DA SÉRIE "REENCONTROS"
Adolescente come tudo o que vê pela frente. E entenda-se no caso o verbo “comer” em acepções variadas, como se pode supor em sendo o adolescente macho e naquele cafundó onde nada faltava, menos o que fazer. Não tendo o que degustar em carne e osso de imediato, ele ligou o aparelho com o bico do bamba branco. Aliás, bamba só tinha branco, pelo menos nas melhores casas do ramo por ali, num ano perdido que é preferível nem mencionar por estar perdido mesmo.
“Vamos passar a noite juntos”, convida Mr. Michael Philip Jagger a quem interessar possa na fita cassete Basf 60 minutos. Aquilo era o rock no cio. Entre uma faixa e outra, o ruído gravado da agulha sulcando o long-play high fidelity parecia um campo de batalha, Vietnam fonográfico a detonar a paz doméstica que ainda restasse. Pra contrabalançar o ”Let’s spend the night together” ia muitíssimo bem o “As tears go by” que vinha na seqüência - presença obrigatória nos bate-coxas à média luz, que os cinco rebeldes gravaram em resposta a “Yesterday” no interminável toma-lá-dá-cá Beatles/Stones. Havia ali um quê angelical que traía a simpatia pelo demônio, coisa que os autores não faziam questão nenhuma de esconder. O arranjo de cordas era quase um anti-Stones, a negação da língua de fora, a versão “música de casamento” dos ícones da irreverência mais contraventora que o mundo já conheceu.
Numa pilha de discos ao lado do Sharp com sistema belt-drive, o “Cores, Nomes” do Caetano fala da franja da encosta cor de laranja, do capim rosa-chá, do mel de olhos luz e de átomos que dançam. Linda, mais que demais, porém a taxa hormonal no pico pedia pedras rolando, de preferência com a presa da vez na cama de solteiro e já nuinha pra não se perder tempo desembrulhando. Ela diz que ouviu falar que cinza de cigarro na cerveja dá barato. Fiapo de casca de banana torrado no forno também. O melhor pra se fazer na vida acontecia no quarto quando não havia ninguém em casa, com incenso aceso pra disfarçar outros cheiros, ou no maverick emprestado, sempre com gasolina na reserva e o tape com o ajuste de graves defeituoso. Não se cogitava o boato de que o Keith havia trocado todo o sangue do corpo, na tentativa de se purificar das drogas. Charlie Watts, o mais velho, devia andar por volta dos quarenta, se tanto, e sem sinal de câncer na garganta. As aulas eram matadas impiedosamente porque não havia mesmo recuperação que evitasse a repetência, nem nada que fizesse o Zé Vicente tomar jeito.
Na sala ampla de pé direito alto, José Vicente Lagoa Altenfelder, CEO de poderosa multinacional coreana do ramo químico, lê que o desenho original da lendária língua vermelha e branca foi vendido por 51 mil libras para o Victoria and Albert Museum, de Londres. Dobra o jornal, se espreguiça na long chaise e aciona o home theater para o “Shine a light”, do Scorsese. Aqueles senhores sexagenários mandando ver “As tears go by”, mais de 40 anos depois do raro surto de inspiração, canalizaram nele as lágrimas do título. Talvez mais que todas as vertidas desde os tempos da rainha Lady Jane.
“Vamos passar a noite juntos”, convida Mr. Michael Philip Jagger a quem interessar possa na fita cassete Basf 60 minutos. Aquilo era o rock no cio. Entre uma faixa e outra, o ruído gravado da agulha sulcando o long-play high fidelity parecia um campo de batalha, Vietnam fonográfico a detonar a paz doméstica que ainda restasse. Pra contrabalançar o ”Let’s spend the night together” ia muitíssimo bem o “As tears go by” que vinha na seqüência - presença obrigatória nos bate-coxas à média luz, que os cinco rebeldes gravaram em resposta a “Yesterday” no interminável toma-lá-dá-cá Beatles/Stones. Havia ali um quê angelical que traía a simpatia pelo demônio, coisa que os autores não faziam questão nenhuma de esconder. O arranjo de cordas era quase um anti-Stones, a negação da língua de fora, a versão “música de casamento” dos ícones da irreverência mais contraventora que o mundo já conheceu.
Numa pilha de discos ao lado do Sharp com sistema belt-drive, o “Cores, Nomes” do Caetano fala da franja da encosta cor de laranja, do capim rosa-chá, do mel de olhos luz e de átomos que dançam. Linda, mais que demais, porém a taxa hormonal no pico pedia pedras rolando, de preferência com a presa da vez na cama de solteiro e já nuinha pra não se perder tempo desembrulhando. Ela diz que ouviu falar que cinza de cigarro na cerveja dá barato. Fiapo de casca de banana torrado no forno também. O melhor pra se fazer na vida acontecia no quarto quando não havia ninguém em casa, com incenso aceso pra disfarçar outros cheiros, ou no maverick emprestado, sempre com gasolina na reserva e o tape com o ajuste de graves defeituoso. Não se cogitava o boato de que o Keith havia trocado todo o sangue do corpo, na tentativa de se purificar das drogas. Charlie Watts, o mais velho, devia andar por volta dos quarenta, se tanto, e sem sinal de câncer na garganta. As aulas eram matadas impiedosamente porque não havia mesmo recuperação que evitasse a repetência, nem nada que fizesse o Zé Vicente tomar jeito.
Na sala ampla de pé direito alto, José Vicente Lagoa Altenfelder, CEO de poderosa multinacional coreana do ramo químico, lê que o desenho original da lendária língua vermelha e branca foi vendido por 51 mil libras para o Victoria and Albert Museum, de Londres. Dobra o jornal, se espreguiça na long chaise e aciona o home theater para o “Shine a light”, do Scorsese. Aqueles senhores sexagenários mandando ver “As tears go by”, mais de 40 anos depois do raro surto de inspiração, canalizaram nele as lágrimas do título. Talvez mais que todas as vertidas desde os tempos da rainha Lady Jane.
© Direitos Reservados
Marcelo Sguassábia
Nenhum comentário:
Postar um comentário