segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Site Com Outros Trabalhos do Elifas Andreato

O artista sempre escolhe o que faz da sua arte. Ele decide a quem empresta seu talento, como usa os recursos incorporados ao trabalho pelo estudo e pela observação. Isso sempre foi assim. Há os que se desculpam pelos rumos tomados e os justificam pela pressão da sobrevivência. Outros se rendem sem dar satisfação, como se a função do artista fosse servir, não importa a quem.

Esta é a minha satisfação: minha arte se liga à história da minha vida, das vidas assemelhadas à minha, e serve para contar o que eu e pessoas semelhantes a mim entendemos, seja o mundo, a justiça e a liberdade. Assim deve ser entendida essa trajetória: ela é a soma das impressões fixadas no papel, ao longo de um caminho que começa no Paraná e que não sei onde termina. O que aprendi, como autodidata, coloquei a serviço do que acreditava e jamais traí minhas crenças nem as troquei pela melhor oferta.

A forma de expressar essa visão nasceu numa fábrica de Vila Anastácio, nas bobinas de papel de embrulho que, ao invés de embalarem fósforos, viravam cenários para os bailes no refeitório da empresa. Toda semana, os painéis de madeira entregues pela carpintaria eram revestidos dos meus sonhos e, na semana seguinte, já não existiam, tinham sido trocados para que os convidados tivessem a ilusão de passearem por outros cenários que em nada se parecessem com os lugares onde moravam ou trabalhavam. As idéias vinham de cartões postais, de revistas que eu folheava, nasciam do papel, ganhavam vida em outros papéis e desapareciam para que a imaginação pudesse viajar.

Mais tarde, enquanto aprendia nas reda-ções, vi os jornalistas multiplicarem suas reportagens e opiniões, das máquinas para as rotativas e depois para as bancas. Foi a lição mais importante das tantas que esses companheiros da criação me proporcionaram: o papel que era o suporte do trabalho original, único, servia igualmente para torná-lo acessível a milhares de pessoas. Aí eu soube que jamais faria quadros, que minha arte deveria alcançar todos os olhos e todas as sensibilidades, jamais se encerrar entre paredes. E o papel me permitiria a reprodução ilimitada do desenho. O que eu criasse, todos veriam.

Por isso, não cuidei apenas das cores, tratei de conhecer o papel, todos os papéis, travei com eles a amizade reverente de quem se desespera e se apaixona. Essa cumplicidade me deu tudo. A possibilidade de contar minha história através dos desenhos, as histórias que me contam ou me pedem para contar, registrar os dias e as noites deste país, as vitórias e as derrotas do povo, tudo contado em bom papel.

Por isso me pareceu tão certo e quase previsível contar estes vinte anos de impressões unindo-os a uma nova fábrica de papel, uma indústria que vai proporciona milhões e milhões de reproduções mundo afora. O que mais poderia querer da vida um sujeito simples, que fez do papel seu confidente, seu confessor, sua virtude e seu destino? Estas impressões, recheadas e enriquecidas pêlos tantos amigos queridos que decidiram compartilhá-las, são a arte final de muitos rascunhos que a vida me fez fazer. Elas são o meu papel neste mundo.

Elifas Andreato (Extraído do livro "Impressões", de Elifas Andreato - Editora Globo, 1996).



http://www.ibacbr.com.br/?dir=anoibac&pag=2006&opc=elifas

Um comentário:

jamesp. disse...

Lúcio,linkei vc lá no meu blog.O penetrália rocks!!Abração.