domingo, 24 de agosto de 2008

Isto Não é Um Quadro

Hoje no Mais!

O influente crítico de arte americano Arthur Danto fala à Folha (em conversa com o filósofo Paulo Ghiraldelli Jr) sobre "A Transfiguração do Lugar-Comum", que está saindo no Brasil, ataca as limitações de Adorno e Benjamin e discute o conceito de "fim da arte", que cunhou em 1984

Isto não é um quadro

PAULO GHIRALDELLI JR.

ESPECIAL PARA A FOLHA

Arthur C. Danto, filósofo e crítico de arte influente do "The Nation" (Nova York), publica agora no Brasil um de seus livros mais importantes, "A Transfiguração do Lugar-Comum" (ed. Cosacnaify, tradução de Vera Pereira, 310 págs., R$ 59). Indo de Andy Warhol a Hegel e Wittgenstein, passando por Cézanne, ele mostra uma forma de fazer da filosofia uma apreciadora da arte que honra a bela tradição norte-americana no campo da estética.

A famosa afirmação de Adorno de que escrever poesia após Auschwitz é obsceno me parece ela própria obscena

Ainda que Danto não compartilhe de idéias pragmatistas, ele vê a história da arte por meio de um pluralismo saudável, bastante comum entre filósofos dos EUA (e cada vez mais da Europa). O inovador em Danto, além do fato de ele vir da filosofia analítica para a crítica da arte sem transformar a arte em "linguagem", é que coloca para a nova geração um passo diferente -e melhor- do que aquele que a Escola de Frankfurt deu no mesmo campo. Como ele bem diz, os frankfurtianos tinham uma visão "medieval" de arte.

Folha - O sr. poderia falar sobre o conceito de "fim da arte"?

Arthur Danto - Em 1984, publiquei um ensaio sobre o "fim da arte". Naquela época as pessoas do mundo da arte pensavam em termos de "a próxima" coisa, como se, temporada após temporada, a história fosse se desdobrando. Até certo ponto me parecia que não havia nenhuma "próxima coisa". Meus argumentos estavam baseados em algumas das extraordinárias reviravoltas em arte nos anos 60. Estava pensando, principalmente, em Warhol, que havia exibido fac-símiles de cartões de remessa na galeria Stable em Manhattan, em 1964. Aquela exposição me pôs interessado em filosofia da arte.

A questão em que me engajei era esta: por que deveriam suas "Brillo Boxes" ser obras enquanto as caixas normais de palhas de aço, que vão da fábrica ao depósito do supermercado, são meramente objetos utilitários? Elas parecem quase exatamente iguais. E então achava que a diferença entre arte e não-arte tinha de ser invisível, uma vez que não havia nenhuma diferença física relevante entre as duas espécies de caixas.

Eu então achava que isso era perfeitamente geral, que se a "Brillo Box" de Warhol fosse arte, qualquer coisa poderia ser arte, e portanto não havia nenhum modo especial de ser da obra de arte.

Se não era mais possível dizer quais eram as obras de arte -uma vez que qualquer coisa poderia parecer uma obra de arte, e não ser uma obra de arte-, não havia mais nenhuma direção na história. Tudo era possível. Isso queria dizer que tudo que tivesse sido pensado como importante sobre arte não mais pertencia ao conceito de arte. Uma definição filosófica de arte não poderia excluir nada. A arte estava liberada da história da arte, era o que eu sentia.

Folha - Mas como fica a tese do "fim da arte" hoje?

Danto - Como crítico, a tese do "fim da arte" significava que não estaria interessado sobre se o que eu estava escrevendo sobre arte era "historicamente correto". Qualquer coisa era possível, a idéia de direção havia perdido todo o sentido. A cada dia estou mais convencido da verdade essencial da minha tese, o que é antes de tudo surpreendente. A tese era menos óbvia em 1984 do que veio a ser.

Não há direções. Haverá surpresas, mas não surpresas históricas ou filosóficas. E, com o advento do globalização, há verdadeiramente uma arte única no mundo, na qual qualquer um pode entrar. Não há nenhum centro real, como foram Paris ou Nova York.

Folha - Não haverá surpresas ... Bem, isso soa hegeliano, não?

Danto - Quando comecei a falar sobre "o fim a arte", alguém me contou que Hegel tinha tido tal idéia. Ninguém na filosofia analítica levava Hegel muito seriamente com um filósofo, mas eu então tinha de ler Hegel e realmente descobri que ele era um tremendo filósofo da arte. Sua visão do "fim da arte", contudo, era bastante diferente da minha. Ele acreditava que a arte não mais encontrava as necessidades espirituais da humanidade. Somente a filosofia poderia encontrá-las. Minha visão é a oposta.

Por causa de seu pluralismo radical, a arte é capaz de encontrar nossas necessidades espirituais de beleza -pense em arte feminista, arte gay ou no multiculturalismo. Mas a filosofia perdeu sua capacidade de fazer algo por alguém. Ninguém pode pensar como Hegel hoje em dia.

Minha visão do fim da arte é baseada na história interna da arte. Sua natureza filosófica emergiu para a consciência filosófica na década de 1960. Para Hegel, o fim da arte está baseado em sua filosofia do espírito -passamos da fase da arte e entramos na fase da filosofia. Mas no século 20, caímos verdadeiramente em tempos difíceis. Ninguém sabe realmente o que ela é, para mais além.

Folha - Pluralismo e Hegel! Isso rende mais uma explicação, não é?

Danto - Como disse acima, sou o crítico que sou porque sou o filósofo que sou. Como um pluralista, não tenho nenhuma base particular para sustentar uma espécie de arte sobre outra. Tomo cada coisa como aparece e tento tratá-la em seus próprios termos. Em "A Transfiguração do Lugar-Comum", avancei uma definição de obra de arte: algo em um "artwork", se este incorpora significado. Isso rende uma fórmula para a crítica. Tentar identificar o significado -a respeito de "o que é" a arte- e então mostrar como aquele significado está incorporado ao objeto que encontro e olho. Isto é: usar o significado para interpretar o objeto. Um objeto interpretado corretamente é a obra de arte.

Folha - O que pensa da Escola de Frankfurt?

Danto - Os filósofos frankfurtianos estão tão longe da arte como eu a entendo que eles poderiam muito bem viver na Idade Média.

Em parte porque não sou um europeu, mas um americano, e em parte porque eles não tiveram a experiência dos anos 60 que eu tive, vivendo em Manhattan. E, é claro, porque eu não vejo nada no marxismo ou no realismo socialista; todavia eu posso entender como intelectuais da geração dos frankfurtianos acreditaram nessas coisas.

Adorno era um homem pessimista, mas eu sou otimista por natureza. A famosa afirmação de Adorno de que escrever poesia após Auschwitz é obsceno me parece ela própria obscena. Por que as pessoas não escreveriam poesia? Em Nova York, após o 11 de Setembro, milhares de pessoas construíram santuários. Elas estavam bastante emocionadas. A arte é uma resposta natural após uma tragédia -de algum modo, ela cicatriza.

Walter Benjamin foi um homem brilhante, mas sua tese sobre a reprodução mecânica da arte se tornou falsa. Como filósofo da arte, foi sorte estar vivendo no tempo em que vivo, quando tudo está mais claro, quando tudo é possível.

Folha - Mas há scholars que lembram da noção de aura (de Benjamin) em relação ao seu trabalho.

Danto - A idéia de Benjamin de aura está em conexão com a arte e em contraste com a arte reproduzida mecanicamente. A cruz era a fotografia, que no tempo de Benjamin não havia sido aceita como arte por ser "mecânica". Mas agora os museus estão abertos à fotografia, e fotos são colecionadas, tornam-se algo bastante caro.

Benjamin tinha um tipo de agenda institucionalista -se mudamos as instituições de arte, a política segue o costume. O que ele não previu era que o museu abriria as portas para todos, tornando-se amplamente popular. Isso era uma teoria muito original, mas ela não funcionou na prática. Em um sentido importante, a aura estava associada com artesanato e com a mão, e a reprodutibilidade mecânica, com as máquinas, com câmeras. Isso, ao fim e ao cabo, não teve nenhuma importância.

Folha - E como fica a arte em relação à moral, para aqueles que defendem a tese do "fim da arte"?

Danto - A visão de que qualquer coisa pode ser uma obra não implica que qualquer coisa seja moralmente permissível na medida em que é arte. Se alguém decide assassinar seis crianças e exibir os corpos como arte, isso que é arte de nenhum modo diminui a atrocidade moral que é matar crianças.

Minha visão da permissividade artística deixa a moralidade exatamente como ele era: algo pode ser arte e imoral. A liberdade de expressão é absoluta, mas o meio de expressão pode ser moralmente proibido. Pois não acredito em religião, não acredito que algo seja uma blasfêmia em essência -mas certamente as coisas podem ser de mau gosto. Diferença de gosto é algo com que temos que aprender a conviver.

Folha - O filósofo Richard Rorty tem se mostrado pessimista em relação aos EUA. E o sr.?

Danto - Vejo um bom futuro para os EUA. Isso por que eles têm as grandes instituições do século 18 e daí, no fundo, uma filosofia iluminista encravada nessas instituições. Essas instituições protegem as liberdades individuais básicas a despeito das imensas pressões que de vez em quando emergem, de modo que os EUA são o país mais livre no mundo.

E temos vivido como uma democracia por mais de 200 anos, sem um rei, uma aristocracia ou, nos tempos modernos, um ditador ou uma junta militar. Na Guerra Fria, que durou 40 anos, coisas terríveis foram feitas pelos Estados Unidos, mas coisas terríveis também foram feitas pela União Soviética. Foi uma guerra de filosofias em conflito. Aquela guerra acabou, e a filosofia que os EUA sustentaram venceu.

Dadas as violações terríveis dos direitos humanos sob o socialismo, eu sou feliz por termos vencido, mas o preço foi horrível, especialmente para a América do Sul, onde há a questão dos ditadores que foram sustentados pelos Estados Unidos. Acho que tem de haver uma anistia de ambos os lados agora.

Nova York, que eu amo, é um modelo para o mundo. Todo mundo consegue se entender com todo mundo, mesmo se, em outra parte do mundo, eles estejam se dividindo -judeus e árabes, sérvios e croatas, curdos e turcos. O ar de Nova York é feito de tolerância e liberdade. Em todos os lugares do mundo as pessoas estão interessadas na cultura norte-americana. Eles gostam da vida retratada nos filmes, nas canções e na arte.

Penso, também, que qualquer um está interessado no futuro dos EUA. Se outros países vão mal, o mundo segue seu curso. Mas se os EUA vão mal, isso é ruim para o mundo. Eu realmente gosto de ser americano.

O fato de pessoas de outros países estarem interessadas em minha filosofia significa que elas têm de pensar melhor sobre os EUA, uma vez que minha filosofia não teria sido possível em qualquer outro lugar.

Mas há um monte de coisas erradas com os EUA. O país poderia aprender muito com a Europa sobre bem-estar social, por exemplo. A vida americana é cruel de uma maneira que não ocorre em outros países. Poderia ser melhorada e deveria ser melhorada. Mas acho que a idéia de ser melhor está encravada na própria idéia de EUA.

Folha - O que o sr. acha do governo de George W. Bush?

Danto - Bush é um presidente ruim, em minha opinião. Sua filosofia é essencialmente aquela da maioria das pessoas conservadoras dos EUA, que são os menos americanos dos americanos. Eles estão convencidos de que aqueles que discordam deles estão errados, que são completamente não-americanos. Seus interesses estão com a pior parte dos interesses de negócios americanos.

Assim, eles se opõem às pesquisas sobre célula-tronco e ao Protocolo de Kyoto [acordo que busca reduzir as emissões de gases causadores do aquecimento global].

A Guerra do Iraque foi algo para a qual ele, Bush, estava disposto e que fez do mundo um lugar bem mais perigoso. Ele tem violado os direitos privados de seus próprios cidadãos para ampliar o poder presidencial.

Tudo isso é amplamente conhecido e entendido. E na hora certa, forças opositoras irão emergir para suplantar o programa de Bush. Todas as coisas têm sido distorcidas por medo do terrorismo, assim como, na Guerra Fria, elas foram distorcidas por medo do comunismo.

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Um comentário:

Rodrigo Contrera disse...

querido
queria ler o que VC pensa. não a folha, que eu compro. só isso.
flw
abração
contrera