terça-feira, 2 de setembro de 2008

Minha Carta para o Estadão e a Folha

Noves Fora, Insulto e Preconceito[1]

Escrevo esse texto atendendo ao próprio pedido de Caetano Veloso, que nessa polêmica com os repórteres, pediu aos leitores que se manifestassem. Pois aqui está: Caetano mostrou que não aceita mesmo a crítica desfavorável. Qual seria, afinal, a ira de “Caê” com a crítica? Alguém já disse que é porque Caetano acha que tudo o que ele faz é mágico, lindo, abracadabra. No entanto, penso que Caetano se faz de crítico de si mesmo, sentindo-se auto-suficiente em relação à crítica.

Acontece que, quando Caetano ri e lê publicamente uma entrevista onde Lobão diz que a bossa nova é uma linguagem morta, abre o precedente e terá que aceitar um questionamento como o de Sylvia. E a jornalista da Folha não foi a única a se queixar do show: li uma crítica bastante negativa também no blog do escritor Alberto Guzik, por exemplo.

Talvez seja tudo culpa da carga tributária...da bossa nova. Talvez já esteja na hora de Augusto de Campos rever aquele apoio incondicional que deu ao Caetano de 1967: a Jovem Guarda trouxe compositores de valor, mas abriu caminho para músicos que faziam meras versões baixo nível de rocks estrangeiros. Daí para uma canção dançante romena citando Picasso virar a Festa do Apê foi apenas uma questão de tempo. Quando Gilberto Freyre (“Espírito Santo” do tropicalismo, segundo Glauber Rocha) foi a Nova York, considerou que seus arranha-céus eram coisa de parvenu (“novo rico”). Portanto, Caetano faria melhor se argumentasse mais com a crítica paulista e elogiasse menos as pontes e arranha-céus da cidade. Quem sabe um dia alguém componha a canção Tinhorão Tinha Razão. Pois o fato de Noel criticar a cultura popular não serve para justificar a salada pop contracultural tropicalista. E esse é um Noel lido por Caetano, antes de mais nada. Na Obra em Progresso do transblogueiro Caetano, Oswald de Andrade virou citação pernóstica. Logo ele, que tanto combateu a gramatiquice. Ou Gil deveria cantar “alegria é a prova dos noves” quando for interpretar Geléia Geral?

Mas nada disso se compara ao preconceito lingüístico que ele dissemina ao defender-se da crítica. Nada é tão danoso: Caetano precisa afastar-se de Pasquale e ler Marcos Bagno. Ele não considera que o que existe na língua é desvio e variação da norma culta e o conceito de “erro” que está usando é retrógrado. Aliás, se os jornalistas comunicaram o conteúdo (e muito bem!) já é sinal de que dominam a gramática básica. Noves fora, na falta de argumentos, foi isso que restou do “músico auto-criticante”: insulto e preconceito.



[1] Graduado em Filosofia (UFMG). Mestre em Estudos Literários e Doutorando em Teoria e História Literária (UNICAMP).

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