Vejam aí o que ele diz do Mirisola. Os comentários que faço vão em itálico.
Terça-feira, 23/9/2008
Três vezes Mirisola
Rafael Rodrigues
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Marcelo Mirisola é um gênio. É o melhor escritor brasileiro em atividade e, talvez, um dos poucos nascidos no século XX que será lido daqui a décadas ou, se este mundo não "acabar" antes, centenas de anos. Mirisola poderia, se assim quisesse, até assinar seus textos com o seguinte pseudônimo: Machado Rodrigues (ou Nelson de Assis, tanto faz), visto que há na sua escrita a classe, o humor e a ironia de Machado de Assis e o caos delicioso de Nelson Rodrigues. Isso tudo na opinião dele, claro. Para mim, Marcelo Mirisola não tem nada de Machado de Assis, Nelson Rodrigues ou qualquer outro grande autor, e não passa de alguém que publicou uma porção de livros e que, por causa disso, se diz escritor.
Aqui, Rafael aparenta querer dizer o que Nelson e Machado diriam de Mirisola. E diriam isso mesmo: é pornógrafo barato, não é escritor, etc. No entanto, uma ou duas gerações fazem toda diferença depois de uma revolução nos costumes, como ocorreu nos anos 60 e 70. Para Rafael, ser escritor é grande mérito; ele mesmo não diz crítico e sim resenhista; mas isso é o que ele não faz, mas seria útil: ele não resenha Mirisola. Apenas desdenha. Para Machado, censor teatral e Nelson Rodrigues, apoiador da ditadura, para resgatar alguns de seus "eus", Mirisola poderia morrer num hospício ou masmorra, à la Sade, com os livros proibidos, quem sabe? O fato é que os dois autores não fornecem base para que se analise Mirisola.
Digo isso baseado na leitura de O homem da quitinete de marfim (Record, 2007, 240 págs.), que reúne as crônicas que Mirisola escreveu para o extinto site da AOL durante o ano de 2004, e na tentativa frustrada de ler mais outros dois livros seus: o romance O azul do filho morto (Editora 34, 2002, 172 págs.) e o volume de contos O herói devolvido (Editora 34, 2000, 190 págs.).
Em uma de suas crônicas, o autor diz: "quero o horror pelo horror e vou do nada a lugar nenhum". E assim podem ser definidos todos os três livros citados: páginas repletas de críticas, ofensas e palavrões que surgem do nada e não têm objetivo algum, a não ser "o horror pelo horror".
Dá para cobrar "objetivo" para romance ou conto? Mirisola evidentemente escreve por prazer e, como consegue transmitir isso ao leitor, possui leitores que fruem seu texto. Deveria ser o horror pela revolução, horror pelo Paulo Franis, horror por New York, Rafael? Se fosse, queria ver seu julgamento.
O homem da quitinete de marfim é um livro sem quê nem pra quê. Li praticamente todos os textos de cabo a rabo ― admito que pulei uma crônica e li umas três ou quatro pela metade ― e não consegui gostar de nenhum deles. Aliás, minto: houve uma única crônica pela qual me afeiçoei, digamos assim: "SP Fashion Week", na qual Mirisola critica o mundo da moda (meninas novas demais, magras demais, algumas que ganham pouco demais ou são enganadas pelas agências de moda, essas coisas; ou seja: nenhuma novidade, mas não deixa de ser um assunto interessante), e há uma outra que vale a leitura porque se refere ao escritor japonês Junichiro Tanizaki. No mais, o que vemos são textos confusos (em um deles, por exemplo, Mirisola consegue citar Saddam Hussein, uma pesquisa científica, Ed Motta, Daniel Piza e Lula!), quase todos equivocados e que vão "do nada a lugar nenhum". Quando digo "quase todos equivocados" é porque há alguns comentários acertados sobre política (à época corria a história do mensalão). Trechos isolados dentro de textos prestes a desabar, de tão mal estruturados.
O problema, a meu ver, é a crítica gratuita e nada construtiva. Personalidades como Walter Salles Jr., Rubens Barrichello e Ayrton Senna são criticadas e atacadas arbitrariamente. Mirisola reclama, por exemplo, de nunca ter visto Senna se referir a livros, ou ser associado a eles. Por mais que seja uma brincadeira do autor ― se for, é de muito mau gosto ―, não se justifica; é uma cobrança totalmente absurda e despropositada. É como recriminar Machado de Assis por não jogar bola nos fins de semana.
Espécie de Diogo Mainardi do meio literário, falta a Mirisola o bom senso que o colunista da Veja tem. Enquanto o primeiro tem como objetivo derrubar um governo, denunciar esquemas de corrupção e sacudir os leitores de sua coluna, levando-os a serem cidadãos mais críticos e exigentes, o segundo simplesmente atira para todos os lados sem qualquer critério ou finalidade.
Aqui, me incomoda o fato do autor, sem se assumir crítico, ter apanhado um clichê de críticos como Paulo Francis: falo de Montaigne e de 64, mas na verdade quero mais é falar de mim mesmo. Isso em Francis tem suporte até certo ponto, mas aí acima Rafael praticamente se auto-define: "espécie de Diogo Mainardi do meio literário". Mainardi é o modelo e a referência de Rafael até mesmo nessa crítica a Mirisola. Esse parágrafo acima é estarrecedor: Mainardi parece combater justamente o "bom senso". E o texto prossegue, fazendo uma bela confusão entre "derrubar um governo" e levar alguém a ser um cidadão mais crítico. Se ele dissesse: "fazer o impeachment de um governo corrupto", aí tudo bem. Mas, colocado assim, Rafael, parece a mera apologia de um golpe de estado, a derrubada de um governo eleito pela maioria dos cidadãos. Realmente, Mainardi já assumiu que escreve determinadas finalidades. No entanto, com que finalidade ele escreveu seus romances? Comparou-se, sem proveito, as crônicas políticas de Mainardi com as crônicas de Mirisola, que não é colunista político. E outra: esse "Três Vezes Mirisola" é um belo exemplo de crítica construtiva, né?
Das crônicas, passei para a ficção. Pensei que no terreno da invenção Mirisola pudesse se revelar um bom escritor. Sou, apesar de tudo, um otimista. Afinal, existem autores que não conseguem acertar a mão em textos não-ficcionais, apesar de muito tentarem. E imbuído de esperança tirei da estante o já citado romance O azul do filho morto.
Pode até ser falta de sensibilidade minha (duvido muito), mas depois de ler mais de trinta páginas de divagações de um narrador completamente obcecado por sexo e palavrões, resolvi interromper a leitura. Até li trechos adiante, na tentativa de encontrar alguma passagem que me fizesse mudar de idéia e voltar a ler o livro. Às vezes isso acontece. Há livros que só ficam interessantes depois de não sei quantos capítulos. E isso já aconteceu comigo pelo menos uma vez (foi quando li A história do amor, de Nicole Krauss). Ciente disso, percorri páginas e páginas em busca de algo animador e que apagasse a má impressão que as primeiras trinta haviam deixado. Até os parágrafos finais do livro eu li, porque a esperança é a última que morre, certo? Mas de nada adiantou.
Rafael, acho que você já foi a Mirisola com as esperanças mortas. Talvez isso te inspire resenhas ou poemas, enfim. E, se tudo tem que ter sentido e objetivo, qual o verdadeiro sentido e o objetivo dessa "resenha"? Rafael, deixe que eu mesmo respondo: ganhar pontos subjetivos em ressonância com afinidades eletivas dentro de um meio de comunicação. Creio que não foi preciso resenhar: o resenhista já tinha um ponto de chegada, uma opinião sobre Mirisola, apenas leu rapidamente os livros para confirmar seu ponto de vista preconcebido.
Foi também o que aconteceu com os contos de O herói devolvido. Depois de ler cinqüenta páginas de palavrões, sexo, fluidos corporais e reclamações sem qualquer sentido ou objetivo, e nem sequer me divertir com nenhuma das histórias contadas, desisti. Nem as referências a John Fante e Julio Cortázar, escritores que muito admiro, me fizeram seguir adiante.
Mas é com as referências e pistas que fornecerão os textos de John Fante, Bukowski e Cortázar que você vai conseguir resenhar Mirisola, Rafael, e não com Machado e Nelson.
É certo que há gosto para tudo. E se Marcelo Mirisola vem sendo publicado há 10 anos, é porque algum público ele tem. Bom para ele e para quem gosta dele. Não para mim, que perdi uma semana em leituras nada proveitosas, enquanto poderia ter lido coisa melhor.
Humm...essa impressão está passando para mim. E é a respeito de seu texto. Mas não fiquemos só na vontade. Existem as outras críticas acadêmicas aí em cima, Rafael, boas para quem desconhece a crítica acadêmica, afinal.
Apesar de tudo, é necessário reconhecer que Marcelo Mirisola é um dos poucos escritores brasileiros com autonomia e, vá lá, coragem para escrever o que quiser sobre o que (e quem) bem entender. Segundo ele, é o único. E Márcia Denser seria a única escritora com liberdade semelhante (também segundo Mirisola). Não diria que são os dois únicos autores brasileiros a desfrutar de tal privilégio, mas realmente são poucos os que se expõem (e expõem) tanto.
Sem contar que ao menos em uma coisa sou obrigado a concordar com ele. Em várias crônicas Mirisola afirma que Budapeste, de Chico Buarque, é um péssimo livro. Nisso ele tem razão.
Depois de desqualificar o Mirisola, concordar com ele a respeito de um juízo literário fica sendo absolutamente supérfluo. E pior: lança dúvidas sobre a competência do Mirisola e sobre a sua. Mas com certeza não era essa a sua intenção. Mas essa dúvida não é assim tão torturante. Basta ler com atenção seu texto.
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