segunda-feira, 6 de julho de 2009

Nelson Rodrigues X Vianinha

Uma postagem do excelente estudio11.blogspot.com

Quero ser uma múmia nestes agora meus 21 anos !
Debate entre um reacionário ( que poderia ser o Estúdio 11) e um marxista ( que ás vezes poderia ser o Estúdio 11... mas com certeza é a grande maioria de vocês ... ou não?)


1Vianinha: - Acho você sincero como escritor Nélson, nunca pondo no papel aquilo que a pressão social exige, escrevendo o que passa na sua cabeça. Você é o que escreve e, talvez por isso, seja bom artista. Nélson, só D. Jaime Câmara pode negar em você o artista. Daí, é claro, sua mui justa indignação quando pichado de reacionário. Reaça, para você, sabe que é reaça, gaba-se disso, tem ânsia de vômito quando vê operário, acende vela para Rockefeller, não assiste a suas peças, não entende de candomblé, nunca ouviu falar no Garrincha, usa batina dentro de casa.

2Nélson: - Vejam vocês como é inexequível o diálogo entre duas gerações! eu e o Vianninha falamos a mesma língua, isto é, eu falo a brasileira e o Vianninha a cubana. Mas não é o idioma que nos separa, em último caso podia se arranjar um intérprete. O que nos separa é a idade. Somos duas épocas que se digladiam a cusparadas.


3Estúdio 11: - Quem é este tal de Rockefeller ? Reaça ? Será que eu sou uma Reaça ? será que o Estúdio 11 é reaça ?


4Vianinha: - Mas você é reacionário.Não pode entender isso quando se solidariza, nas suas peças, com o Boca de Ouro, com os humilhados e ofendidos...Mas você é reacionário, Nélson.
Sua solidariedade afirma o que eles têm de pior para deixarem de ser humilhados e oprimidos. Na superficialidade de sua constatação do real você sobre passa a ordem capitalista e ataca o humano, negando o conhecimento. Seus personagens nunca têm um problema racional, de consciência, em que as ações subordinam-se a um projeto, a razões e motivos retirados de uma perspectiva que o homem tem de seus condicionamentos. São sempre paixões desencadeadas que, para serem cumpridas, precisam chocar-se com a ordem dada. Mas a ordem é a história, de sempre e para sempre, discutida. Todos os seus personagens quando pensam, degradam-se. Quando não são imediatos, irrefletidos, instantâneos, fulgurantes é que abaixaram a crista entram pelo cano. Entregaram-se ao que é preciso ser feito apesar disto ser insuportável para eles, e não há perdão ao homem que pensa, portanto - para você -, se acomoda.

5Nélson: - Para um velho como eu, sou realmente uma múmia, é uma delícia discutir com as novas gerações. Todavia, há no meu debate com Vianninha um defeito técnico. Pergunto - como polemizar com um sujeito que o trato pelo diminutivo ? sim, como xingar um sujeito que eu próprio chamo, risonhamente de Vianninha ?


6Estúdio 11: - Juro que não tenho vocação pra intérprete.. até porque ás vezes eu me sinto uma múmia... com todos os achaques de uma múmia... aos vinte e um anos completos hoje neste 2 de maio.

7Vianinha: - Você é inflexível Nélson ; nada de nove horas.Suas peças tem um vigor e uma violência nascidos daí; seu diálogo é ríspido, seco, sem poréns e lantejoulas: suas palavras se desencontram, não cabem exatamente numa ordem lógica e sossegada. Seu diálogo, bom pra chuchu, expressa sua intransigência. Você não dá folga ao pequeno burguês, sempre amarrando suas aspirações e vontades para se alienar ao assim é melhor, ao por aqui dá mais jeito. Sua fúria martiriza o homenzinho covarde que seu auto- flagela para tão somente vivericar por aí. Mas isto na sua obra é secundário, acima de tudo você propõe que o homem não reflita, que lasque a pua sem contar até dez. Você não quer trocar a ordem configurada por uma outra onde o homem possa adequar sua paixão natural, para sí. Não. Você não quer ordem, quer a paixão pura e limpa, como ele não precisasse de um fundamento ideológico para se manifestar e existir.

8Nélson: - Mas, se eu tenho e confesso os meus escrúpulos sentimentais, o meu jovem inimigo não faz o mesmo pelo contrário - com um falso humor de um Tartarim, ele inverte contra mim contra minha obra e não deixa pedra sobre pedra. Sinto-me desmoronado, um sujeito demolido, agora mesmo, ao redigir estas linhas tenho que espanar a poeira do meu próprio desabamento.

9Estúdio 11: - Porque todo homem de 30 ou quase 30 é tão moralista? Porque eles se esquecem das paixões desencadeadas... irrefletidas... imediatas... e colocam o estado e a mamãe na frente ?

10Vianinha: - Eu acho, Nélson, que a sociedade formou um novo homem, social como nunca houve até aqui, ligado a um outro para sobreviver, para se alimentar, para se divertir, tudo. A consciência social precisa admitir esse fato, adaptar-se a ele, dominá-lo e tocar pra diante; na cabeça: cada um para si e nem Deus mais para ajudar no apito. E essa contradição é cada vez mais violenta. O homem perde o humano, a consciência de suas necessidades, se perde. Precisa pensar pra burro pra se reconquistar e você pichando o pensamento. Você é Reacionário, Nélson Rodrigues.


11Nélson: - Por que me escracha o meu colega cubano? digo cubano e explico: - O Vianninha mora fisicamente no Brasil; mas sua residência sentimental e ideológica - é Cuba. Seu processo de alienação pode levá-lo a confusões ainda piores: Ainda hei de ver o Vianninha consultando um guia turístico pra saber onde é a Av. Rio Branco.

12Estúdio11: - Agora entendo... Vianninha fez Arquitetura ou quase fez. Parece que não concluiu... descobriu mais tarde que seu negócio mesmo era filosofia ... que também não concluiu... enfim! o cara se perdeu nos bastidores do teatro e com seu marxismo, tudo custeado por uma grande e mais que capitalista rede de televisão... e parece que cheio de culpa afirmou numa entrevista " no teatro eu pesquiso, na televisão reafirmo, com os dois me gratifico" pura desculpa de marxista quando se vende ao capitalismo...

13Vianinha: - Você estampa a contradição, é verdade; mas inscreve como resultante de um desencontro do racional e do natural. Para você não se trata de um debate de consciências, de demolição e ressurgimento de valores. Para você é pelada. É briga de galo. Logo agora que o social e o racional precisam ser dignificados e debatidos, Nélson. Você nega o conhecimento, única arma que o homem possui para sobreviver. Você acha que o que atrapalha são, exatamente, as instituições, as leis; não determinadas leis, todas elas. Você quer o homem imediato, consumindo sempre, não pensando, não projetando e não produzindo nunca.

14Nélson:- O colega insiste em me escrachar por que eu o elogiei e realmente, aqui mesmo neste jornal, com uma larga é cálida efusão, eu fiz ler enérgica apologia se bem me lembro, entre outros rapapés, declarei que ele jamais sairia por aí bebendo sangue, chupando carótidas, decapitando Marias Antonietas. A intenção do elogio é de uma evidência clamorosa. Mas está escrito que um moço não entende um velho e vice e versa. O Vianninha tomou um galanteio por um insulto e daí sua reação.

15Estúdio 11: - Os mesmos insultos o velho e nobre Sófocles deve ter recebido do jovem estrangeiro Eurípides nos festivais de teatro da Grécia clássica... e do alto de sua experiência e sucesso ainda pode perceber em vida, como Nélson, o sucesso de seu pupilo e opositor com a estréia de sua admirável As bacantes...

16Vianinha: - Sua visão limitada dos pequenos burgueses que somos generaliza indevidamente. Suas peças não saem dos quartos. A localização geográfica delas, é sempre onde o homem consome; nunca onde produzem. Suas peças exaltam o indivíduo que abdicou de sua máxima aspiração de dominar o real e resolver passar o resto da vida se desencontrando, fulgurante, urrando e batendo no peito, como um animal, feliz por não ter de pensar. Exaltação da marginalidade. Exaltação e loas ao homem que escolheu deixar de ser homem.

17Nélson:- Mas vejam vocês - ao ler as linhas do escracho de Vianninha, percebi subitamente tudo. Perpetrei, na mais abjeta boa fé, uma gafe hedionda. Sim, ao negar a bestialidade, e ferocidade do teatrólogo eu o comprometi! amigos, eu ignorava, sob a minha palavra de honra, ignorava que, todas as tardes o Vianninha vai para a porta da UNE. E, lá em exposição faz um sucesso imenso, posa de sanguinário. Mas para sustentar este êxito tem de parecer bestial, tem de parecer feroz. Seu ar na porta da UNE é de fanático, sempre disposto a ferrar os caninos na carótida mais a mão. E, de repente venho eu e digo: O Vianninha é um drácula de araque! o Vianninha é a Cambaxirra da revolução!

18Estúdio 11: - De qualquer maneira deveria ser um charme ver o Vianninha desenhando um novo estado com sua dramaturgia... e sua utopia... hoje meus heróis não passam de guerrilheiros de apartamento que conjugam o verbo dever muito e muito antes do verbo querer... quando o conhecem ...

19Vianinha: - Meu caro Nélson Rodrigues: o seu pequeno burguês, quando você começou a escrever, concordava com tudo de cara: “o conhecimento é um fardo inútil porém, infelizmente, necessário”. Vinha você e lascava na lata: “Burro! inútil e desnecessário!" Nélson, sua opinião é a mesma; o seu pequeno burguês é que mudou. Já não é mais ponto pacífico no Brasil que não precisamos conhecer bulhufas; que os americanos pensam e os franceses fazem as piadas. Há uma sede de pensar varrendo o Brasil. O seu pequeno burguês já não é mais o escriturário do deve e haver, preocupado com apresentar o livro sem borrões, com ser gentil com a mulher do patrão, apesar de querer sempre dar um murro num e um beijo na outra. Não é mais o homem dos mexericos de bastidor, de hesitante liberalidade, de artificial intimidade com seus superiores. Não é mais o sujeito preocupado com a fidelidade da mulher, torturado com as opiniões sobre sua honra, com as pernas da vizinha, com a missa que deve ir, com a gorjeta que deve ganhar para ganhar um processo e etc. Não é mais o homem que cozinha com carinho sua irresponsabilidade. Não; ele não se pensa mais sozinho.

20Nélson: - No seu mais profundo ressentimento, o Vianninha nega, de alto a baixo o meu teatro. E por que nega? é simples : - Porque eu não faço propaganda política, porque não engulo a arte sectária. Em suma: - o Vianninha queria que o Boca de Ouro parasse a peça e apresentasse um atestado de ideologia. Mas ele quer mais. Não basta o personagem, exige também do autor o mesmo atestado. A minha vontade é perguntar ao Vianninha. “Ô Rapaz!!! você é revolucionário ou tira ? "

21Estúdio 11: - Engraçado... olho em minha volta e não encontro mais a figura do pequeno burguês... de um lado ou acima o burguês, outrora quem sabe um pequeno burguês promovido, do outro fileiras de incluídos de pires na mão dispostos até a morte a cultuar a inclusão- arte a arte- inclusão domesticada, abrandada, não transgressora, infértil, não-trágica, para garantir o sustento e continuidade da irrefutável política cristã da inclusão do obediente... só possível na obediência do fraco ...

22Vianinha: - Nenhum nem outro meu caro, você se traiu, seu pequeno burguês saiu do quarto e se atirou na rua. Cada vez mais é capaz de reconhecer seus interesses a longo prazo, cada vez mais se pensa como homem social, metido numa classe. Cada vez você escreve mais com gente no Botafogo nas Laranjeiras, sei lá.O pequeno burguês representativo de nossa vida já está em Copacabana, atapetado em apartamentos sem quintal, sem jardim, sem família, sem tios insuportáveis, sem gatos miando. Eles estão ouvindo o repórter Esso, discutindo a 204. São homens agora que precisam emitir um juízo, não querem emiti-lo. O seu pequeno burguês já não está muito disposto a sublimar a raiva que tem de racional assistindo a as suas
peças.

23Nelson: - o velho Engels, bisavô dos Marxistas de agora, em carta escrita a Mina Kautsky dizia : - " Longe de mim censura-la por não haver escrito uma narração socialista, um romance de tendência, como nós dizemos, os alemães, no qual fossem glorificadas as idéias políticas e s ociais do autor. Isto não é o que eu, Nelson, penso. Quanto mais as idéias do autor permanecerem ocultas, mais isto servirá para valorizar a obra de arte. O realismo ao qual me refiro, manifesta-se independente das próprias opiniões do autor"

24Estúdio11: - Parecia ser moda naquela ocasião ser Marxista ou reacionário, não nos enganemos... à primeira vista parece hoje não haver nenhuma moda... segundo alguns todos os ismos acabaram assim como a história, mas prestem atenção tudo gira em torno do silencioso e mais que justificado Wallet value man e a sustentação do bem estar... que ninguém sabe aonde está...

25Vianinha: - Quê isso Nélson? você está é ficando pra trás: por isso brotou penas em cima de mim.Não sou Marxista de galinheiro, não sou cambaxirra e muito menos colibri. Sua sinceridade está começando a desbotar. Cada vez mais você quer se saber bom autor: mais e mais autor na opinião dos outros.

26Nélson: - Não se desespere Vianninha veja só, ainda Engels, declarava, com a mais brutal sem cerimônia, "que preferia Balzac a todos os Zolas presentes, passados e futuros. "Veja-o Vianninha; - Engels preferia Balzac que, no prefácio da Comédie Humaine saiu-se com esta bomba: - "L’écris ala luer dedux verités eternelis : la religion, la monarchie ". Outro que punha Balzac nas nuvens era o Marx, Vianninha era o Marx ! repito : - O velho Marx foi um deslumbrado e clerical monarquista Balzac !

27Estúdio 11: - Il ya trois vérités, mui vérité, toi vérité, et la vérité.

28Vianinha: - Nélson, você está começando a se defender, por isso saiu para o ataque as galinhas e a Engels.É bom você sair para a discussão. É ótimo, é coisa pensada. Mas você está começando mal, aferrando-se no escolhido, garantindo-se com pretéritos aplausos recebidos. Está jogando com o que tem de realizado contra o que está por se realizar, ditando cátedra enquanto é tempo com dossiê embaixo do braço, envolvido de uma atmosfera entre papal, de senhor de engenho, e de Adhemar de barros.

29Nélson: - Por um dever de coerência meu caro Vianninha, você deveria ir para a porta da UNE anunciar: - "O Marx e o Engels são dois asnos gagás ! " mas vamos falar sério. Suas piadas Vianninha até me lisonjeia e imensamente. De fato, o sujeito que nunca inspirou piadas é uma besta. E você Vianninha incorre outra vez num lapso revelador: - Cita o Brasil, não faz uma única e escassa referência ao Nordeste e muito menos as favelas do Rio de agora. No meu artiguete que tanto insultou o meu caro e amigo dramaturgo e jovem Vianninha eu o convidava: - “Vamos morrer pelo Brasil! "vamos morrer pelo Nordeste e quem sabe pelas favelas !" Vianninha não deu a menor bola pelo meu apelo.

30Estúdio 11: - Então vamos lá... vamos exercitar nosso lado cômico... O que dá o cruzamento de pão, queijo e um macaco? um X-panzé. HÁ HÁ HÁ... viram só!

31Vianinha: - Você sabe que o projeto de teatro brasileiro que se instalou é irreversível e deixa você longe de vários corpos. Nada de concreto foi realizado, é verdade, a não ser no duro, o Black Tie, primeira peça que atira o homem diante do seu conhecimento. O resto é ruim: Patria Muerte não é nada. Então você arrisca, bota pena, procurando garantir uma eternidade inútil e melancolicamente. Ao invés de comprar galocha e guarda-chuva, você quer parar o toró que vem aí. Logo, logo - a continuar assim - você estará escrevendo “a vida como a vida foi" no vetusto Correio paulistano. Dentro da avicultura que lhe é tão cara, logo, você é um falcão com hérnia; uma águia no poleiro, vestida de noiva. Nélson, pense pra burro. Você tem, no máximo quanto? cinquenta e nove, sessenta e dois anos. Há tempo. A vida não perdoa. Você é quem me ensinou isso.

32Nélson: - Dizia Machado de Assis : - "Suporta-se com muita paciência, a cólica alheia" pois com o Vianninha dá-se o contrário. Nem pia com a nossa dor de barriga. E só geme com a cólica cubana.

33Estúdio 11: - No fim não haverá vencido nem vencedor, será que ainda haverá dialética? será que o homem cibernético conhecerá o trágico ou isto é coisa de humanóides desequilibrados e luxuriosos ? e as vezes, mesmo que difícil , ainda procriadores...

Adendo 1: Nélson Rodrigues, em Maio de 75 afirmaria ao Jornal do Brasil, que a peça Rasga Coração então, ainda proibida pela censura, " é uma das mais belas e fascinantes obras primas do teatro brasileiro". Na estréia oficial da mesma peça em 79, Nélson deu mais um depoimento " a grande peça de Vianna "Rasga coração" é de uma tensão dionisíaca muito empolgante."

Adendo 2: ( Vianninha em um outro embate com Nélson afirma): Nélson, a peça sobre Cuba não é ruim por que é sobre Cuba ; é ruim por que não expressa Cuba: é Patria ou muerte o nome dela e não Independência ou muerte como você insiste. Este último foi o berro do Pedro I lembra? - que, aliás, ficou só no berro. "Pátria ou muerte" é lema de Cuba, acho que você não sabe. Uma indireta, você mora? - com Pátria ou Muerte eles querem dizer leve, que americano não põe mais a mão lá.




*Trechos do livro Vianinha -Teatro, televisão e política, organizado por Fernando Peixoto + intervenções do Estúdio 11.

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