por lá. A polícia diz que os acontecimentos não estão muito claros e a mídia reproduz isso. Um jornal suíço, protegendo o SVP, União Democrata Cristã ou coisa que o valha: na verdade, um bando de xenófobos. SVP=FDP. Eles são os verdadeiros abutres que devoram a Suíça e a Europa. E ela, como na versão maluca dos suíços para ficarem bem com o poder, tiver se auto-flagelado? E se isso virar moda e Reinaldo Azevedo aparecer com um "PT" tatuado em pleno auto-flagelo católico no bumbum? Bem fashion, não? Eu tinha simpatia pelo Direto da Redação, mas hoje, como um cara que escreve na Suíça lá, um tal Rui Martins, bancou essa versão do poder e mandaram como título do newsletter, acho que Gerald deve estar certo a respeito deles e "alguém do DR deve ter problemas".
Badan Falhares é um estado de espírito, hein? Baixou nos suíços! E ninguém vai ser condenado pela morte do mineiro Jean Charles. Scotland Yard sucks! Schweitzer SVP, du bist schrecklich!
O Terceiro Mundo precisa explodir essa hegemonia do norte. Mas nós continuaremos indo para lá, pois eles estiveram aqui como colonizadores.
Sinceramente, como Netantahu, com o russo ou com, como a mídia pronuncia, "Zíper Livre", o futuro de Israel me parece sombrio. O país apostou tudo no apoio americano. Se o apoio americano se tornar anti-econômico, não duvido que os USA abandonarão Israel à própria sorte. Daí ouviremos falar da "Faixa de Haifa" ou coisas que tais. Mas por enquanto, embora a Igreja Católica esteja santificando padres franquistas que tombaram às dezenas, ainda pelo menos obriga o padre antissemita a pedir desculpas.
E o caso Battisti ainda dá o que falar. Casoy, para reforçar suas verdades, chamou lá no SBT o Fernando Mitre e um professor universitário cujo nome esqueci. Ficaram com uma conversa que não enfrentou os fatos a respeito do caso e ficou repetindo o caso dos boxeadores cubanos (Caetano já voltou atrás e retirou essa comparação, no que foi muito sensato; talvez Tarso Genro tenha lhe telefonado). Casoy tinha algo de escultura, de estátua, de pedra, de retorno ao chão. Ele parece uma estátua de si mesmo, uma talking head de mármore. Mitre era mais humano, mais eros do que tanathoscasoy, mas mesmo assim com uma barbicha histriônica acentuava sorrindo "verdades" levianas televisivas. Tinha para tudo o aval do profe, que sempre repetia que o Proletários Armados pelo Comunismo era um grupo criminoso comum, que Battisti precisa ir para Itália senão estamos falando mal da DEMOCRACIA italiana, que está sendo conspurcada em sua pureza burlescômica. Hard Times in Bello Paese, como escreveu John Hemingway, acentuando que Burlesconi é tão xenófobo com os ciganos da Itália quando outros partidários modernos da expulsão dos imigrantes.
A coisa foi muito diferente na Record, quando um jovem entrevistador confrontou um jovem representante do governo italiano e um defensor dos Direitos Humanos. Falou-se em Mitterrand (que perdoou Battisti), no fato de que o grupo de Battisti era político, incontestavelmente, dentre outros argumentos, deixando o defensor de Bushesconi em maus lençóis. Os argumentos dos caras se desfazem num diálogo sério.
Fico feliz pelo Fórum Social no Pará e fico satisfeito em ver que em Davos assumiram que o papel do estado é importante. Já a Revista Veja se sentiu pessoalmente desacatada. Davos virou marxista?
Jean Wyllys atacou Patrícia Kogut por uma nota que dizia que ele se negou a dar entrevista no Globo Repórter. O único que me interessava na história toda era ele, um professor universitário intelectual que vivia citando Caetano Veloso. Caets, que eu saiba, nunca citou o nome dele. O blog dele era simpático e ele até me respondeu um e-mail que mandei a respeito do programa e de um texto meu sobre Oswald e a tropicália. Mas o blog do Jean, aí por 2006, era como o myspace da Nina Hagen: comandado por outros, oxe, pois Jean tinha mais o que fazer...
Wyllys fez uma grande jogada política assumindo ser gay na TV e ganhou a disputa. A partir da aprovação do público à sua pessoa, ele ficou imune no programa e conspirar contra ele virou ataque politicamente incorreto ao público e a uma minoria. E, diga-se de passagem, eu acho o politicamente incorreto importante e é algo que deve ser pensado. Em geral, é positivo. Eu simpatizo com Jean, mas no caso da Kogut, ele quis se defender, na verdade, da Globo. Foi ela que disse que ele se negou a dar entrevista para o Globo Repórter, numa postura vingativa. Ele simplesmente estava de férias. Mas as organizações querem não só o corpo dos bróderes, querem suas almas. Jean se negou, pois foi curtir o paraíso baiano e baiano não tem a ética protestante do trabalho, graças a Deus e aos orixás.
Outro dia vi uma entrevista de Kate Moss, a "cocaine Kate" dos tablóides ingleses. Um artista fez dela uma escultura dobrada com seu peso: cinquenta quilos. Kate é o modelo da mulher moderna, magra por cobrança do padrão. O meu padrão é a Vênus de Willemdorf.
Crimes de extrema-direita costumam ter certa simpatia de partes do aparelho do estado. Um exemplo é o da Paula, advogada brasileira atacada por suíços de extrema-direita. A Europa está ficando cheia de neofascistas violentos, essa é a face mais perversa da globalização por lá. A polícia diz que os acontecimentos não estão muito claros e a mídia reproduz isso. Um jornal suíço, protegendo o SVP, União Democrata Cristã ou coisa que o valha: na verdade, um bando de xenófobos. SVP=FDP. Eles são os verdadeiros abutres que devoram a Suíça e a Europa. E ela, como na versão maluca dos suíços para ficarem bem com o poder, tiver se auto-flagelado? E se isso virar moda e Reinaldo Azevedo aparecer com um "PT" tatuado em pleno auto-flagelo católico no bumbum? Bem fashion, não? Eu tinha simpatia pelo Direto da Redação, mas hoje, como um cara que escreve na Suíça lá, um tal Rui Martins, bancou essa versão do poder e mandaram como título do newsletter, acho que Gerald deve estar certo a respeito deles e "alguém do DR deve ter problemas".
Badan Falhares é um estado de espírito, hein? Baixou nos suíços! E ninguém vai ser condenado pela morte do mineiro Jean Charles. Scotland Yard sucks! Schweitzer SVP, du bist schrecklich!
O Terceiro Mundo precisa explodir essa hegemonia do norte. Mas nós continuaremos indo para lá, pois eles estiveram aqui como colonizadores.
Sinceramente, como Netantahu, com o russo ou com, como a mídia pronuncia, "Zíper Livre", o futuro de Israel me parece sombrio. O país apostou tudo no apoio americano. Se o apoio americano se tornar anti-econômico, não duvido que os USA abandonarão Israel à própria sorte. Daí ouviremos falar da "Faixa de Haifa" ou coisas que tais. Mas por enquanto, embora a Igreja Católica esteja santificando padres franquistas que tombaram às dezenas, ainda pelo menos obriga o padre antissemita a pedir desculpas.
E o caso Battisti ainda dá o que falar. Casoy, para reforçar suas verdades, chamou lá no SBT o Fernando Mitre e um professor universitário cujo nome esqueci. Ficaram com uma conversa que não enfrentou os fatos a respeito do caso e ficou repetindo o caso dos boxeadores cubanos (Caetano já voltou atrás e retirou essa comparação, no que foi muito sensato; talvez Tarso Genro tenha lhe telefonado). Casoy tinha algo de escultura, de estátua, de pedra, de retorno ao chão. Ele parece uma estátua de si mesmo, uma talking head de mármore. Mitre era mais humano, mais eros do que tanathoscasoy, mas mesmo assim com uma barbicha histriônica acentuava sorrindo "verdades" levianas televisivas. Tinha para tudo o aval do profe, que sempre repetia que o Proletários Armados pelo Comunismo era um grupo criminoso comum, que Battisti precisa ir para Itália senão estamos falando mal da DEMOCRACIA italiana, que está sendo conspurcada em sua pureza burlescômica. Hard Times in Bello Paese, como escreveu John Hemingway, acentuando que Burlesconi é tão xenófobo com os ciganos da Itália quando outros partidários modernos da expulsão dos imigrantes.
A coisa foi muito diferente na Record, quando um jovem entrevistador confrontou um jovem representante do governo italiano e um defensor dos Direitos Humanos. Falou-se em Mitterrand (que perdoou Battisti), no fato de que o grupo de Battisti era político, incontestavelmente, dentre outros argumentos, deixando o defensor de Bushesconi em maus lençóis. Os argumentos dos caras se desfazem num diálogo sério.
Fico feliz pelo Fórum Social no Pará e fico satisfeito em ver que em Davos assumiram que o papel do estado é importante. Já a Revista Veja se sentiu pessoalmente desacatada. Davos virou marxista?
Jean Wyllys atacou Patrícia Kogut por uma nota que dizia que ele se negou a dar entrevista no Globo Repórter. O único que me interessava na história toda era ele, um professor universitário intelectual que vivia citando Caetano Veloso. Caets, que eu saiba, nunca citou o nome dele. O blog dele era simpático e ele até me respondeu um e-mail que mandei a respeito do programa e de um texto meu sobre Oswald e a tropicália. Mas o blog do Jean, aí por 2006, era como o myspace da Nina Hagen: comandado por outros, oxe, pois Jean tinha mais o que fazer...
Wyllys fez uma grande jogada política assumindo ser gay na TV e ganhou a disputa. A partir da aprovação do público à sua pessoa, ele ficou imune no programa e conspirar contra ele virou ataque politicamente incorreto ao público e a uma minoria. E, diga-se de passagem, eu acho o politicamente incorreto importante e é algo que deve ser pensado. Em geral, é positivo. Eu simpatizo com Jean, mas no caso da Kogut, ele quis se defender, na verdade, da Globo. Foi ela que disse que ele se negou a dar entrevista para o Globo Repórter, numa postura vingativa. Ele simplesmente estava de férias. Mas as organizações querem não só o corpo dos bróderes, querem suas almas. Jean se negou, pois foi curtir o paraíso baiano e baiano não tem a ética protestante do trabalho, graças a Deus e aos orixás.
Outro dia vi uma entrevista de Kate Moss, a "cocaine Kate" dos tablóides ingleses. Um artista fez dela uma escultura dobrada com seu peso: cinquenta quilos. Kate é o modelo da mulher moderna, magra por cobrança do padrão. O meu padrão é a Vênus de Willemdorf.
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