Transcrevo esse texto da irresistível coluna de José Pedro Antunes, onde caí outro dia meio que por acaso e me vi novamente fisgado pela qualidade de seus textos:
quarta-feira, 24 de dezembro de 2008 “A liberdade é a vítima” (2) O filósofo alemão Peter Sloterdjik fala ao Die Zeit (11/12/2008), em entrevista conduzida por Stephan Lebert e Christine Meffert (tradução de José Pedro Antunes)
Zeit - Pode-se dizer: Este querer ter unilateral causou, afinal, o colapso do sistema financeiro internacional. Assim, o grande “crash” absolutamente não o pegou de surpresa?
Peter Sloterdjik - Talvez soe agora um pouco insolente, mas há bem uns 10 anos eu vivo intensamente a expectativa da crise, e não me cansei de escrever sobre isso em meu trabalho filosófico dos últimos anos. Em “Tempo e Ira” há um capítulo intitulado “Protelação da crise em sistemas movidos a ambição”. Não se pode, na verdade, exigir mais de um filósofo vivo.
Acha que agora as coisas vão ficar sérias?
Sloterdjik -Para décadas e espíritos de época não há funerais oficiais; houvesse-os, seria promovido então um funeral oficial de primeira classe para essa bastante suportável leveza do ser, para essa bastante neoliberal síndrome de frivolidade.
O que mais compunha essa síndrome?
Sloterdjik - Um tipo fundamental dos “anos 00” é, com certeza, o candidato em show de talentos. Nele, um dos sonhos constitutivos da modernidade se mostra com especial nitidez: as pessoas querem ficar famosas pelo mero fato de existir. Sonham com fortunas que dispensam esforço, querem ser ricas, mas a troco de nada. Quem sou eu, que precisei trabalhar para me tornar abastado? Mais ainda se sonha com a fama a partir do nada: Quem sou eu, que precisei saber alguma coisa para ser uma celebridade? Ambas as coisas convergem nos filhos dos notáveis – provavelmente o grupo mais representativo desta época.
Ao pensar nos “anos 00”, vê uma imagem determinada?
Sloterdjik - Sim, o lançamento às águas do Queen Mary 2. De pronto, eu tive a sensação: agora todos vão ver o que aconteceu. As pessoas querem voltar ao luxo desmesurado. Torna-se a construir um navio para os muito ricos, para os quais a primeira classe em um avião é demasiado trivial. Um novo navio de luxo, que promete uma experiência de viagem como em outros tempos, antes de ter se iniciado a era das massas. O Queen Mary 2 é o super-artefato desta época.
O início deste século: Há paralelos com os inícios de outros séculos?
Sloterdjik - O mundo está cheio de paralelos enviesados. Mas, é claro, salta aos olhos a freqüência com que os inícios de século se fazem acompanhar de euforias e fenômenos de prosperidade, que, em sua totalidade, não se comprovam sustentáveis. Pouco depois de 1800 foi assim, e também antes da Primeira Guerra Mundial houve um clima de notável sobreexcitação. Ânimos sensíveis perceberam que havia alguma coisa no ar.
Vamos falar ainda de computadores, internet e celulares. Como se comporta em relação a eles?
Sloterdjik - Da internet eu faço uso intensivo. Um celular eu nunca cheguei a adquirir, não tenho a menor vontade de viver respondendo à pergunta “de onde você está falando?”. O que me interessa é, muito mais, saber em que medida vem se alterando a mobilidade da mão desde que surgiu o celular. Parece que o polegar passou a ser o dedo de trabalho do homem moderno.
Com efeito, surgem já as primeiras pesquisas a afirmar que, com o clicar constante, nossos polegares vão acabar ficando maiores.
Sloterdjik -Veja o senhor! O polegar suplantou os outros dedos, ele é o grande ganhador desta década.
Peter Sloterdijk, 61, é um dos mais conhecidos filósofos da Alemanha. Em 2005, publicou “Im Weltinnenraum des Kapitals” (“No espaço interior do capital”), obra na qual se confronta com a globalização. No início de 2009, virá a público “Du sollst dein Leben ändern” (“Você deve transformar sua vida”).
Zé Pedro Antunes é professor da Unesp, na área de língua e literatura alemã, e escreve às quartas-feiras neste espaço
http://www.tribunaimpressa.com.br/Sessao/?IDSessao=60030
2 comentários:
Convido a todos os leitores para conhecerem o blog oficial do prof. José Pedro Antunes: http://zepedradas.blogspot.com.br/. Abç!
brial
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