domingo, 17 de agosto de 2008

Kleist em Paris




Robert Walser
Trad.: zé pedro antunes


No mês de abril de 1801, Kleist põe-se em viagem a Paris. O que pretendia com isso, na verdade? O que o levava até lá? Tinha 23 anos de idade e cada vez mais claro lhe ficava: podia se tornar poeta. Podia? Não, não apenas podia, mas precisava! Sabe que precisa e por isso se põe em viagem. Recusa um posto oficial e põe-se em viagem. Seus conhecidos sempre a lhe perguntar o que afinal iria pretender da vida, quando isto e mais aquilo não lhe fosse favorável. Isso lhe é desagradável e não quer mais ouvir coisas desse tipo. Pressiona-o, oprime-o toda esta coisa pessoal, egoista; enfim, quer fugir às coisas paralisantes, estreitas, pequenas, e por isso se põe em viagem. Nele desperta o cidadão do mundo? Pode bem ser. Mas algo maior, algo mais belo, dentro dele se viu desperto, e chama por ele, e ele parte no seu encalço. Mas por que quer viajar justamente a Paris, ao tumulto da metrópole? Por que isso? Sente-se atraído para o turbilhão da vida? Sem dúvida, pois, uma força o impele verdadeiramente em direção a algo maior. Ao mesmo tempo, na verdade, inclina-se igualmente ao silêncio. Tende talvez em direção a ambos, ao burburinho e ao silêncio de uma só vez? Também isso pode ser. Em todo caso, está escrito que foge e, igualmente, registrado: busca alguma coisa, aspira a alguma coisa. Em viagem, não faz um caminho de volta, segue antes adiante. Ei-lo sentado agora no interior de uma carruagem postal: ai, como isto dá solavancos de um lado para outro! A carruagem está repleta de passageiros e ele não os observa, isto é, tê-los-á certamente observado, apenas não concede a tais coisas nenhuma importância. Bosques, aldeias, cidades, rios e homens, e toda sorte de fenômenos que possam existir, pairam como que em revoada, e de nada disso ele dá notícia; vivencia-o, avista-o, mas, absolutamente, não o coloca no papel. Uma única coisa acena em sua direção: não está ali com a finalidade de apresentar um relato de viagem, não viaja para vivenciar o que quer que seja e para depois a isso atribuir alguma importância. Não, acha-se já inteiramente possuído pela vida; permite que a realidade, em silêncio, passe a nele produzir os seus efeitos. Mais profundamente ocupa-o apenas aquilo que traz em si mesmo e carrega consigo, portanto, sua alma, que está repleta de vida faiscante, coisa que não necessita receber de fora e por obra do acaso. Afora isso, a verdade mesmo é que também possui um plano dramático. E insistentemente o persegue. Já em seu espírito encontra-se um esboço, pois trata-se de conseguir realizar uma obra. Por isso, e por nada mais do que isso, viaja, chega então a Paris, aluga um quarto. Com certeza, impressiona-o a nova imagem, pois que imagem é essa! Que figuras, semblantes, sons, cores! Sim, ele vê muitas coisas, mas o que isso tem a ver com ele? Parece-lhe estranho, transmite-lhe frieza. Mas o fato é que fugira ao demasiado próximo, ao demasiado familiar, e quis mudar-se para um ambiente estranho; e o que desejava, agora ele possui. Com efeito, ele se sente livre: ali ele pode criar, compor, dedicar-se à arte; e o faz, pois trata-se de um caráter que não hesita, tão pronto se vê diante de alguma coisa a ser dominada. Por semanas a fio ele não sai à rua, vive como que numa redoma, cuida de seu rebento, seu ideal, escreve para casa e diz nada ter que buscar entre as pessoas. Assim, é o que se vê, ele se retrai, vive apenas no sonho, quer dizer, na obra, sendo esta “A Família Schroffenstein”, seu primeiro livro. Acha-se inteiramente em seu próprio mundo; ao outro, ao visível, ele não vê; não quer vê-lo, e não deve. Vive com o casal Ottokar e Agnes. Com tudo isso, certo é que Paris lhe causa forte impressão e atua sobre sua pessoa e sobre sua peça, a exercer influência. Até chegar o inverno assim se mantém, mudando-se, então, com passagem por Frankfurt, aqui para a Suiça; e, para os amigos de cá, lê o seu poema. - A vida de Kleist possui algo de fascinante. Padeceu, como é sabido, sob o jugo de conceitos demasiado elevados acerca do seu ofício, de seus sentimentos não se protegeu o bastante. Mas o que é que se vai dizer? Na verdade, era à natureza, a que lhe foi dada, meio terna demais, meio violenta, que ele obedecia. Agia sempre conforme lhe ditava o coração, abertamente, e com grandeza. Polir-se, amoldar-se, isso ele não o fez, jamais.


3 comentários:

Philosopho disse...

O mais interessante na percepção da obra de Kleist é a renhida insistência no argumento de que ele fizera sucesso como poeta em razão de seu suicídio e das críticas de Goethe à sua obra. Como se Goethe fosse a palavra final em literatura.

Philosopho disse...

O mais interessante na percepção da obra de Kleist é a renhida insistência no argumento de que ele fizera sucesso como poeta em razão de seu suicídio e das críticas de Goethe à sua obra. Como se Goethe fosse a palavra final em literatura.

Philosopho disse...

Lúcio, aí está o artigo completo publicano no Rizoma.net. do qual eu extrai o trecho que estabelece e explicita as relações entre o vodu e o Matrix.

http://www.rizoma.net/interna.php?id=178&secao=afrofuturismo