quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Caetano X Jotabê Medeiros: A Luta Continua

http://medeirosjotabe.blogspot.com/2008/09/o-professor-aloprado-parte-um.html

O PROFESSOR ALOPRADO - PARTE TRÊS

Na lista de “erros crassos” que Caetano levantou a respeito do meu texto (desesperado esforço de me desqualificar como analista do seu trabalho), alguns itens dispensariam comentários.
É o caso de ele ter assinalado que a palavra necrópsia, como eu grafei, estaria errada: não seria acentuada. Equivoca-se de novo: é uma palavra com dupla prosódia (como biópsia ou biopsia; autópsia e autopsia; boemia ou boêmia; catéter ou cateter). O Vocabulário Ortográfico da Academia Brasileira de Letras poderia ajudá-lo em suas tarefas.
Entretanto, nesse ponto da “necrópsia”, ele entendeu aquela que talvez fosse a ironia mais cruel do meu texto (não sou cruel por natureza, mas confesso que me excedi aqui): a bossa nova doente que eu descrevo está desenganada, é na verdade moribunda, e a escalação de dois totens da MPB (que não são os mesmos Roberto e Caetano do show, mas seus mitos) destina-se a dissecar o seu cadáver. Estão a postos ali no palco, esperando que ela desencarne.

O cantor aferra-se a picuinhas para tentar readquirir seu orgulho ferido. Como aqui, citando-me:
Roberto e Caetano fizeram de tudo para Tom Jobim: bajularam-no, superlativaram-no, choraram-no. "Como o autor justificaria o uso da preposição 'para' com os verbos (seguidos de pronomes átonos) que vêm depois dos dois pontos?", indaga o mestre.
Ora, professor, é fácil: é só usar um pouco de perspicácia (algo que qualquer leitor mediano consegue) para saber que há um verbo oculto ali, um verbo subentendido. Algo que se deduz facilmente pelo contexto. Eu poderia sugerir a Caetano alguns verbos para seu uso pessoal ali: “ordenhar”, “puxar o saco”. Mas é melhor não fazê-lo.

Mais adiante, Caetano pergunta: “Afinal o tom criticado era de solenidade ou de paródia? E ‘gesto imitador’ vem para ilustrar uma ou outra? O período resulta incompreensível”.
Não vejo por que me estender muito aqui: a paródia a que assistimos naquela noite tornava-se ainda mais patética à medida que os dois medalhões mostravam-se mais solenes e compungidos. Tínhamos, então, uma paródia solene, algo aberrativo enquanto expressão, mas assustadoramente real.
A imersão apressada e desconexa na obra de Jobim só podia dar nisso. Creio que Chico Buarque teria demonstrado mais sensibilidade e presença de espírito ao tratar de Jobim, cuja obra ele conhece mais profundamente do que Caetano e Roberto.

No mais, Caetano não gostou de naftalínico, eu também não gosto de djavanear. Neologismos nem sempre agradam a todos.

Tem muita baboseira em seu arrazoado, trata-se de procurar o famoso pêlo em ovo. Há dois problemas reais (por conta do ritmo industrial de um jornal, às vezes temos pouco mais de duas horas para redigir; Caetano teve uma semana para cozinhar seu ressentimento).

EM TEMPO – Mais uma coisa: o jornalismo americano, que mr. Veloso idealiza tanto (sempre se deu muito bem com os jornalistas do New York Times), aquele jornalismo que não cometeria o erro de publicar um texto como o meu, em sua opinião, é o mesmo que acobertou durante anos o trabalho sujo de Jayson Blair e Janet Cooke. Entre outros.


CONTINUA...

O PROFESSOR ALOPRADO - PARTE DOIS

É compreensível o desprezo que Caetano tem pelo jornalismo musical, que ele definiu lá atrás em seu blog como “o lixão da imprensa”. Ele talvez se refira à bovina concordância com que a maioria da imprensa musical, nos últimos tempos, acena para com qualquer coisa que ele, Caetano, diga, faça ou fale. Ele é adulado por essa maioria (pareceu-me até que tinha como favas contadas que desfrutava de unanimidade). Consequentemente, assustou-se com a prova da existência de uma minoria que é independente e não se sujeita ao seu cabresto de influências.

Modestíssimo, diz que escreve em resposta à minha crítica porque se preocupa com “a afirmação das glórias nacionais” (ele, é claro, incluindo-se nessas glórias). Glórias nacionais não podem ser questionadas, n’est-ce pas?
É tudo muito engraçado, de fato. Morro de rir com a confusão que ele faz entre o jornalismo de Folha, Estado e Veja. Ele tem na cabeça uma imagem cristalizada do que sejam alguns profissionais dessas empresas, confunde esse comportamento individual com o de toda a empresa e tenta enquadrar todos nessa sua expectativa. Infelizmente para ele, não estou em sua cartilha. Meus editores não pensam que são seus amigos. Nem tampouco sou um jornalista da categoria outdoor de Times Square. Nem queria polarizar com ele, tenho trabalho a fazer.

Mas não posso deixar de ler nas entrelinhas do teatro de Caetano. Ele não é tão inofensivo assim, não está apenas brincando de clown tropicalista. Seu jogo é um pouco mais pesado. Ele não se contenta somente em tentar desqualificar minhas rústicas ferramentas profissionais. Vai além: pede minha demissão duas vezes. Primeiro, sugeriu que meu editor tome providências a meu respeito, que não me deixe escrever com tanta liberdade. Depois, que os leitores do jornal no qual trabalho façam Justiça em seu nome (talvez pedindo minha cabeça?).
“Nos Estados Unidos, um texto semelhante poderia provocar a perda do emprego”, diz o valente herói tropicalista na segunda parte. É uma deslealdade: eu não poderia sugerir o mesmo ao banco que o contratou para fazer um concerto de segunda classe, poderia?

Ele se mostra arrogante e presunçoso. Um autêntico coronelzinho da MPB, cercado de vassalos de toda natureza, prontos a tomar suas dores. Sugere que já fez isso anteriormente, que já pediu cabeças de desafetos, e é bem provável que tenha sido bem-sucedido. Confia que sua poderosa rede de contatos de amigos apresentadores, amigos editores, amigos colunistas e amigos blogueiros lhe assegure uma confortável unanimidade.

Caetano Veloso preza tanto a democracia que, no mesmo blog de onde dispara suas intempestivas setas envenenadas, não permite que sejam postados comentários que lhe sejam desfavoráveis. Todo mundo o ama naquele pedaço. Mas, mesmo no fabuloso mundo de Fahrenheit 451, algo pode fugir do seu script.



Digo com convicção aos meus 7 leitores: não se preocupem, não esqueci de responder ao restante do Manifesto Gramatical do Professor Raimundo Caetano. Depois do almoço, CONTINUA...

O PROFESSOR ALOPRADO - PARTE UM

Há uma semana, Caetano Veloso me achincalha em seu blog por conta de crítica desfavorável que escrevi sobre seu show com Roberto Carlos, semana passada, no Auditório do Ibirapuera.
Certamente crê que, no ataque, conseguirá neutralizar a impressão negativa que a crítica tenha produzido. “A picuinha me redimirá”, deve pensar o perspicaz cantor e estadista. Caetano tem apenas 66 anos, mas demonstra sinais de senilidade precoce.
Começou intempestivamente, me xingando. Primeiro, achei que seu destempero o tornava um tanto frágil e patético, e relevei. É uma dupla armadilha esse tipo de coisa: se respondo a barbaridade dessa natureza, vão dizer que quero polarizar com a vaca sagrada da MPB (e tenho alergia a publicidade); se não respondo, ele acaba sedimentando sua verdade particular, que é fazer pensar que estou admitindo que vi o que não vi.

Ontem, Caetano voltou à carga. Agora, veio vestido com as armas de Guardião da Gramática. Aprendeu até a colocar trema corretamente em “qüinqüênio” – um progresso considerável para quem grafava “trexo” em vez de trecho, que escreve “veses” no lugar de vezes, e acha que “hilário” é o mesmo que “hilariante” (quando o primeiro é um nome próprio, e o segundo um adjetivo), e que confunde Pasquale Cipro Neto com um certo "Pascoali". Vejam: não estou colocando em suspeição a origem de seu manifesto gramatical, apenas achando engraçado.

Instalado em sua cadeira na Escolinha do Professor Caetano Raimundo, ele explica que tenta exibir sua faceta de mestre das “gramatiquices” para a ex-mulher empresária. Diz que um termo que cunhei, naftalínico, é um neologismo incorreto. Prefere “naftalênico”, porque naftalina é marca, e sua origem está no naftaleno, etc e tal. Imagino Caetano, travestido de scholar, aconselhando os Paralamas a mudar o nome de Loirinha Bombril para “Loirinha lã de aço”, argumentando que Bombril é o nome comercial da coisa.

Confesso que achei muita graça no seu tom de corretor de provas do Enem: “Na segunda frase temos logo uma formulação torta: ‘é um efeito sintomático’. Mas isso é problema de estilo.”
Bom, se Caetano Veloso aponta um problema de estilo no meu texto, devo curvar-me. É um artista que está em seu auge criativo, que produz uma poesia tão fascinante quanto os versos adiante: “Falta o mundo ver assim/ Água de Kassin lava a Nova Capela/ Eu amo PUC e a gíria dos bandidos/ Fundição Progresso/ Eis a Lapa/ Lula e FH/ Amo nosso tempo/ Em ti”. Uau! Logo se vê que estilo não tem lhe faltado em sua produção recente: “Não tenho inveja da menstruação, não tenho inveja da adiposidade, só tenho inveja dos orgasmos múltiplos”

E prossegue o nosso vigilante da língua: “Já as vírgulas que separam a expressão ‘ao vivo’ são mais do que desnecessárias: constituem erro, uma vez que “ao vivo” tem o mesmo papel de adjetivar ‘homenagem’ que ‘vítrea’ tem de qualificar ‘imagem’. Trata-se de uma mania de usar vírgulas em excesso, coisa que tem prejudicado tantos textos jornalísticos (e mesmo literários) entre nós. Há também imprecisão (e mau gosto estilístico) em chamar ‘a memória’ de ‘imagem vítrea’ (por quê? porque se tratava de projeção de vídeo? será que alguém pensa que vídeo é vidro? ou apenas quer dizer que imagens na memória são de vidro?).”
Caetano está enganado, como enganado está o seu professor de português (ou o antropólogo “ixperrto” de plantão que copidescou isso para ele). Vítrea, se ele tivesse se dado ao trabalho de ir a outra fonte, talvez o professor Houaiss, significa também “translúcida”, e é nessa acepção que é empregada aqui. Nem toda imagem é translúcida. Aquela era.
Caetano me perdoe pela franqueza, mas eu trocaria todas minhas vírgulas por um bom show naquela noite, e acho que teria feito um bom negócio. Mas as vírgulas estão no meu texto, e infelizmente ele vai ter de engoli-las.



CONTINUA...

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